Mercado de capitais pode alavancar crescimento em Portugal;

Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon, considera
Mercado de capitais pode alavancar crescimento em Portugal
Empresas obtiveram financiamento de 1100 milhões de euros em obrigações
O mercado de capitais pode ser uma importante alavanca de crescimento das empresas e da economia portuguesa, considera Isabel Ucha.
Em entrevista à “Vida Económica”, a  CEO da Euronext Lisbon refere que “o mercado de capitais é uma solução particularmente interessante para as empresas com elevada ambição de crescimento, e com a vontade de manter o controlo nos seus fundadores ou famílias”.
 “Portugal pode alavancar mais o seu crescimento, se o mercado de capitais fizer parte das estratégias das empresas e também dos governos”, acrescenta.
Vida Económica – Como avalia o desempenho da Euronext em 2021 e quais são as expetativas para 2022?
Isabel Ucha –
Nos mercados de capitais, em particular na Europa, a recuperação económica materializada em 2021 foi acompanhada por uma intensa atividade de angariação de capital, cujos montantes ultrapassaram largamente máximos da última década. Realizaram-se 422 ofertas públicas iniciais na Europa, a que correspondeu um volume de €75 mil milhões de capital, com a maioria destas operações centradas no financiamento à transformação digital, à transição energética, e a outros desafios ambientais. O mercado de capitais ofereceu, assim, a muitas empresas, opções de financiamento para a concretização de investimentos críticos à sua competitividade futura, e capacidade de adaptação a um mundo em profunda transformação.
Também diversas empresas portuguesas aproveitaram este bom momento do mercado. Em 2021 admitimos, ao mercado, em Portugal, a GreenVolt, com uma capitalização bolsista de perto de J700 milhões, e uma das maiores operações no Grupo Euronext em 2021. Diversas empresas cotadas, como a EDP Renováveis, a GreenVolt, a Mota-Engil, a Sonae e outras, realizaram aumentos de capital, que totalizaram cerca de J1,8 mil milhões, e um total de J1,1 mil milhões foram obtidos por emissões de obrigações de empresas não financeiras.
Nos primeiros meses de 2022, o nível de incerteza e volatilidade voltaram a aumentar, com o eclodir do conflito na Ucrânia, com o aumento dos preços da energia e de outros materiais e componentes de produção afetadas pela disrupção nas cadeias de produção. No entanto, o ano de 2022 deverá, ainda assim, ser um ano de crescimento económico, e as economias terão que continuar a enfrentar e resolver os seus desafios transformacionais. O mercado de capitais deve constituir um pilar fundamental da recuperação económica e da gestão de riscos, que respeite os limites do nosso planeta e promova a equidade social.

VE – O mercado de capitais continua a funcionar como alternativa ao financiamento bancário? Que vantagens apresenta?
IU –
O mercado de capitais constitui uma fonte de financiamento que deveria ser complementar do crédito bancário. Muitas empresas crescem com níveis excessivos de crédito, muitas vezes de curto prazo, que funciona como um “mau substituto” de instrumentos de capital e de financiamento a médio e longo prazo. O financiamento ao crescimento das empresas deve assentar em estruturas de capital equilibradas, entre dívida e capital, e os investimentos devem assentar em capitais permanentes. O mercado de capitais é a infraestrutura que permite às empresas financiarem o seu crescimento de modo equilibrado e resiliente. Por vezes, os empresários receiam perder o controlo, se abrirem o capital em mercado, que é muito mais um mito que uma realidade. Muitas empresas, com diversos exemplos em Portugal, e mesmo familiares, financiam-se no mercado, mas mantêm na sua propriedade partes de capital que lhes permitem continuar a controlar. Adicionalmente, o Código dos Valores Mobiliários já permite também ações com múltiplos direitos de voto, uma solução adotada por muitas empresas familiares e tecnológicas noutros países.

