Assembleias Gerais Virtuais;

Assembleias Gerais Virtuais
Com a pandemia mundial, e para além dos desafios que surgiram em termos de saúde pública, também as sociedades comerciais e o mundo societário tiveram de enfrentar desafios novos, e para ele arranjar soluções. Um destes novos desafios diz respeito à realização de Assembleias Gerais. Tendo em conta as regras de distanciamento social, as Assembleias Gerais presenciais ficaram fora de questão.
 
Contudo, a lei dá solução para este problema. Existe a possibilidade de se realizarem Assembleias Gerais virtuais, regime instituído muito antes de se falar em Covid-19, nomeadamente desde a reforma operada pelo Decreto de Lei 76-A/2006. Aliás, mesmo antes da dita reforma, uma Proposta da CMVM ditava que se considerava desnecessário regulamentar a permissão de realização de reuniões de outros órgãos sociais através de meios telemáticos, visto que em órgãos de administração e de fiscalização já era prática utilizar os mesmos, não se exigindo a reunião física dos membros.

A possibilidade de se efetuarem Assembleias Gerais por meios telemáticos, nomeadamente através de videoconferência, foi consagrada no artigo 377.º, n.º 6, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais. Podem, assim, realizar-se Assembleias Gerais através destes meios, desde que os estatutos da sociedade não o proíbam. Apesar de este artigo apenas dizer respeito às Sociedades Anónimas, por força do artigo 248.º, n.º 1 do mesmo diploma, estende-se às Sociedades por Quotas.

Sendo assim, como deve ser feita a convocatória das Assembleias virtuais?

Nos termos do artigo 377.º, n.º 3 do CSC, podem as Assembleias Gerais ser convocadas por carta registada. A este meio se equipara o envio do documento por meios telemáticos com assinatura eletrónica qualificada, que assegure a sua efetiva receção, nos termos do Decreto de Lei 290-D/99, que institui o regime jurídico dos documentos eletrónicos e da assinatura digital.

Isto significa que a convocatória poderá ser enviada por e-mail, desde que assinada pela forma indicada e que contenha uma validação cronológica emitida por uma entidade certificadora (os CTT oferecem o serviço Marca do Dia Eletrónica, por exemplo). 

O Presidente da Mesa da Assembleia Geral tem de colocar na convocatória que a Assembleia decorrerá através de videoconferência, requerendo o consentimento dos sócios para utilizar os endereços eletrónicos destes (no caso de essas informações já se encontrarem na sede social, caso contrário a convocatória poderá ser efetuada por publicação no Portal de Justiça, com a cominação de que os sócios podem não ver a mesma), caso os mesmos sejam necessários para a videoconferência. Se a sociedade tiver website poderá ser útil e mais simples publicar no mesmo as convocatórias, bem como as informações preparatórias para a Assembleia Geral.

Assim, a convocatória poderá ser publicada no website da sociedade, no Portal da Justiça, enviada por carta registada ou ainda enviada por correio eletrónico. Neste último caso, é necessário o consentimento de todos os sócios para que tal possa acontecer.

Como devem ser enviadas as informações preparatórias da Assembleia Geral?

O artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais estabelece que, com pelo menos 15 dias de antecedência relativamente à data da assembleia, devem ser disponibilizados no site da sociedade – caso exista – os documentos e as informações preparatórios da Assembleia Geral ali mencionados. Tal como se disse, é útil publicar estas informações no site da sociedade, mas caso este não exista, poderá qualquer acionista requerer que estas informações lhe sejam enviadas no prazo de oito dias após a receção do pedido, por correio eletrónico. O envio destas informações por correio eletrónico não preclude a obrigação de se enviarem as informações em papel, se o sócio o solicitar, no entanto, neste caso já se exige, nas Sociedades Anónimas, a detenção de pelo menos 1% do capital social, pelo que o pedido de informações através do correio eletrónico tem a vantagem de alargar o âmbito do direito à informação dos sócios. Este regime é aplicável às Sociedades por Quotas, com exceção da exigência de detenção de capital mínimo para solicitar as informações preparatórias.

E os requerimentos de inclusão de assuntos na ordem do dia?

Estes podem ser efetuados por correio eletrónico, nos termos anteriormente expostos e por força do artigo 4.º-A do Código das Sociedades Comerciais.

Como devem decorrer as Assembleias Gerais virtuais?

As assembleias por meios telemáticos podem ser assembleias online (ou assembleias mistas) e as ciber-assembleias (ou assembleias virtuais propriamente ditas). 

No âmbito das primeiras, é possível que nem todos os sócios tenham acesso a meios telemáticos para participarem nas Assembleias Gerais, questão que terá de ser acautelada, através da realização de uma Assembleia Geral mista (reunião presencial para os sócios que pretendam participar presencialmente na sede social, nomeadamente por não terem acesso a sistemas de videoconferência, cumulada com a permissão de assistência e participação na assembleia pelos restantes sócios através de sistema de videoconferência). Por seu lado, nas Assembleias Gerais virtuais propriamente ditas, não há qualquer reunião presencial dos sócios, todos os sócios participam através de meios de comunicação remotos.

