Distribuição de lucros;

Distribuição de lucros

O retorno de um investimento numa sociedade comercial pode ocorrer via obtenção de lucros ou dividendos, será esta uma das formas de rentabilização da aplicação financeira realizada com a aquisição/ detenção dessa participação social.
O Código Civil, no seu artigo 980º, curiosamente, considera como objetivo de uma sociedade a distribuição de lucros, vejamos “… contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade…”.
Importa analisar o enquadramento deste procedimento ao nível comercial, fiscal e contabilístico, quer na esfera da sociedade que distribui os seus lucros, quer na esfera dos sócios, detentores dessa participação social. Apenas iremos contemplar o enquadramento fiscal para sociedades e sócios pessoas singulares residentes em território português.

O direito aos lucros
Iniciamos o nosso enquadramento com a passagem pelo disposto no Código das Sociedades Comerciais (CSC). Logo na Parte Geral deste diploma, no artigo 21º, consta como direito essencial dos sócios o de quinhoar nos lucros da sociedade, este é o primeiro direito conferido por lei a cada sócio decorrente da sua participação na sociedade, consagrado nesta norma.
São os artigos 217º e 218º relativamente às sociedades por quotas e os artigos 294 e 295º no âmbito das sociedades anónimas, todos do Código das Sociedades Comerciais, que se referem quanto ao direito aos lucros.
Resulta do n.º 1 do artigo 217º do CSC, para as sociedades por quotas, que “… salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível…”. Idêntica disposição consta no artigo 294º do mesmo diploma para as sociedades anónimas.
Assim, a decisão sobre a distribuição de lucros será tomada em assembleia geral convocada para o efeito, sendo tal deliberação a de distribuição de lucros, os sócios ficam com o direito de crédito relativamente ao seu quinhão. Existindo lucros distribuíveis, se o contrato de sociedade não dispuser diferentemente e se os sócios não deliberarem distribuir menos de metade, a sociedade ficará obrigada a distribuir aos sócios metade dos lucros do exercício.
Contudo, não são distribuíveis os lucros do exercício necessário para cobrir resultados transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade, disposições com o intuito da conservação do capital, previstas nos artigos 31º a 35º do CSC. Face ao exposto, no início de obtenção de lucros haverá que primeiramente colmatar eventuais resultados negativos anteriormente apurados, seguidamente proceder à constituição da reserva legal e só depois haverá lugar à distribuição de lucros aos detentores do capital.
No decurso da vida da sociedade, e considerando os resultados acumulados ao longo dos anos, numa eventual deliberação sobre distribuição de lucros haverá que considerar o disposto no artigo 32º do CSC:
“… 1 - Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.
2 - Os incrementos decorrentes da aplicação do justo valor através de componentes do capital próprio, incluindo os da sua aplicação através do resultado líquido do exercício, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade, a que se refere o número anterior, quando os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos, liquidados ou, também quando se verifique o seu uso, no caso de ativos fixos tangíveis e intangíveis.
3 - Os rendimentos e outras variações patrimoniais positivas reconhecidos em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial, nos termos das normas contabilísticas e de relato financeiro, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios, nos termos a que se refere o n.º 1, quando sejam realizados…”

Por um lado, o legislador acautela a situação de perda de capital, por outro estabelece limitações quanto à distribuição de resultados que sejam decorrentes de procedimentos contabilísticos adotados, nomeadamente reservas/ rendimentos provenientes de valorizações ao justo valor e utilização do método de equivalência patrimonial.
Haverá que distinguir a existência de diferentes conceitos de lucros/ resultados que possam existir nos diversos domínios: contabilístico, patrimonial, societário, etc.. Sendo que a articulação dos diversos diplomas legais nem sempre será totalmente eficiente nesta conjugação. Neste caso em concreto, o lucro contabilístico que possa resultar das técnicas contabilísticas referidas, não será considerado lucro disponível para distribuição nos termos societários, até que os mesmos se encontrem realizados.

