Maior eficiência na reutilização dos materiais de construção poderá reduzir emissões de gases com efeito de estufa até 80%;

Inês Gomes, gestora de projetos da Associação Smart Waste Portugal, em entrevista
Maior eficiência na reutilização dos materiais de construção poderá reduzir emissões de gases com efeito de estufa até 80%
Portugal reporta uma taxa de valorização de 78,24% na valorização dos materiais de construção, diz Inês Gomes
Segundo a Comissão Europeia, estima-se que 5 a 12% das emissões nacionais de gases com efeito de estufa sejam provenientes da extração de materiais, do fabrico de produtos de construção, da construção e da renovação de edifícios, sendo que uma maior eficiência dos materiais poderia reduzir estas emissões até 80%.

É possível quantificar atualmente a quantidade de desperdício produzido pelo setor da construção?
O setor da construção é destacado pelo uso intensivo de recursos primários, baixa produtividade material e baixo nível de circularidade. Por este motivo, a Comissão Europeia considera o setor como setor chave na transição para uma Economia Circular, bem como para a redução das emissões de CO2, associadas a toda a cadeia de produção. Também a nível nacional, Portugal elegeu o setor da construção a privilegiar no seu plano de ação para a Economia Circular (PAEC).
Os resíduos de construção e demolição (RCD) constituem o maior fluxo de resíduos na UE, representando cerca de um terço do total dos resíduos produzidos. Estes resíduos incluem uma grande variedade de materiais, como tijolos, betão, madeira, vidro, metais e plásticos.
Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, em 2018, foram recolhidas 2 529 899 ton. de RCD em Portugal.

É possível ter uma estimativa sobre a poupança conseguida, caso esse desperdício fosse reutilizado e houvesse informação sobre o processo?
Segundo a Comissão Europeia, estima-se que 5 a 12% das emissões nacionais de gases com efeito de estufa sejam provenientes da extração de materiais, do fabrico de produtos de construção, da construção e da renovação de edifícios, sendo que uma maior eficiência dos materiais poderia reduzir estas emissões até 80%.
O peso dos edifícios e infraestruturas do ponto de vista material e energético implica que o setor da construção deve assumir um papel ativo e, consequentemente, não só na mitigação dos seus impactes ambientais, mas na construção de um sistema regenerador por intenção e design, como é princípio da economia circular.
Uma parte importante deste papel está associado aos resíduos de construção e demolição (RCD), que refletem a intensidade material dos edifícios e infraestruturas, mas também as práticas do próprio setor e as opções de gestão no fim de vida.
Uma parte significativa dos RCD tem um elevado potencial de valorização, no entanto, a taxa de reciclagem e valorização destes resíduos varia significativamente nos países da União Europeia.
Segundo a APA, em 2018, cerca de 86% dos RCD produzidos eram valorizáveis (2 167 522 ton. de RCD), dos quais 1 695 918 ton. foram efetivamente encaminhadas para valorização.
Portugal reporta assim uma taxa de valorização de 78,24%, cumprindo a meta estabelecida de encaminhamento de 70%, no mínimo, de RCD não perigosos para reutilização, reciclagem e valorização, incluindo operações de enchimento.
No entanto, existe potencial significativo para o aumento da reciclagem destes resíduos.

De que forma e através de que meios a informação pode circular junto dos intervenientes que permita que se atinja uma economia circular no setor da construção e dos materiais?
Para se atingir uma economia circular no setor da construção e materiais é importante que todos os elos da cadeia de valor, incluindo os municípios, as associações setoriais e as universidades trabalhem em conjunto e partilhem informação.
O projeto será realizado por um consórcio constituído por entidades líderes nas suas áreas e que reúnem as competências técnicas necessárias e um largo envolvimento com toda a cadeia de valor da construção.
Mais concretamente, a participação da Associação Smart Waste Portugal (ASWP), enquanto entidade promotora, e da Plataforma Tecnológica Portuguesa de Construção (PTPC), enquanto entidade parceira, potenciará a escalabilidade e a multiplicação dos resultados, seja a nível nacional ou a nível internacional.
A ASWP, como associação que atua em toda a cadeia de valor do setor dos resíduos, tem o papel de contribuir para a divulgação do projeto neste setor e no domínio da economia circular. A PTPC reúne todo o tipo de entidades públicas ou privadas do sector AEC, permitindo assim a promoção do projeto ao longo de toda a cadeia do setor da construção.
Toda a cadeia de valor, desde os fornecedores e construtores até aos utilizadores, pode obter informação através das ferramentas do projeto, a serem disponibilizadas no website do projeto, para tomar as decisões que garantam a sustentabilidade dos edifícios, permitindo a escolha de produtos e materiais mais sustentáveis e aumentar o seu período de utilização e maximizar o seu valor de fim de vida.

Qual o impacto que o projeto Edifícios Circulares vai ter no setor e na economia nacional?
O projeto Edifícios Circulares surgiu no âmbito de uma ‘call’ do EEA Grants para financiamento de projetos de desenvolvimento de standards no setor da Construção que promovam a Economia Circular. Este projeto tem, assim, como objetivo aumentar a aplicação dos princípios da Economia Circular através do desenvolvimento de standards, guias e declarações ambientais para o sector da construção.
Atualmente, não existem guias ou metodologias estabelecidas a nível setorial na ótica da Economia Circular e na abordagem centrada no ciclo de vida no setor da construção, incluindo os RCD, pelo que não se trata de uma prática corrente no setor da construção. O projeto Edifícios Circulares pretende assim desenvolver um conjunto de ferramentas de apoio à decisão para promover o aumento da reutilização dos materiais e a redução na produção de resíduos no setor da Construção, nomeadamente: guia para criação de passaportes de materiais para edifícios; guia de boas práticas para promoção da circularidade nas DAP (Declarações Ambientais de Produto); guia de boas práticas para o cálculo de indicadores de eficiência de edifícios; ferramenta de cálculo dos benefícios associados à circularidade dos edifícios.
As ferramentas em desenvolvimento irão permitir a promoção de práticas sustentáveis e dos princípios da economia circular no setor da construção, o planeamento eficaz da requalificação e demolição de edifícios e a redução dos impactes ambientais associados.
ELISABETE SOARES elisabete.soares@vidaeconomica.pt, 23/07/2021
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