Desperdício alimentar à venda;

Desperdício alimentar à venda
A capacidade de olhar de forma criativa para os problemas irá definir o futuro da humanidade. O despedício alimentar é um dos muitos problemas, mas este artigo não é sobre o problema, é sobre soluções.
Desde pequena foi-me transmitido que nunca se desperdiça comida - “Come tudo! Olha que há muitos meninos no mundo que não têm o que comer!” - e não precisamos de ir tão longe, pode estar tão próximo como o vizinho do lado. Além disso, como boa economista que sou, desperdiçar comida é também perder dinheiro. O que acontece nas nossas casas é apenas uma pequena parte do problema.
O conceito de desperdício alimentar envolve toda a cadeia alimentar. Na produção e processamento (agricultores e empresas ligadas ao processamento de comida), na venda (supermercados e no setor HORECA) e no consumo. As Nações Unidas estimam que um terço da comida produzida no mundo acaba no lixo ou estragada devido a produção excessiva. Só na União Europeia (UE), estima-se que anualmente se desperdicem 88 milhões de toneladas de comida com custos associados de 143 mil milhões de euros. Não defendo o relaxamento de medidas de segurança alimentar, sendo que essa é uma das caraterísticas que mais admiro na UE, a par das regras relacionadas com a rotulagem de produtos alimentares. Mas prevenção e reaproveitamento é possível, e não passa só com a doação de comida. Internamente, muitos destes intervenientes na cadeia encontraram no seu processo produtivo formas de aproveitar sobras, como é o caso da produção de derivados de tomate e de carne. Já os meus antepassados transmontanos, devido à escassez de comida, aproveitavam ao máximo a totalidade do animal que criavam em casa, e faziam o fumeiro que tem nas suas origens este aproveitamento e conservação das carnes. Nos últimos anos, muitas empresas encontram no desperdício alimentar a base do seu negócio.
Em 2019, entrou em Portugal a dinamarquesa Too Good To Go. Na Dinamarca, país do qual regressei recentemente do meu Erasmus, encontrei um fenómeno que desconhecia, o Dumpster Diving, numa tradução livre, “Mergulhar nos Caixotes”. Pessoas que percorrem os caixotes de lixo dos supermercados em busca de produtos alimentares, desde sacos de pastelaria a legumes frescos até packs de cervejas. Muitos testemunham o facto de conseguirem fazer refeições completas com os bens que encontraram nos caixotes. Isto combinado com um estilo de vida vegetariano e preços altos, torna-se um ambiente perfeito para a expansão deste fenómeno em especial entre a comunidade académica. Naturalmente, em 2015, a Too Good To Go é fundada em Copenhaga. Em termos gerais, permite aos restaurantes, supermercados e hotéis (mas não só) vender produtos que ainda estão bons para consumo, mas que seriam deitados ao lixo no final do dia por razões regulamentares. Os parceiros pagam à Too Good to Go uma subscrição anual e esta recebe uma pequena percentagem de cada venda. O negócio funciona com cabazes, logo não existe opção de escolha individual de produtos e cada dia é diferente, conforme as sobras do dia. Permitem ganhos para as três entidades intervenientes, o consumidor poupa e tem acesso a produtos que poderia não ter, o vendedor escoa o produto e evita o desperdício de produto e a Too Good to Go recebe para ser o intermediário. Este projeto funciona de forma local, o que permite contribuir também para as empresas da comunidade. Recentemente, a Sociedade Central de Cervejas juntou-se a este projeto e vende agora na plataforma.
Já mais perto da nossa faculdade, há a GoodAfter. Alguma vez se questionaram para onde vão todos aqueles chocolates natalícios ou da páscoa depois das festas acabaram? O stock destes produtos raramente é escoado por completo, mas também não podem ser vendidos fora dessas épocas. Ou alguma vez se questionaram sobre a diferença entre “consumir antes de” e “consumir de preferência antes de”? É aqui que entra a GoodAfter. Esta empresa portuense é um supermercado online onde se vendem produtos perto ou após do fim do prazo de consumo preferencial, além disso podem encontrar produtos descontinuados pelas marcas ou que têm algum dano que não permite estarem à venda num supermercado tradicional. Marcas muito conhecidas no mercado já podem ser encontradas neste website como a Renova ou a Vileda. Estes produtos são vendidos a um preço com desconto que pode chegar aos 70% de poupança. Tem categorias especiais para produtos biológicos, sem glúten, produtos de beleza entre outros. Tal como a empresa anterior, o seu stock varia conforme os desperdícios dos seus fornecedores, mas posso garantir que no mês de janeiro e no mês após a Páscoa podes encontrar muitos chocolates com o preço substancialmente reduzido e ainda em ótimo estado para consumo.
Outra empresa que dá cartas no combate ao desperdício alimentar é uma startup francesa denominada “Phenix”, que está presente em 5 países, e se apresenta uma empresa de gestão e revalorização de excedentes, apresentando quatro soluções para o desperdício. A venda do excedente a preços de desconto na sua app, a doação a instituições, doações para alimentação animal (incluindo produtos não vendidos e restos não consumíveis por humanos) e por fim, a compostagem do que sobra. O funcionamento da app é similar à Too Good to Go, onde num mapa vemos a disponibilidade dos parceiros. Neste momento só operam na Grande Lisboa e no Grande Porto. Um dos grandes parceiros deste projeto é o Continente, mas a sua base reside nos parceiros locais.
Um último, mas não menos importante, é um projeto que envolve a Too Good to Go e é algo que espero ver em Portugal. No início deste ano, a empresa desenvolveu uma campanha que pretende educar os consumidores para confiarem nos seus sentidos para perceber se o artigo ainda está bom para consumo a partir de um rótulo especial - “Look, Smell, Taste, Don’t Waste” (Olha, Cheira, Prova, Não Desperdices). Foi desenvolvido para solucionar a confusão que os consumidores ainda têm entre “consumir antes de” e “consumir de preferência antes de”, algo que já mencionei anteriormente. Já se associaram a este rótulo o grupo Bel, a Danone, a Arla e a Nestlé. Para já ainda só se pode encontrar na “Vaca que Ri” em França, mas a sua expansão está para breve.
Dentro dos supermercados também podemos encontrar algumas soluções como a famosa etiqueta rosa, de aproximação do fim da validade; temos o cesto com bananas que normalmente são vendidas em cacho e que estão agora singulares; uma prática comum na Dinamarca é 1 hora antes do fecho da loja os produtos de pastelaria/padaria estarem com 50% de desconto, sendo que esses produtos não podem ser vendidos no dia seguinte; entre outros que contribuem para a solução e não para o problema.
O grande propósito destes projetos e deste artigo é de educar e mudar mentalidades, contribuindo com soluções reais para um dos grandes problemas que a humanidade enfrenta, o desperdício alimentar.
Camila Araújo, 10/06/2021
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