Os contribuintes não compreendem quanto pagam pelos bens e serviços? Estamos perante uma ilusão fiscal?;

Os contribuintes não compreendem quanto pagam pelos bens e serviços? Estamos perante uma ilusão fiscal?

Há desconhecimento por parte da maior parte da população do nível de impostos suportados. Os contribuintes não percebem claramente o peso total dos impostos.


Do ponto de vista económico o crescimento das despesas do Estado gera a necessidade do aumento da carga tributária. Por outro lado, o aumento da carga tributária torna o recebimento dos bens e serviços públicos e dos bens e serviços privados mais onerosos para os cidadãos. Isto é, são obrigados a trabalharem mais horas para pagarem os seus impostos. De maneira semelhante, o crescimento do Estado também onera os empresários, fazendo com que estes invistam menos. Assim sendo, um aumento da carga tributária, acima de determinado nível, afeta negativamente o padrão de vida de uma sociedade.
Na realidade vivemos num “Estado Fiscal”, o qual pretende arrecadar cada vez mais para se manter e justificar o seu próprio modelo. Assim, temos uma classe dominante – o Estado e a burocracia fiscal - que exerce a sua força sobre uma classe dominada, os contribuintes. Por outro lado, o desconhecimento por parte da maior parte da população da quantidade e do tipo de impostos suportados cria um maior nível de ilusão fiscal. Para esse desconhecimento contribuiu também uma progressiva deslocação da componente de impostos diretos para a componente de impostos indiretos, com grande parte dos países a rever a sua estrutura tributária nesse sentido. A este respeito, num estudo referente à reforma fiscal e ao crescimento económico, a OCDE (OCDE, “Tax Policy Reform and Economic Growth”, OECD Tax Policy Studies, No. 20, 2010) identificou como uma das tendências globais o facto de muitos países terem vindo a reduzir as taxas sobre os rendimentos das famílias e das empresas em contrapartida do alargamento da base tributária das mesmas. É o recurso mais importante de que o Estado dispõe para dominar as populações, pelas instituições que o compõem. Ou seja, as mudanças provocadas pelas eleições são impercetíveis para a maior parte das políticas públicas do país. O interesse público continua tão consolidado nos afazeres da burocracia fiscal que o ingresso de novas autoridades não afetou a entrega de produtos e serviços para a população.
Depois de ter um NIF  (Número de Identificação Fiscal) os cidadãos passam a ter um cadastro na Autoridade Tributária e Aduaneira. Isso significa que, ao começar a trabalhar e a consumir, os cidadãos estarão sujeitos a pagar impostos.
Dos impostos, os que incidem diretamente no cidadão são o IVA e o IRS que recaem sobre o consumo e o rendimento, respetivamente.
A carga tributária em Portugal é bastante elevada, o que faz com que seja essencial que os contribuintes conheçam bem todas as suas obrigações fiscais.
O sistema fiscal português é constituído por vários impostos, constituindo-se na maior fonte de receitas. Nas atividades diárias, todos os atos comerciais que praticamos estão sujeitos a tributação, através de impostos.
Recaindo sobre os cidadãos, empresas e instituições, os impostos obrigam a uma prestação financeira que pode ser pontual ou periódica.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º, da Lei Geral Tributária (LGT), o sistema fiscal português encontra-se estruturado em três categorias de tributos, a saber: os impostos, as taxas e as contribuições. Os primeiros assentam predominantemente no princípio da capacidade contributiva. Isto é, consistem numa prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas, repousando essencialmente no princípio da capacidade contributiva, revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização (consumo) e do património.
As taxas corresponderão à prestação concreta de um serviço público, à utilização de um bem do domínio público ao passo que as contribuições sociais contextualizam-se na obtenção, pelo sujeito passivo, de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade. 
As contribuições sociais são pagamentos efetuados pelas entidades empregadoras e pelos trabalhadores para regimes de seguro social, com a finalidade de constituir uma provisão para o pagamento das prestações sociais. As contribuições sociais dos empregadores são pagamentos realizados pelos empregadores que têm como finalidade garantir aos seus empregados o direito a prestações sociais.
Em termos gerais, as Taxas são uma figura jurídica caracterizada enquanto prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa.
Segundo o Relatório do INE de 2021maio11, sobre “Estatísticas das Receitas Fiscais 1995-2020” a carga fiscal representou 34,8% do PIB em 2020. Este indicador aumentou de 34,5% em 2019 para 34,8% em 2020. A receita do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) cresceu 3,1% refletindo nomeadamente as medidas de proteção do emprego e das remunerações no contexto pandémico. Por razões semelhantes, as contribuições sociais efetivas mantiveram uma variação positiva (1,2%).
