“É possível reduzir os impostos e aumentar o investimento público”;

Eduardo VÍtor Rodrigues volta a reduzir o IMI e extingue taxa de resíduos em Gaia
“É possível reduzir os impostos e aumentar o investimento público”
“A câmara pode fazer muito do ponto de vista do investimento público, mas é sempre supletivo ao investimento privado”, afirma Eduardo Vitor Rodrigues.
“Os motores do desenvolvimento económico em Vila Nova de Gaia são as empresas” – afirma Eduardo Vítor Rodrigues. Em entrevista à “Vida Económica”, o presidente da Câmara de Gaia destaca a importância das empresas industriais e o crescimento do setor terciário com o turismo e a presença de grandes empresas de serviços partilhados, como a Altran e a Teleperformance.
Eduardo Vítor Rodrigues defende uma gestão criteriosa e a descentralização através da transferência de competências da Administração Central para os municípios. A Câmara de Gaia acaba de aprovar uma nova redução do IMI e a extinção da taxa de resíduos sólidos, aliviando a pressão de impostos e taxas municipais sobre os munícipes e as empresas.
Em sua opinião, há um excesso de burocracia que agrava os custos das autarquias e tem dificultado a execução do atual quadro comunitário.
Vida Económica - A nova diminuição do IMI significa que os munícipes e as empresas de Gaia são menos tributadas do que eram no passado?
Eduardo Vitor Rodrigues - De facto, parece uma coisa quase demagógica, mas é verdade, tem sido possível conciliar um aumento líquido do investimento com uma redução brutal do passivo e a diminuição da pressão fiscal sobre os gaienses. É bom não esquecer que, uns meses antes de eu ter tomado posse, existia em Gaia algo que se chamava a taxa das rampas que era uma taxa que cobrava rampas de acesso a garagens, ou seja, um cidadão que tivesse uma garagem ou um portão de garagem e tivesse uma rampa para aceder à garagem tinha de pagar por essa rampa. Eu extingui essa taxa, extingui a taxa de Proteção Civil que era uma taxa que visava ir ao cidadão buscar recursos para financiar os Bombeiros Sapadores e os Bombeiros Voluntários. A proteção é uma missão da Câmara, não pode ser uma nova taxa para cima dos cidadãos. Baixei por duas vezes o IMI, e com esta terceira redução a taxa reduz de 0,43% para 0,40%. Este ano decidimos também a extinção da taxa de resíduos sólidos que é uma taxa que conta na fatura da água e que põe os munícipes a pagar o tratamento dos resíduos. Nós tínhamos casos em que os munícipes quase pagavam tanto de consumo de água como pagavam de taxa de resíduos sólidos. Estamos a falar em reduções de fatura que, em alguns casos, ascendem aos 60%. 
A redução dos impostos e taxas municipais parece um milagre, mas não é milagre nenhum. Eu acho que é boa gestão e gestão criteriosa. Depois, também há um aspeto que os empresários conhecem muito bem e que as autarquias, infelizmente, nem sempre aplicam.
Quando se paga a tempo e horas, não se está apenas a cumprir. Está-se também a poupar dinheiro, porque uma das coisas que estava a acontecer no município era que, durante anos, o município pagava milhões de euros de juros de mora. No ano em que eu tomei posse, a Câmara pagou um milhão e seiscentos mil euros de juros de mora, o que dá para construir um centro de saúde.
A gestão rigorosa também é uma gestão que ela própria gera receita por não comprometer a receita em encargos indevidos. Depois, despois existe um trabalho muito importante feito ao nível da fiscalização das obras e não há obras a mais. Pagamos o que é determinado nos concursos e as empresas que ganham sabem que recebem, mas também sabem que recebem o que é justo.
VE - No ajustamento e racionalização da despesa, os municípios têm feito um caminho mais rápido que a Administração Central?
EVR - Nem todos. Houve alguns municípios que acabaram por não conseguir e entraram no fundo de apoio municipal, o FAM, e eu acho que têm e vão ter dificuldades crescentes, porque o próprio fundo de apoio acaba por ter fatores de bloqueio.
Mas é verdade que os municípios conseguiram gerir melhor a sua situação financeira do que a própria Administração Central, que tem muitas dificuldades.
Por isso, também acho que se deveria aproveitar este momento para um processo de descentralização de serviços que podem ser assegurados pelos municípios, em alternativa à Administração Central, na área da educação, da saúde, da proteção civil, mas com menos custos para o erário público. Acho que, apesar de tudo, poderíamos ainda estar melhor, tanto o país como as autarquias, porque há aqui um custo escondido nas autarquias que tem de ser claramente assumido, que deve ser um custo para extinguir ou pelo menos para reduzir, que é o custo da burocracia. Nós passamos meses a tramitar um procedimento, e isso custa dinheiro. Digo muitas vezes a brincar, mas é uma brincadeira muito séria, que contrato um carpinteiro e a seguir tenho de contratar dois juristas para fazer as contas da madeira para o carpinteiro, porque a burocracia é muito forte, e porque se tem a ideia que uma máquina burocrática é uma máquina transparente, quando não é. A burocracia empecilha, cria despesa desnecessária. Concordo que se deve fiscalizar, inspecionar, mas que deve ser dada liberdade para que as coisas fluam, porque a burocracia também é um custo, tanto para as empresas, como para as autarquias.
Estamos a chegar ao fim de 2019, a entrar no ano 2020, que é tecnicamente o último ano do atual quadro comunitário de apoio, e temos níveis de execução que em muitos casos são níveis de execução baixos, porque os municípios andam enredados em processos burocráticos para poderem contratualizar os programas e as candidaturas que entretanto ganharam. Por isso, nós podíamos ter ido mais longe se, em vez de criar sucessivas etapas de burocratização, simplificássemos a vida dos municípios, sem nunca perder de vista a necessidade de rigor e transparência.
VE - Na Área Metropolitana do Porto estão previstos os investimentos necessários para melhorar a mobilidade?
EVR - Nós temos neste momento um problema de mobilidade que tem duas explicações. A explicação menos relevante é o crescimento económico. Quando há crescimento económico, há melhor condição de vida, há mais carros a circular, mas essa não é a explicação fundamental. A explicação fundamental é que claramente este eixo Gaia-Porto-Matosinhos constitui-se com uma grande centralidade, e nem é só da área metropolitana do Porto, é de toda a região Norte. É por aqui que passa tudo o que se faz melhor de inovação, ensino superior, mas é também por aqui que passa tudo o que flui para o aeroporto, para o Porto de Leixões, para o terminal de cruzeiros, para a atividade turística que tanto tem ajudado a aumentar a nossa balança comercial pelo lado das exportações. Portanto, aqui está a atividade económica, o pulsar de toda a região. Eu acho que isso é positivo e deve ser visto como fator favorável, porque há aqui um efeito de arrastamento da região, e não um efeito de aumento da desigualdade.
Na dupla função de presidente da Câmara de Gaia e presidente da Área Metropolitana do Porto, identificámos os transportes como primeira prioridade neste mandato e algumas coisas importantes aconteceram entretanto. A expansão das linhas de metro, já em processo de concurso, para ver se há adjudicação das primeiras linhas em março de 2020, com a linha rosa no Porto e a continuação da linha amarela em Gaia até ao Hospital de Gaia e a Vila D’Este, onde existe um núcleo residencial enorme com uma grande capacidade de levar pessoas para o transporte público. Vai ser um fator de alívio de todo o congestionamento de Santo Ovídio, Rua Conceição Fernandes, zona da RTP. Lançámos um concurso público na área metropolitana para concessão de transporte público rodoviário para os próximos sete anos, que vai significar uma rede mais atualizada, mais transporte público em termos de material circulante, melhor transporte público e, fizemos algo que sei que é muito discutível, mas que estou convicto que foi a melhor opção, que foi a redução do passe metropolitano com a criação do passe único metropolitano.
 
