Contratação de Apólices de Seguro de Declarações e Garantias em Operações de Compra e Venda de Empresas ;

Contratação de Apólices de Seguro de Declarações e Garantias em Operações de Compra e Venda de Empresas


José Maria Rodrigues

Advogado
Uría Menéndez Proença de Carvalho
Até há pouco tempo, a contratação de seguros de declarações e garantias era uma prática de pouco emprego não só em Portugal como noutros países.
Contudo, este tipo de apólices tem vindo a assumir maior expressão. A relevância do fenómeno e a sua relativa novidade são fáceis de comprovar - bastará pesquisar e constatar o número de artigos escritos desde 2016 sobre este tema. Várias são as razões assinaladas para tal.
Alguns apontam que ao longo dos anos as seguradoras foram verificando que os sinistros são menos frequentes do que supunham. Tal levou a que mais delas estivessem dispostas a oferecer este produto, tendo a concorrência reduzido os preços. Também tem sido assinalado o facto de as seguradoras terem formado equipas especializadas neste produto, tornando a negociação e contratação de apólices, bem como a gestão de sinistros, mais escorreitos. Outras fontes atribuem ainda relevo ao facto de as seguradoras terem vindo de forma geral a pagar de forma expedita em caso de sinistros validamente reclamados, o que contribui para um aumento da confiança dos potenciais clientes (contrapondo-se isto a uma perceção equivocada de que seria difícil fazer valer os direitos indemnizatórios). Finalmente, não poderemos desconsiderar o contributo de um mercado de fusões e aquisições que muitos analistas consideram ser, nos tempos recentes, favorável aos vendedores.
Em abstrato as vantagens de uma apólice deste tipo podem ser várias.
Sem pretensões de exaustividade, note-se que um seguro desta natureza aumenta a capacidade de ressarcimento do comprador e diminui a exposição do vendedor. Em si mesmas, ambas são vantagens. Acresce que, sendo a matéria da responsabilidade do vendedor usualmente uma das mais discutidas e negociadas no âmbito de uma operação de compra e venda de uma empresa, uma apólice poderá claramente simplificar e abreviar muito a discussão dos documentos contratuais.
Outras vantagens podem ser particularmente relevantes para os operadores do setor do capital de risco.
Desde logo, em operações em que o comprador mantém, após a aquisição, uma relação com o vendedor ou a equipa de gestão da empresa (por exemplo envolvendo a mesma equipa na gestão da empresa e atribuindo a esta certos incentivos, ou através dos chamados transition services agreements), o recurso a uma apólice em que o tomador seja o comprador eliminará a necessidade de efetuar reclamações diretamente ao vendedor, evitando o desgaste da relação.
Este tipo de seguro pode também ser particularmente útil em cenários em que o vendedor pretende vender uma empresa sem ficar amarrado a responsabilidades. Para investidores de capital de risco tal é fulcral, pois permite que os fundos ou veículos desinvistam e sejam liquidados logo de seguida, com entrega das receitas aos investidores.
Finalmente, e apenas para terminar esta enumeração exemplificativa, a contratação deste seguro permite aos potenciais interessados na compra de uma empresa apresentar melhores propostas, nomeadamente em processos competitivos, visto que permite desde logo dispensar mecanismos tradicionais de proteção do comprador tais como retenções de preço ou contas escrow.
Abordando aspetos mais práticos, seria importante assinalar, em primeiro lugar, que este tipo de apólices pode assumir duas configurações: apólices em que o tomador e segurado é o comprador, e apólices em que o tomador e segurado é o vendedor.
No primeiro caso, a apólice afigura-se mais como um seguro por danos. Sendo detetada uma circunstância que implique uma violação das declarações e garantias do contrato, o comprador poderá dirigir uma reclamação diretamente à seguradora, que apreciará o sinistro e pagará diretamente ao comprador. No segundo caso, a apólice aproximar-se-á mais de uma apólice de responsabilidade civil (ainda que a responsabilidade por violação de declarações e garantias não seja, pelo menos em Portugal, discutivelmente, entendida necessariamente como responsabilidade civil). Verificando-se um sinistro, o comprador dirige uma reclamação ao vendedor, e é este que se dirige à seguradora para se ressarcir.
A perceção atual parece ser a de que atualmente as apólices em que o comprador é o tomador e segurado são muito mais frequentes, o que se atribuí a, por um lado, permitirem estas um processo de reclamação mais simples e, por outro, permitirem que sejam efetuadas reclamações à seguradora ainda que o vendedor tenha conscientemente ou deliberadamente dado declarações e garantias falsas.
As apólices têm, naturalmente, um valor máximo assegurado, calculado como uma percentagem do valor do negócio. O valor dependerá desde logo do risco que se pretende cobrir e da disponibilidade da seguradora para o efeito, sendo certo que determinadas seguradoras poderão aceitar distintos limites de exposição a diferentes setores ou territórios. Sendo cada operação um caso único, tendencialmente em negócios mais pequenos a cobertura corresponderá a percentagens mais altas do valor do negócio e o inverso em negócios maiores.
