Princípios para digitalizar a logística e acelerar o comércio internacional;

Princípios para digitalizar a logística e acelerar o comércio internacional
Enquanto escrevo este texto, decorria o bloqueio do Canal de Suez devido a um acidente de navegação com um navio de contentores de última geração. Esta ligação de 190 Km permite uma ligação mais rápida entre o Ocidente e o Oriente e é essencial para o shipping e para o comércio mundial.

As infraestruturas são essenciais e devem acompanhar a evolução da tecnologia e da ciência. O Canal de Suez foi construído em 1869 e nessa altura era impensável as dimensões que os navios atualmente atingem, quer em comprimento e boca, quer em dimensão fora de água. A muralha de contentores que os maiores navios atingem na rota que liga a Europa ao Far East, por este canal, cria uma superfície velica de grandes dimensões, que influencia as manobras dos mesmos. Aparentemente, terá sido este o motivo que levou ao desvio do navio de 400 metros de comprimento da rota precisa na travessia do canal cuja largura não foi projetada para este tipo de navio.
É preciso responder à evolução da tecnologia de construção dos navios e às dimensões que estes atualmente atingem. Esta é a razão pela qual os portos tendem a seguir sempre a evolução dos navios. É um princípio basilar nas infraestruturas.
O mesmo deve acontecer com a evolução da tecnologia em outras áreas de aplicação. É o caso da digitalização e a sua utilização na logística de suporte ao comércio internacional.
A digitalização responsável e acessível facilita a logística do transporte internacional, tornando-a mais célere, otimizada e segura, resultando numa potenciação do comércio internacional, para o qual o transporte marítimo e os portos são cruciais. O mundo está conectado pelo transporte marítimo, pelos portos e pela logística associada.
Na sua definição mais tradicional, a logística resume-se à gestão dos fluxos físicos e dos fluxos de informação. Mas a logística moderna é cada vez mais uma atividade colaborativa de todos os atores envolvidos, à qual a digitalização poderá trazer muitos benefícios de facilitação, redução de custos e aceleração.
Neste processo de digitalização responsável e acessível de suporte à logística e ao comércio internacional existem vários princípios a ter em conta.
Em primeiro lugar, o princípio da neutralidade. Deve ser um processo neutro do ponto de vista comercial, político e de competitividade. O objetivo é evitar os desenvolvimentos individuais ou de grupos comerciais ou conjunto destes, enveredando-se por uma lógica de todos se poderem ligar e partilhar dados em igualdade de circunstâncias, ou seja, permitindo a conexão única, universal e depois a partilha de dados, a partir de qualquer lugar.
Qualquer pessoa ou empresa deve poder ligar-se às soluções disponíveis, prestar serviços de valor para os seus clientes e para a rede, aumentando, desta forma, a sua capacidade inovadora dentro da logística. Uma vez disponível, os seus serviços devem poder ser utilizados imediatamente em qualquer lugar através da rede.
Outro princípio é o da autenticação digital universal, essencial ao desenvolvimento de ecossistemas digitais globais. Um método aceite por todos e de caráter universal é a base para a confiança, remoção de barreiras para a interoperabilidade digital entre diferentes empresas de diferentes países e eliminação de custos associados à gestão de múltiplas identidades digitais. A autenticação adequada deve assegurar de forma unívoca quem é que cada um realmente é, bem como o que está autorizado a fazer. Só isso permitirá garantir a integridade nas transações digitais, permitindo a confidencialidade (só as partes envolvidas podem ver as transações ou quem estas autorizarem), o não repúdio (não negação de transações a quem deve estar envolvido) e resistência à violação (uma transação assinada não pode ser alterada).
Outro princípio é a visibilidade partilhada da cadeia. Com o objetivo central da digitalização em se otimizar o ecossistema de negócios, a visibilidade da cadeia é um fator da maior importância para se atingir este objetivo. O acesso às informações logísticas é essencial para se tomarem decisões em tempo útil, que beneficiem todo o ecossistema.

A visibilidade partilhada permitirá verdadeiramente ligar digitalmente os atores de uma forma padronizada. Deverá permitir dinamicamente a adesão ou a saída de todos os atores no ecossistema de negócios, recebendo de todos eles a informação digitalmente com a mesma qualidade, consistência e em tempo real, de forma a que cada um tome as suas decisões individualmente. Estas faculdades devem ser universais e não apenas de um subgrupo do ecossistema.

Outro princípio é a otimização das escalas nos portos. Em média, vários estudos indicam que os navios passam entre 60 a 70% do seu tempo atracados nos terminais marítimos. As escalas dos navios envolvem um conjunto de atores muito alargado, que tipicamente estão focalizados nas suas atividades, desconhecendo, muitas vezes, o que os restantes fazem.