As receitas com o IRS e as contribuições sociais efetivas aumentaram, 419 milhões de euros no primeiro caso e 237 milhões de euros no segundo. Esta evolução positiva apesar da contração da atividade económica esteve associada a medidas de política económica visando minorar o impacto no emprego e nos salários da Pandemia, como o regime de Lay-off simplificado. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) é o principal imposto direto, tendo representado 69,7% do total deste tipo de impostos em 2020 (65,1% em 2019).
Em 2020, o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) representou 56,9% das receitas com impostos indiretos. O imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) representou 11,2% dos impostos indiretos em 2020. 
Tendo por referência dados relativos a 2019, último ano para o qual esta informação está disponível, o consumo de gasóleo e gasolinas constituiu 96,5% da base de imposto do ISP.
O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e o imposto sobre o registo de automóveis (ISV), representaram, respetivamente, 3,2% e 1,5% do total dos impostos indiretos em 2020.
Estes valores estão disponíveis para consulta dos contribuintes, através, por exemplo, do Relatório do INE de 2021maio11, sobre “Estatísticas das Receitas Fiscais 1995-2020”. Contudo, segundo o estudo realizado e apresentado na Dissertação de Mestrado em Economia, em Abril de 2019, (“A ilusão fiscal num estudo sobre uma amostra da população portuguesa do Norte do país” – Escola de Economia e Gestão- Universidade do Minho, Ana João Sousa Araújo), verificou-se que a generalidade dos indivíduos inquiridos (cerca de 81%) não sabe quanto paga em impostos mensalmente.
Se o estudo fosse desenvolvido na restante da população portuguesa, com certeza que teríamos conclusões muito idênticas. Ou seja, o desconhecimento por parte da maior parte da população do nível de impostos inseridos abre a porta a um maior nível de ilusão fiscal. 
Noutro interessante estudo realizado e publicado em janeiro de 2016, “O conhecimento fiscal, as perceções fiscais e a educação fiscal em Portugal” ((Lopes, Cidália (ISCAC) e Brites, Rui (FEUC)), cujo objetivo  pretendeu aferir as perceções dos contribuintes, em Portugal, acerca dos impostos e do seu cumprimento. Dos 289 inquiridos, 182 corresponderam ao sexo feminino e 107 ao masculino. Desta amostra 82% eram alunos de Licenciatura, enquanto apenas 16,3% eram alunos de Mestrado, todos do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC), inscritos no ano letivo de 2013/2014.
No que respeita às perceções dos inquiridos sobre aplicação prática do dinheiro obtido através dos impostos, verificou-se que 67,0% dos inquiridos considerou a aplicação prática “pouco adequada”, 14,6% “nada adequada”, 16,7% “adequada” e 1,7% “muito adequada”. Em relação à “Perceção da relação Estado – contribuinte e formação fiscal”, 53,5% dos inquiridos definiram a relação entre o Estado e o contribuinte como “pouco tranquila”, 38,2% “nada tranquila”, 8,3% “muito tranquila”. Em relação à “Consciência dos deveres fiscais e conhecimento fiscal”, 86% consideraram que os contribuintes não têm consciência dos seus deveres fiscais, enquanto 13,9% entendeu que os cidadãos têm consciência dos seus deveres enquanto contribuintes.
O melhor e maior conhecimento fiscal poderá significar mais educação fiscal. Muito podia contribuir para esta melhoria a inclusão de disciplinas de Fiscalidade nos programas curriculares do ensino secundário. Assim, é necessário preparar atempadamente os mais jovens para o momento em que devem cumprir as suas obrigações enquanto contribuintes, proporcionando- lhes uma série de conhecimentos básicos sobre o alcance e a finalidade dos impostos. Os contribuintes, muitas vezes, não têm conhecimentos e formação para compreender muito bem a que são destinados e onde são aplicados os impostos e as contribuições que se vêm obrigados a pagar. É também um entendimento geral que com o pagamento dos impostos, os contribuintes estão a diminuir a sua capacidade financeira e consequentemente a capacidade de adquirir bens e serviços que ambicionam. Neste caso, os impostos terão sempre para quem os paga um aspeto negativo, e consequentemente haverá logo um motivo económico para o não pagamento.
Outra das atitudes que está na base desta relação fiscal é o facto de, parte dos contribuintes, não confiarem na atuação do poder público no desempenho da gestão tributária, ou seja, os cidadãos tem dúvidas quanto à forma como são aplicados os dinheiros arrecadados através da política tributária, pondo em risco o não cumprimento da função social do imposto. Verifica-se, desta maneira, que por um lado o Estado tem legalmente o direito de cobrar impostos, por outro, o contribuinte deseja estar sujeito a uma tributação justa e com benefícios socias daí inerentes.
Assim, na base de algumas das divergências fiscais entre o Estado e os contribuintes estão:
1. A relação entre a elevada carga fiscal suportada e a falta de qualidade de alguns dos serviços públicos oferecidos à população; 2. Por outro lado e, muito importante, estão a corrupção, o desvio de verbas públicas, a má aplicação dos dinheiros públicos, e a ausência de controlo e de manutenção de algum do património público. Estes são fatores que não incentivam o pagamento voluntário dos impostos, pelo contrário, servem de justificação para as fugas e as fraudes fiscais.
 