VE - Neste momento quais são os principais motores do desenvolvimento do concelho de Gaia?
EVR - Os motores do desenvolvimento do concelho são, em primeiro lugar, os agentes económicos, as empresas, a nossa população ativa. A Câmara pode fazer muito do ponto de vista do investimento público, mas é sempre supletivo ao investimento privado, porque nós estamos num concelho muito grande com empresas espetaculares, de grande categoria e que são elas a alavanca do concelho. Nós só temos é que agilizar procedimentos para não as atrapalhar, aprovar da melhor forma possível os projetos que nos são encaminhados. Neste momento, é indiscutível que temos duas alavancas fortíssimas, uma que é a nossa alavanca tradicional ligada à indústria, onde sobressaem empresas da área do vinho, da área da metalomecânica como a Salvador Caetano, da área da construção civil como a Cerâmica Valadares, que voltou a funcionar, e portanto esse setor não só se mantém como está fortalecido, e temos um setor próspero em termos de terciária que inclui o surgimento de uma série de novas unidades hoteleiras que significam muito para o concelho. É no fundo a extensão em mancha de óleo do crescimento do turismo no Porto e neste núcleo central de Vila Nova de Gaia, e não envolve apenas unidades hoteleiras, mas também unidades de referência como aquelas que dizem respeito à Teleperformance ou à Altran, que são unidades de topo, no que diz respeito ao telemarketing, à internacionalização de alguns dos nossos produtos, a trazermos depois a reboque uma série de novas empresas por exemplo, fornecedoras da Mercedes ou da BMW, instaladas devido à proximidade da Altran. Há aqui um setor pujante que não são start-ups, são empresas muito consolidadas e que criam emprego em franjas de jovens altamente qualificados que têm o bom hábito de se deslocarem de bicicleta e sem o pretensiosismo das viaturas tradicionais, portanto novos hábitos de vida, e eu acho que é nesses dois grandes blocos que se está a alavancar o crescimento do concelho.
 
