“É necessário continuar a baixar os impostos”;

Manuel Valls considera
“É necessário continuar a baixar os impostos”
“Os impostos elevados impedem a inovação, a iniciativa, a implantação das empresas e o investimento estrangeiro que é muito importante para os nossos países”. considera Manuel Valls. Em entrevista à “Vida Económica”, o antigo primeiro--ministro considera necessário prosseguir com a redução dos impostos nos países europeus, nomeadamente em França.
´Manuel Valls é candidato à Assembleia Nacional nas próximas eleições legislativas, pelo círculo dos residentes franceses na Península Ibérica.
Defende uma Europa mais unida, mas também mais competitiva, e acredita na sintonia entre Emmanuel Macron e António Costa quanto às prioridades no plano económico.
Vida Económica - Quais são as principais escolhas a fazer nas próximas eleições legislativas?
Manuel Valls -
Penso que, para todos os países da zona Euro e da União Europeia, o essencial é fazer face à crise provocada pela guerra na Ucrânia. E por isso colocam- se as questões de energia, do fim da dependência do gás e do petróleo russo. A questão da energia também é importante na Península Ibérica. Há a questão da perda do poder de compra com o aumento da inflação. Os salários e os baixos salários vão estar na agenda de todos os países.
Na qualidade de candidato do círculo eleitoral dos residentes franceses em Portugal e Espanha, acho que a energia e os salários ligados ao poder de compra, o apoio à inovação e à tecnologia vão estar no centro das atenções e das preocupações.
Outra questão relevante é a transformação da economia em relação ao desafio climático e à transição ecológica.
 
VE - Se for eleito, quais serão as prioridades da ação?
MV -
Tenho duas prioridades como deputado. Tive a experiência de deputado durante 15 anos. O primeiro objetivo será apoiar o governo de Emmanuel Macron num período que é difícil, porque há a guerra na Ucrânia, porque há desafios climáticos, porque há questões económicas.
O segundo objetivo é ajudar os cidadãos franceses que vivem em Portugal e Espanha no acesso aos serviços públicos, a obter o passaporte, o cartão de identificação ou a carta de condução. Há o tema do acesso à escola para as famílias francesas no Liceu Francês de Lisboa ou Porto, o custo das propinas que é caro, e as questões de fiscalidade e de residência para os franceses, nomeadamente, para os reformados em termos de segunda residência.
Como antigo Primeiro-Ministro e com a experiência que tenho, quero ajudar as autoridades portuguesas, as câmaras de comércio, o tecido económico, a comunidade francesa e também a comunidade lusitana de França a fazer com que as relações económicas, humanas e culturais sejam ainda mais dinâmicas entre os dois países.
Quero estar implicado neste objetivo porque gosto de Portugal e posso ser útil às duas comunidades, portuguesa e francesa.
 
VE - Quando pensamos na Suíça, onde existe uma comunidade portuguesa numerosa, vemos menos impostos, menos despesa pública e mais participação dos cidadãos. Considera que há exemplos interessantes para França outros países da União Europeia?
MV -
Cada país tem o seu modelo. E o modelo suíço – que conheço bem porque a minha mãe é suíça – é um modelo próprio da Confederação Helvética, com os cantões, as suas assembleias, e as suas formas de representação.
Mas há dois elementos que podemos retirar. Na medida em que as nossas democracias são frágeis e em crise da representação democrática, é necessário refletir sobre a forma de aumentar a integração e participação dos cidadãos, o que não é fácil. A nível local, consegue-se com os autarcas bem implantados. Não sei se será o modelo suíço, mas há uma relação com as pessoas que é preciso mudar. É difícil e há a considerar a situação atual com as sociedades horizontais e o crescimento das redes sociais.
O segundo elemento está na minha convicção quanto à necessidade de haver um Estado social. Temos necessidade de ajudar o ensino, a saúde, como vimos com a pandemia, e de lutar contra as desigualdades tendo em conta as pessoas que estão fora do sistema. Mas considero necessário continuar a reduzir os impostos, nomeadamente, em França, para criar dinâmica, o crescimento e o emprego. Estamos próximos do pleno emprego, com falta de mão de obra em todos os setores.
É necessário aumentar a criação de riqueza. Os impostos elevados impedem a inovação, a iniciativa, a implantação das empresas e o investimento estrangeiro, que é muito importante para os nossos países.
Precisamos de uma economia dinâmica e uma democracia vivificada de projetos.

VE - Quanto ao futuro da União Europeia, acha que depende mais da solidariedade ou antes da autonomia dos Estados membros e do aumento da produtividade?
MV -
Sou um europeu convicto, tal como os portugueses também o são, porque sabem o que deram à Europa mas também o que a Europa lhes tem dado.
Penso que o projeto europeu sai reforçado da dupla crise: a crise sanitária e a crise ucraniana.
Compreendemos que é necessária uma Europa mais forte no plano militar e defesa e que agora está mais unida em relação à Ucrânia. E compreendemos a necessidade de uma Europa mais soberana a nível económico, com a relocalização das indústrias, a produção de baterias, dos chips, a produção de medicamentos, de vacinas, ou até de máscaras.
Precisamos de não depender mais do resto do Mundo.
Sim, mais unidade, mas também mais produtividade. É uma federação de Estados-nação onde cada pais tem a sua lógica, mas penso que a convergência vai nesse sentido. Desse ponto de vista, deve haver sintonia entre Portugal e França. Emmanuel Macron e António Costa podem ser úteis neste processo.
Há um défice de energia. A França reforçou a produção nuclear. Há a questão do transporte na Europa do gás argelino e o papel da Península Ibérica no pipeline para o Norte.