Qualificação dos rendimentos e momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação
O Código do IRS é o normativo legal que qualifica os diversos tipos de rendimentos, qualificação essa que se mantém para efeitos de IRC.
Assim, resulta do artigo 5º do Código do IRS acerca dos rendimentos da Categoria E (rendimentos de capitais), que:
“… 1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias…”.
Prevendo a alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS que:
“… 2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;…”

Face ao exposto, os rendimentos provenientes da distribuição de lucros configuram-se como rendimentos de capitais (categoria E).
No que se refere à determinação do momento em que tais rendimentos ficam sujeitos a tributação importa analisar o disposto no artigo 7º do Código do IRS sob a epígrafe “Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E”, sendo que tais procedimentos se aplicam também no âmbito do IRC, isto é, ainda que se trate de sócios pessoas coletivas.
O n.º 1 desta norma considera que “… os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos…”.
Concretamente quanto ao rendimento proveniente da distribuição de lucros releva o momento em que são colocados à disposição do beneficiário, conforme subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7º do Código do IRS:
“… 3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:
a) Quanto ao n.º 2 do artigo 5.º:
(…)

2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j), l) e r), assim como dos certificados de consignação;…”
Neste sentido, a retenção de imposto ocorrerá no momento que tais rendimentos sejam colocados à disposição do beneficiário.

Tributação na esfera do sócio pessoa singular
Sendo o beneficiário do rendimento (o sócio) pessoa singular residente em território nacional, tais rendimentos serão tributados à taxa liberatória de 28%, por enquadramento na alínea a) do n.º 1 do artigo 71º do Código do IRS:
“… 1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%:
a)   Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;…”

A tributação a taxa liberatória, como o próprio nome indica libera o sujeito passivo de demais obrigações, isto é, à partida será uma tributação definitiva. Neste caso, o sujeito passivo pessoa singular não tem que incluir tais valores na sua declaração de rendimentos, sem prejuízo do que a seguir se refere.
Ainda que esteja prevista a tributação a taxa liberatória assiste ao contribuinte a opção pelo englobamento, conforme resulta da alínea b) do n.º 3 e n.º 5, ambos do artigo 22º do Código do IRS:
“… 3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação:
(…)
b)   Os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento e do englobamento obrigatório neles previsto.
(…)
5 - Quando o sujeito passivo exerça a opção referida no n.º 3, fica, por esse facto, obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria de rendimentos…”

A possibilidade de englobamento dos rendimentos provenientes da distribuição de lucros encontra-se prevista nos números 9 e 10 do artigo 71º do Código do IRS:
“… 9 - Os rendimentos a que se refere o n.º 1 podem ser englobados para efeitos da sua tributação, por opção dos respetivos titulares, residentes em território nacional, desde que obtidos fora do âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais.
10 -  Feita a opção a que se refere o número anterior, a retenção que tiver sido efetuada tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final…”

Caso o sujeito passivo opte pelo englobamento de tais rendimentos irá beneficiar do mecanismo do crédito de imposto por dupla tributação económica, nos termos regulamentados no artigo 40ºA do Código do IRS:
“… 1 - Os lucros devidos por pessoas coletivas sujeitas e não isentas do IRC são, no caso de opção pelo englobamento, considerados em apenas 50% do seu valor.
2 - O disposto no número anterior é aplicável se a entidade devedora dos lucros ou que é liquidada tiver a sua sede ou direção efetiva em território português e os respetivos beneficiários residirem neste território…”