VE – Que iniciativas tem desenvolvido a Euronext para atrair investidores e empresas?
IU –
A Euronext tem investido significativamente para oferecer uma infraestrutura de mercado sólida e resiliente, com a melhor tecnologia disponível, e um acesso cada vez mais alargado a uma vasta rede de investidores e empresas, na Europa e no Mundo. Em 2021 integrámos a Bolsa Italiana, que se juntou a outros seis países, no que já é hoje a maior pool de liquidez da Europa. É esta infraestrutura de ponta que está também ao serviço das empresas e dos investidores em Portugal.
A Euronext  trabalha ativamente para encontrar soluções que dinamizem o acesso de mais empresas ao mercado, num trabalho diário de promoção do mercado. Neste âmbito, salientaria o Programa TechShare e o Programa Private Equity Share, que continuam a apoiar empresas na sua ambição de crescer, de inovar e de encontrar as mais adequadas fontes de financiamento.  O Programa TechShare é uma iniciativa de mobilização e capacitação de empresas tecnológicas, que, durante cerca de um ano, conduz as empresas participantes a desafiarem a sua estratégia de negócio e a encontraram as soluções de financiamento mais ajustadas, incluindo o mercado de capitais. Por este programa, já na sua sexta edição, já passaram 40 empresas portuguesas. No Programa Private Equity Share, a Euronext e os outros parceiros do programa exploram possibilidades de financiamento para estes fundos, assim como estratégias de saída para as empresas participadas.
O IPO Day é sempre um momento importante no programa promocional da Euronext. Neste dia, diversas empresas não cotadas encontram-se com investidores, para explorarem possibilidades de financiamento pelo mercado de capitais. Em  novembro de 2021, mais um IPO Day proporcionou 50 reuniões entre empresas, investidores e alguns intermediários financeiros.
A par destes programas, a Euronext tem desenvolvido em Portugal, com as principais associações e ordens profissionais com relevância no mercado de capitais, ciclos dedicados ao financiamento e ou investimento em mercado – foi o caso, em 2021, da Ordem dos Economias e a Ordem dos Contabilistas e, já este ano, com a Ordem dos Advogados.

Empresa tecnológica a operar no setor financeiro
VE – De que forma a Euronext tem acompanhado a transição digital?
IU –
A Euronext é, sobretudo, uma empresa tecnológica, a operar no setor financeiro, a tecnologia está no centro da sua atuação. A negociação de instrumentos financeiros faz-se através da plataforma proprietária Optiq, desenvolvida nos últimos anos, e que permite os mais elevados padrões de latência e de resiliência. A par deste desenvolvimento, a Euronext tem um programa em curso de digitalização de processos, acessos e interações com clientes e parceiros, e que progressivamente já incluem soluções em Cloud, inteligência artificial e robotização. A Euronext está também atenta aos desenvolvimentos noutras tecnologias, como o Blockchain, tendo já realizado também alguns investimentos neste tipo de soluções.

VE – A Euronext está preparada para os riscos cibernéticos?
IU –
A Euronext é uma infraestrutura estratégica e crítica de mercado de capitais, e coloca uma atenção total, e volumes muito significativos de investimento, na segurança e resiliência das suas plataformas tecnológicas. A equipa de cibersegurança da Euronext alinha pelos processos de defesa mais sofisticados, e está em constante articulação com as autoridades de cibersegurança e reguladores em cada país onde está presente.

VE – Considera que o mercado de capitais é uma alavanca do empreendedorismo?
IU –
É um facto que muitas das empresas mais inovadoras e disruptivas que surgiram nas ultimas duas décadas, por exemplo ligadas à tecnologia, assentaram o seu crescimento no mercado de capitais. Seja a Google, a Microsoft, a Amazon, o Facebook, nos EUA, ou a Adyen, a Athos ou a Prosus, na Europa, estas empresas entraram em Bolsa e realizaram sucessivos aumentos de capital para financiarem o seu crescimento. O mercado de capitais pode ser uma importante alavanca do empreendedorismo, apoiando as empresas na fase crítica,  em que elas mais precisam de crescer e de ganharem projeção internacional, materializando a visão estratégica dos seus líderes. Pode ser uma alavanca de financiamento, mas também para aumentar a sofisticação e a maturidade da gestão e ganhar visibilidade e credibilidade.

VE – Para além do financiamento das empresas, a bolsa estimula e crescimento e a poupança?
IU –
O mercado de capitais é uma solução particularmente interessante para as empresas com elevada ambição de crescimento, e com a vontade de manter o seu controlo nos seus fundadores ou famílias. Adicionalmente, dá-lhes visibilidade e credibilidade, que pode ser relevante no seu processo de expansão internacional e na conquista de novos clientes ou parceiros.  Portugal pode alavancar mais o seu crescimento, se o mercado de capitais fizer parte das estratégias das empresas e também dos Governos. As empresas enfrentam, nos dias de hoje, desafios transformacionais, ligados por exemplo à transformação energética ou ao mundo digital, que vão exigir investimentos muito significativos. Tal como noutros momentos da história, o mercado de capitais é a infraestrutura melhor preparada para lidar com os investimentos que temos pela frente.
VIRGÍLIO FERREIRA (virgilio@vidaeconomica.pt), 05/05/2022
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