VE - Qual deve ser o papel da autarquia enquanto maior instituição da cidade em volume de emprego? Deve ser o de empregar pessoas ou contratualizar serviços e estimular a atividade económica?
EVR - Neste momento, o maior empregador da cidade já não é a Câmara mas sim o Hospital de Gaia, o que é fácil de perceber, porque a partir do momento em que se tornou Centro Hospitalar Gaia-Espinho e funciona 24 horas e ganhou novas valências, tem um crescimento exponencial que a Câmara não tem. 
A resposta tem de ser dupla: há coisas que eu não abdico de fazer com a “prata” da casa, porque ficam muito mais baratas, porque são muito mais controláveis, e aqui não há nada a fazer. Temos que assumir que por exemplo, no que diz respeito a muito do processo de reabilitação que fazemos dos nossos equipamentos, das nossas escolas, tem de ser feito muito com base nas nossas oficinas, nos nossos trabalhadores, nos nossos operários. Há outras coisas que inevitavelmente têm de ser feitas em regime de outssourcing, por exemplo as questões de segurança.

“Tenho a sorte de não ser um economista…” 
O reequilíbrio das contas na Câmara de Gaia tem sido conseguido através do rigor na gestão, com a redução dos impostos municipais e sem comprometer o investimento público. Na tarefa de racionalizar a despesa, Eduardo Vítor Rodrigues considera que a sua formação em Sociologia e experiência académica não têm sido uma desvantagem.
“Nós temos na Câmara de Gaia dois mil funcionários e duas empresas municipais com mais seiscentas pessoas. A primeira coisa que se tornou necessário fazer foi uma espécie de motivação das pessoas, porque as chefias e os trabalhadores em geral estavam algo conotados com a ideia de trabalhar num município desregrado, em situação de rutura financeira, e isso, para a autoestima de quem trabalha, também não é bom, mesmo quando se trata do setor público. Se no setor privado a questão passa muito pela sustentabilidade e pela sobrevivência da empresa, no setor público é mais a imagem que se passa para os cidadãos no exterior. A primeira coisa com que tive de lidar foi com pessoas desmotivadas, a olhar para o município como um que sobrevivia numa lógica de quotidiano, de dia a dia, com o objetivo de garantir que ao fim de cada mês existia dinheiro para pagar salários. 
Acho que tive uma grande sorte em não ser um economista e particularmente um economista radical, porque isso permitiu-me levar mais lentamente o processo de consolidação do município. Ao corrigir mais lentamente, foi possível não esmifrar, não sugar os recursos que são fundamentais para a comunidade. Nós conseguimos aumentar a despesa na área da educação, conseguimos aumentar a despesa na área do apoio social e onde fizemos a contenção foi nas gorduras que o município tinha com despesas milionárias, com empresas municipais em situações que ultrapassavam os limites imagináveis.
Acabei por beneficiar desta seletividade da gestão, porque não houve um corte geral. Nós hoje sentimos muito quando se fala do país que a consolidação deixou áreas sensíveis como a saúde e a educação que ficaram algo desprotegidas.
Nenhum processo de emagrecimento pode resultar num processo de perda de gordura e perda de músculo, e apesar de tudo em Gaia nós perdemos a gordura, mas mantivemos músculo e foi esse músculo que nos deu capacidade para, ao mesmo tempo que estabilizamos as contas, continuar a ter apostas e nunca ter perdido um projeto em fundos comunitários” – refere Eduardo Vitor Rodrigues.


José António de Sousa/João Luis Sousa jlsousa@vidaeconomica.pt, 13/12/2019
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