Caso as sociedades pretendam optar por este tipo de meios é necessário que os meios escolhidos permitam assegurar: (i) a autenticidade e a segurança das comunicações; e (ii) o registo integral da reunião, do seu conteúdo e dos respetivos intervenientes. Neste contexto, a utilização de meios telemáticos e a preocupação em registar a forma de participação foi também reforçada pela Lei n.º 1-A/2020 que no respetivo artigo 5.º refere que “a participação por meios telemáticos, designadamente vídeo ou teleconferência de membros de órgãos colegiais de entidades públicas ou privadas nas respetivas reuniões, não obsta ao regular funcionamento do órgão, designadamente no que respeita ao quórum e às deliberações, devendo, contudo, ficar registado na respetiva ata a forma de participação”. Sublinha-se que a realização destas assembleias não pode prejudicar “o regular funcionamento do órgão”, ou seja, a colegialidade da Assembleia Geral, pelo que se se verificar interrupção da transmissão por problemas técnicos ou hackers, isso pode determinar a invalidade das deliberações tomadas em assembleia.

Assim sendo, sendo possível a reunião em Assembleias Gerais utilizando estes meios, colocam-se uma série de questões, pois a realização de Assembleias Gerais por meios telemáticos tem riscos, e tem uma grande capacidade para litígios, nomeadamente a possibilidade de violação do direito à participação na assembleia de todos os acionistas em condições de participação, discussão e votação e a violação das regras de segurança, autenticidade, identificação dos sócios e registo da reunião. Isto pode levar à consequente invalidade das deliberações tomadas.

No caso de quem assista por videoconferência, numa Assembleia virtual ou numa Assembleia mista, nos termos da lei, é necessário: assegurar a possibilidade de cada acionista intervir plenamente na reunião, permitindo-se-lhe colocar questões, fazer propostas e votar; garantir a segurança da videoconferência e verificar a qualidade e a identidade dos participantes na assembleia; assegurar a gravação, de modo a poder registar-se o conteúdo da reunião.

Neste caso, para se garantir a autenticidade das declarações e se verificar a identidade dos sócios deve ser feita a verificação visual, que deve ficar registada para comprovar que aqueles sócios estiveram presentes na Assembleia Geral e nela participaram. Numa Sociedade Anónima, isto pode substituir a lista de presenças. Deve proceder-se ao registo do conteúdo da Assembleia Geral através da gravação integral da mesma. Visto que isto pode interferir com a proteção de dados pessoais e com a invasão na vida privada dos sócios, o registo deve ser maioritariamente áudio, a não ser quando os sócios consintam em registo vídeo.

Em relação aos sócios representados por via de mandato, estes deverão enviar a Carta Mandadeira ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, com assinatura digital, e este documento deve ser aceite pelo mesmo como representação válida.

Como se deve proceder ao voto?

No que diz respeito ao voto, deve ser encorajado o recurso ao voto por correspondência, nas Sociedades Anónimas, à deliberação por escrito nas Sociedades por Quotas e ao voto por meios eletrónicos, nos termos permitidos pela lei e pelos estatutos da sociedade.

Apesar desta possibilidade, o voto pode também ser efetuado em Assembleia Geral, com verificação visual, sendo assim emitido em tempo real durante a realização da Assembleia Geral. Não podem os sócios ser obrigados a votar por correspondência ou através de meios eletrónicos ou por deliberação por escrito. Mesmo que decidam votar anteriormente à Assembleia Geral através destes meios, podem sempre alterar o seu voto durante a Assembleia Geral.

Podem os votos por correspondência ser enviados por e-mail com assinatura eletrónica avançada, no entanto, para isto ser possível tem de se conseguir manter o voto por correspondência confidencial até ao momento da votação, caso contrário não se pode permitir a votação através deste meio – artigo 384.º, n.º 9 do Código das Sociedades Comerciais.

Como se deve elaborar a ata?

A elaboração da ata não tem particularidade, deve ser feita como em qualquer reunião presencial, a única especialidade é a assinatura da ata. Numa Sociedade Anónima esta questão é mais facilmente ultrapassável, visto que apenas tem de ser assinada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pelo Secretário. Numa Sociedade por Quotas, em que todos os sócios têm de assinar, poderá a ata ser enviada por correio a todos os sócios, ou podem todos apor assinatura digital.

Isto aplica-se às cooperativas e associações?

A Lei n.º 1-A/2020, no seu artigo 5.º refere-se a “entidades públicas e privadas” dando a entender que o que se disse em relação às sociedades comerciais se aplica ao universo completo de pessoas coletivas, a não ser que os estatutos destas proíbam a existência de assembleias gerais online. Mesmo que os estatutos proíbam, e porque se vão buscar soluções para estas entidades privadas ao regime das sociedades comerciais supletivamente, pode permitir-se uma alteração ad hoc aos estatutos da associação, nos termos do art. 54.º do Código das Sociedades Comerciais.

No entanto, e em relação ao voto, é de sublinhar que não é possível o voto por correspondência nas associações, como decorre do artigo 175.º, n.º 2 do Código Civil e como é interpretação dos tribunais. Assim sendo, no caso de uma Assembleia Geral telemática, o voto tem de ser dado “em linha”, com as mesmas precauções que foram enunciadas para as sociedades comerciais.

 
Susana Almeida, 04/06/2020
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