Por sua vez, o prémio é calculado como uma percentagem da cobertura. Desde logo, é um elemento negociado com a seguradora, sendo influenciado pela perceção de risco que a seguradora tem quanto aos setores ou territórios em causa, a duração da cobertura, a amplitude material da cobertura e das declarações e garantias do vendedor e a qualidade da informação disponibilizada pelo vendedor para realização de due diligence e profundidade da mesma due diligence, entre outros fatores.
Este último ponto é particularmente importante. Efetivamente, para ajuizar do risco em que incorre, a seguradora precisa de formar a sua opinião sobre a empresa comprada e a adequação das declarações e garantias prestadas, bem como sobre a due diligence efetuada. É assim parte do processo de contratação destas apólices que os assessores do comprador disponibilizem à seguradora os seus relatórios de due diligence, a que se segue normalmente uma conversa telefónica ou reunião para comentar a due diligence realizada. Por norma, não são cobertos riscos relacionados com áreas que extravasem a due diligence. Ficam também geralmente excluídos os riscos conhecidos pelo comprador, nomeadamente os identificados nos relatórios de due diligence. Assim, resulta conveniente que a decisão de contratar cobertura de seguro seja tomada tão cedo quanto possível. Em particular, ao definir qual a amplitude da due diligence, o comprador deverá, desde logo, ter presente que as suas decisões poderão no futuro impactar a cobertura com que poderá contar. Em situações em que o seguro seja a única garantia que lhe vale (por ser acordado com o vendedor que não haverá responsabilização do mesmo), este ponto pode assumir particular importância.
Outro elemento fundamental destas apólices é a franquia. Como noutro tipo de apólices, o segurado deve suportar parte do prejuízo. A franquia é igualmente calculada como uma percentagem do valor da aquisição da empresa e, como se poderá supor, é outro ponto negociado. Podem ser negociadas apólices em que, alcançada a franquia, a seguradora paga a totalidade dos danos (sem deduzir a franquia), ou apólices em que apenas se cobrem os danos que excedam a franquia.
Quanto à duração da cobertura, mais uma vez a mesma é negociada com a seguradora. Como regra geral, é frequente, mas não obrigatório, que a duração da apólice corresponda ao limite temporal da responsabilidade do vendedor ao abrigo dos contratos da operação de compra e venda. É normal que este limite temporal seja de 12 a 24 meses (ou pouco mais) para a generalidade das declarações e garantias, sendo, contudo, cada situação um caso único. Para as declarações e garantias relativas a temas fiscais (e por vezes de segurança social) é normal acordar-se um período mais alargado, procurando cobrir o prazo de caducidade que a administração fiscal tem para reclamar impostos adicionais (em Portugal, para a maioria das situações, o prazo é de quatro anos, com algumas exceções).
São ainda importantes as exclusões da cobertura. Novamente, trata-se de matéria negociada caso a caso, sendo, contudo, frequente que fiquem excluídas questões ambientais, preços de transferência, questões relativas a situações de subornos, branqueamento de capitais e afins, ajustes ao preço (e.g. earn-outs), obrigações do vendedor ao abrigo dos contratos que não as declarações e garantias, e factos conhecidos pelo comprador e/ou vendedor. Adicionalmente, é normal que a seguradora inclua, como elemento da apólice, uma versão editada por si do texto das declarações e garantias constantes dos contratos, estabelecendo-se que para efeitos da cobertura as mesmas declarações e garantias deverão considerar-se modificadas de tal forma. Por norma, as seguradoras procuram evitar formulações demasiado vagas, formulações que impliquem juízos excessivamente subjetivos e formulações que impliquem juízos quanto a factos futuros que não possam ser verificados no momento.
Em jeito de conclusão, os seguros de declarações e garantias são, indubitavelmente, um instrumento interessante em operações de compra e venda de empresas, estando aptos a servir propósitos amplos. A sua natureza de contratos feitos à medida confere a este tipo de produtos um grau assinalável de maleabilidade, sendo possível hoje em dia contratar apólices altamente personalizadas para uma determinada operação em concreto.
Não obstante, a contratação de seguros deste tipo não é uma panaceia que resolve todos os possíveis problemas colocados numa operação de compra e venda de empresas quer para o comprador quer para o vendedor. Adicionalmente, este tipo de apólices não torna dispensável, antes reforça, a necessidade de realizar uma due diligence à empresa objeto do negócio.
Consideramos assim que para delinear as estratégias a tomar quanto a este tipo de questões e outras relativas à compra e venda de empresas os potenciais compradores ou vendedores terão sempre algo a ganhar se envolverem, desde cedo, assessores especializados nas decisões por si tomadas quanto a este tipo de operações.
01/02/2019
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