 
CARGA TRIBUTÁRIA EM PORTUGAL
 
Impostos sobre o património IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis.
IMT – Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
IS – Imposto de Selo.
Imposto sobre consumo IVA – Imposto de Valor Acrescentado.
Imposto sobre os rendimentos IRS – Imposto sobre o Rendimento de pessoas Singulares.
IRC – Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas.
Derrama.
Imposto sobre automóveis ISV – Imposto Sobre Veículos.
IUC – Imposto Único de Circulação.
Impostos especiais: IABA – Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas.
ISP – Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos.
IT – Imposto sobre o Tabaco

TSU – Taxa Social Única

É um desconto que, como no IRS, é efetuado no salário. Mas o destino é diferente, já que serve para financiar o sistema de Segurança Social . É paga tanto pelos trabalhadores como pelas empresas. Por isso, a TSU é a designação dada à soma do que é descontado no salário para a Segurança Social (11%) e o que é pago pelo seu empregador (23,75%). Como tal, excluindo os regimes especiais, a Taxa Social Única tem um valor total de 34,75% em 2022.
Atendendo à atual conjuntura económica- financeira de Portugal, onde os contribuintes são alvos de cortes orçamentais e de aumentos de impostos, é importante que compreendam o que se passa com as contas públicas, exigindo-se comportamentos sustentados no rigor, transparência e organização da gestão da causa pública. Para isso ser viável devem ser colocadas à disposição de todos os cidadãos as contas públicas, ou seja, o relatório das receitas obtidas e das despesas públicas que foram suportadas com essas receitas.
O termo de ilusão fiscal refere-se à “noção de que a perceção errada e sistemática dos principais parâmetros fiscais pode distorcer significativamente as escolhas fiscais do eleitorado” (Oates, 1988: On the nature and measurement of fiscal illusion: a survey. In G. Brennan, B. S. Crewel and P. Groenwegen (eds) Taxation and Fiscal Federalism: Essays in Honour of Russell Mathews). Isso quer dizer, que o sistema tributário pode levar à subestimação dos gastos públicos, e assim o público não é totalmente informado sobre os custos totais da tributação. Neste caso os benefícios dessa mesma ilusão são partilhados por todos os que ocupam cargos governativos, mas quando se trata de pagar essa mesma “ilusão” é o povo que os financia.
Os contribuintes não percebem claramente o peso total dos impostos. Esta situação é mais evidente na população com parcos recursos, os analfabetos e os que trabalham excessivamente. Isso significa que o grau de ilusão fiscal tende a ser ainda maior em comunidades com condições socioeconómicas mais desfavoráveis.
Segundo Stuart Mill, que escreveu os Principles of Political Economy (1848), (Mill, J. S. (1848). Principles of Political Economy With Some of Their Applications to Social Philosophy. 1857. George Routledge and Sons, Manchester , 467-474) no  capítulo VI, intitulado de “Comparação entre tributação direta e indireta”, de acordo com a perceção geral dos contribuintes, os impostos diretos são mais visíveis do que os impostos indiretos, e: “Se todos os impostos fossem diretos, a tributação seria muito mais percebida do que é, e haveria uma segurança que agora não existe, por parte dos contribuintes”.
A hipótese de Mill sugere que a ilusão fiscal pode levar a um gasto público excessivo, com o qual os contribuintes não teriam concordado, se tivessem percebido corretamente a carga tributária resultante (Sausgruber, R., & Tyran, J. R. (2005). Testing the Mill hypothesis of fiscal illusion. Public choice, 122(1-2), 39-68). Um fenómeno comum na literatura de ilusão fiscal é que aumentar a parcela da receita recolhida por meio de impostos indiretos é uma indicação de uma maior manipulação das políticas de ilusão fiscal pelos formuladores de políticas. (Dell’Anno, R., & Mourao, P. (2012). Fiscal illusion around the world: an analysis using the structural equation approach. Public finance review, 40 (2), 270-299).




JOÃO ALEXANDRE COELHO 
Doutorado em Administração Pública (especialização em Contabilidade). Outras habilitações académicas: Mestrado em Gestão (especialização em Auditorias da Qualidade); Licenciado em Economia; Licenciado em Auditoria Contabilística; Bacharel em Contabilidade e Administração.
Ex – Técnico Oficial de Contas; Diretor Departamento de Auditoria Interna; Auditor Internacional; Professor na Universidade; Ex- Professor do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL). Formador; Consultor. 
JOÃO ALEXANDRE COELHO , 18/05/2022
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