Nesta medida, é muito importante disponibilizar a todos os atores toda a informação relevante da escala e o acontecimento de eventos em tempo real para as entidades autorizadas, no sentido de se aumentar a eficiência e reduzir os tempos de espera. Esta otimização vai aumentar a eficiência e reduzir custos em todo o ciclo da escala.

Todos os atores envolvidos numa escala portuária devem partilhar as suas intenções e atividades numa lógica de trabalho colaborativo e de otimização, e assim, partilhar o conhecimento situacional ao longo das operações portuárias desenvolvidas e das entidades envolvidas. Isto permitirá que todos os atores, em pé de igualdade, possam prever e planear quando as operações e serviços se vão desenrolar com a respetiva afetação de recursos, numa orientação just-in-time das operações e adequada coordenação de movimentos e operações.

O princípio de otimização das escalas deve ser universal em todos os portos marítimos e deve igualmente ser alargado a todas as escalas de comboio e de camião. Deve também ser universal em todos os portos secos do hinterland alargado.

Outro princípio essencial é a interoperabilidade na passagem de fronteiras. A melhor resposta a este princípio é a implementação da “Single Window” de âmbito nacional. Consegue-se, por esta via, disponibilizar um único ponto para entrega da informação para passagem da fronteira, estando as entidades oficiais em backoffice a tratar dos despachos e autorizações. O cliente recebe por esse ponto único as respetivas respostas e autorizações, num ambiente totalmente paperless. Para dar cumprimento deste modelo, sempre que os requisitos e a quantidade de informação justifiquem, a “Single Window” disponibiliza mecanismos de interoperabilidade informacional e as entidades envolvidas adaptam os seus sistemas para permitir essa interoperabilidade automática.

Os portos marítimos são fronteira externa da União Europeia, pelo que não podem deixar de implementar este princípio e de cumprir os requisitos europeus de envio de informação para os respetivos organismos comunitários.
 
O penúltimo princípio, é o da abrangência à cadeia logística. Apesar do generalizado sucesso de implementação da “Single Window” na passagem de fronteira, verifica-se ainda que continuam a existir muitos documentos físicos para satisfazer os requisitos dos vários atores privados do negócio envolvido, das autoridades e de terceiras partes, especialmente nos movimentos pós passagem da fronteira.

Vários estudos indicam que para se maximizar os benefícios de uma “Single Window”, a sua abrangência deve ser alargada para incluir toda a troca de informação de passagem da fronteira e a sua integração a montante e a jusante, numa lógica intermodal e de penetração no hinterland e de tentativa de ligação para o foreland.   

Por fim, apresenta-se o princípio da convergência total da digitalização, nomeadamente no que respeita a outras plataformas eletrónicas. Futuramente nenhuma plataforma desta natureza poderá ser eficaz se estiver isolada.  A solução nacional de digitalização da logística terá o seu âmbito de atuação e terá que se integrar com outras plataformas de outras regiões ou de outros âmbitos de atuação ou agrupamentos de parceiros privados.

São vários os exemplos de plataformas que, a prazo, são justificadas integrações de colaboração com a solução portuguesa, da Janela Única Portuária (JUL). A NEAL-NET é um caso de sucesso para o comércio e passagem de fronteira no Far-East, designadamente entre as três potencias produtivas China, Japão e Coreia. As plataformas do shipping são outro exemplo, designadamente a INTTRA ou a INFO NEXUS, ou mesmo, a TradeLanes, mais focalizada na gestão de contratos no mercado dos Estados Unidos com o pacífico. Todas elas são importantes e todas elas deverão funcionar em rede no futuro. Umas terão mais sucesso, outras desaparecerão, surgirão novas plataformas, mas o futuro será cada vez mais de colaboração e interoperabilidade.

Em conclusão, parece claro que os atores da logística, quer de natureza pública quer privada, devem colaborar na implementação das soluções de digitalização e de aceleração do comercio internacional. Aumentará a atratividade do território e dos negócios, resultante de um contexto de maior inovação, redução de custos e aumento de mercado.

Os princípios referidos permitirão um desenvolvimento mais neutro, inclusivo e equitativo, pois a sua aplicação resultará num aumento da eficiência administrativa para todos os atores envolvidos.

Um ambiente aberto e com igualdade de oportunidades, num mercado global de acelerada eficiência e digitalização, é essencial para o desenvolvimento económico. Tal como o Canal de Suez é um pilar para o comercio mundial e é utilizado por todos os atores num regime de livre acesso, também os princípios apresentados para a digitalização são os pilares para se atingir esse desiderato.

Um ambiente aberto e com igualdade de oportunidades, num mercado global de acelerada eficiência e digitalização, é essencial para o desenvolvimento económico. Tal como o Canal de Suez é atualmente um pilar para o comercio mundial e é utilizado por todos os atores num regime de livre acesso, também os princípios apresentados são os pilares para se atingir essa aspiração na digitalização da logística.
José Carlos Simão – Diretor Geral da DGRM, 16/04/2021
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