Penso que vamos no sentido de mais solidariedade e mais integração.
VE - Quando dirigiu o Governo de França, era considerado próximo do pensamento de Bill Clinton e Tony Blair. A esquerda moderada pode ser pragmática e estimular o crescimento e a competitividade?
MV -
Deixei o Partido Socialista há cinco anos e apoiei Emmanuel Macron em 2017, durante 18 meses, como deputado.
Conforme referi, cada país tem a sua tradição. Mas face aos extremos que conhecem todas as sociedades ocidentais modernas, a ideia de constituir coalições que envolvem a economia de mercado e o Estado social, sobre o progresso humano, as ciências, temos interesse em nos unir. É a grande aliança na Europa entre os sociais- democratas, os liberais, os ecologistas, entre o centro-direita e o centro-esquerda.
As fronteiras políticas do passado voaram em estilhaços. Vamos ver como se irão reconstituir. A esquerda francesa abdicou e submeteu-se à extrema esquerda e a Jean Luc Mélenchon. Na Alemanha, Espanha e em Portugal, ao contrário de França, os sociais-democratas nunca abdicaram de governar.
Defendo uma visão moderna, liberal no plano económico, social, ecologista e com a ideia de renovar profundamente a democracia. Por isso, sinto-me bem com Emmanuel Macron.
Em 2014 disse que o Partido Socialista poderia morrer. Infelizmente, tive razão. É a minha antiga família política e é triste ver a situação a que chegou porque há pessoas em França que continuam a acreditar no que poderia ser a contribuição da esquerda.
Agora é Emmanuel Macron a quem compete responder às expetativas sociais e às preocupações ecológicas.
 
VE - A doutrina oficial da China aponta para a criação do paraíso socialista mundial. Que expressão pode ter este paraíso fora do território chinês?
MV -
Espero que o paraíso que nos aguarda quando a nossa vida termina seja diferente do paraíso maoísta ou chinês.
A China tem a sua própria lógica para se proteger. Hoje em dia, os dirigentes chineses apostam no crescimento. Precisam de um crescimento forte para permitir que o país continue a desenvolver-se e absorver os chineses que estão abaixo do nível dos 300 milhões de chineses que vivem como nós.
A crise sanitária não terminou e penso que cria tensões no seio do poder. A vontade de relocalização afeta os chineses. E o que se passou na Ucrânia é uma mensagem para a China sobre Taiwan.
O grande tema do século 21 é a tensão entre a China e os Estados Unidos.
Não tenho a certeza se os chineses equacionam um paraíso na Terra, mesmo tendo a Rota da Seda, e a presença na Europa, na África e na América Latina, mas penso que a sua preocupação é protegerem-se antes de ter uma visão mundial. Creio que os dirigentes chineses não estão muito satisfeitos com as consequências do que está a acontecer na Ucrânia. Putin não lhes prestou um bom serviço.

Invasão da Ucrânia pela Rússia não significa recuo à era soviética

Manuel Valls considera que, apesar da invasão da Ucrãnia, a Rússia de hoje é diferente da União Soviética que existia antes da queda do muro de Berlim.
“ Vladimir Putin, que tive a ocasião de conhecer antes de 2017, é na verdade um ‘hommus sovieticus’ porque se formou no KGB. É também agora um ultraconservador porque a sua tese principal entende que o Ocidente está em decadência por causa da democracia liberal, da imigração, nomeadamente islamista, e da homossexualidade. E há pessoas, universitários e meios de comunicação que alimentam essa tese”, afirma.
É uma mistura. A Rússia foi a favor e contra o Ocidente num debate que continua e que encontramos na literatura, com Dostoiévski, Tolstoi, Soljenítsin, e que divide a sociedade russa.
“O propósito é unir os russos que se dispersaram pelas antigas repúblicas da URSS e é por isso que é perigoso. É um projeto conservador com uma mistura da nostalgia da URSS com a Rússia dos czares”, acrescenta.
“Putin não é louco. Tem a sua lógica. Ele tem o seu projeto Nova Rússia e a ação na Ucrânia não terminou. Putin foi travado na Ucrânia mas nada garante que amanhã não irá tentar conquistar Odessa, a Transnistria, a Moldávia e a Roménia”, alerta Manuel Valls.
Segundo refere, é conveniente ler os textos de Putin escritos há um ano, onde dizia que a Ucrânia não existia.
“Putin tem um projeto ultraconservador, reacionário, mas com um patriotismo exacerbado, apesar de uma economia que está mal e que vai continuar a sofrer com as sanções.
Conforme dizia François Mitterrand, o nacionalismo é a guerra”.
Para o antigo Primeiro-Ministro, a China não pode resolver todos os problemas da Rússia.
“Por isso, vamos ter muitas tensões económicas e também geopolíticas, porque Putin pode fazer prevalecer a fuga para a frente. Penso que ele terá sido surpreendido pela reação da Ucrânia e também da Europa e da Nato”, conclui.

João Luís de Sousa (jlsousa@vidaeconomica.pt), 26/05/2022
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