Caso seja exercida a opção pelo englobamento (que ocorre com o preenchimento do Anexo E à Modelo 3) então, 50% do rendimento obtido com a distribuição de lucros, concorre com os demais rendimentos do sujeito passivo para efeitos de determinação da taxa a aplicar no âmbito do artigo 68º do Código do IRS. A retenção já efetuada a taxa liberatória (na sua totalidade) adota neste caso a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final. Deve dar-se nota que optando pelo englobamento, o sujeito passivo fica obrigado a englobar todos os rendimentos desta categoria.
No preenchimento do anexo E à Modelo 3, como exemplo e admitindo apenas a existência de rendimentos provenientes da distribuição de lucros, então deve preencher o quadro 4-B (incluir 50% do rendimento e a retenção na totalidade), no seguimento do pontos 3 do mesmo “ Se no ano a que a declaração respeita apenas auferiu rendimentos sujeitos às taxas liberatórias do art.º 71.º do CIRS e pretende optar pelo seu englobamento, preencha o quadro 4B”.
No quadro 4-B tal rendimento deve ser considerado com o código E10 “Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º do Código do IRS”.
Resulta das instruções de preenchimento do Anexo E que “… Código E10 - Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e os adiantamentos por conta de lucros, o valor atribuído aos associados na amortização de partes sociais sem redução de capital e os rendimentos auferidos pelo associado na associação em participação e na associação à quota são declarados em 50% do seu valor ilíquido se a entidade devedora dos rendimentos tiver a sua sede ou direção efetiva em território português, for sujeita e não isenta do IRC e os respetivos beneficiários residirem neste território, nos termos do artigo 40.º-A do Código do IRS…”.
O sócio pessoa singular que obtém rendimentos de distribuição de lucros deve ponderar face ao tipo de rendimentos obtidos e o seu valor, se deve, ou não, optar pelo englobamento nos termos referidos. Para o efeito poderá proceder a simulações da liquidação do IRS de um modo e de outro.

Tratamento contabilístico
Na ótica da sociedade que irá distribuir lucros aos seus sócios, teremos:
No primeiro dia do ano, o registo referente à transferência do resultado líquido positivo apurado no período anterior:
Débito: 818 - Resultado Líquido do Período
Crédito: 56 - Resultados transitados
Pelo valor total do resultado líquido apurado
Na data da aprovação das contas onde terá sido deliberado a distribuição dos lucros:
Débito: 56 - Resultados Transitados
Crédito: 264 - Sócios - Resultados Atribuídos
Pelo valor do resultado a distribuir, de acordo com a deliberação tomada em assembleia
No momento em que ocorre a disponibilização dos lucros:
Débito: 264 - Sócios - Resultados Atribuídos
Crédito: 265 - Sócios - Lucros disponíveis
Pelo valor dos lucros disponibilizados
Caso anteriormente tenham sido efetuados adiantamentos por conta de lucros, o registo contabilístico relativo à disponibilização dos lucros seria:
Débito: 264 - Sócios - Resultados Atribuídos
Crédito: 263 - Sócios - Adiantamentos por conta de lucros (pelo valor a regularizar)
Crédito: 265 - Sócios - Lucros disponíveis (pelo restante)
Pelo pagamento dos lucros aos sócios:
Débito: 265 - Sócios - Lucros disponíveis
Crédito: 242 - Retenção de impostos sobre o rendimento
Crédito: 12 - Depósitos à ordem
Pelo montante pago e respetiva retenção de imposto

Outras obrigações da sociedade que distribui os lucros
Importa analisar se esta diminuição patrimonial configura em sede de IRC uma variação patrimonial negativa. A distribuição de lucros aos sócios configura uma variação patrimonial negativa sem relevância fiscal por se enquadrar nas exceções, conforme alínea c) do n.º 1 do artigo 24º do Código do IRC:
“… 1 - Nas mesmas condições referidas para os gastos e perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:
 (…)
c)   As saídas, em dinheiro ou em espécie, em favor dos titulares do capital, a título de remuneração ou de redução do mesmo, ou de partilha do património, bem como outras variações patrimoniais negativas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente ou da sua reclassificação;…”

Neste caso, não deve ser inscrita no quadro 07 da Modelo 22, uma vez que não tem relevância fiscal, isto é, não concorre para a determinação do resultado tributável do período.
A sociedade, enquanto devedora de rendimentos sujeitos a retenções na fonte, deve entregar aos sócios, até 20 de janeiro de cada ano, documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, do imposto retido na fonte e das deduções a que eventualmente haja lugar, conforme a alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do Código do IRS, caso estes o solicitem, conforme n.º 3 da mesma norma.
Essa sociedade é, ainda, obrigada a entregar a Modelo 39, com inclusão dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte nos termos do artigo 71º do Código do IRS, até ao final de fevereiro do ano seguinte, nos termos previstos no n.º 12 do artigo 119º do Código do IRS:
“… 12 -  Sem prejuízo do disposto no n.º 2, as entidades devedoras ou as entidades que paguem ou coloquem à disposição dos respetivos titulares residentes os rendimentos a que se refere o artigo 71.º ou quaisquer rendimentos sujeitos a retenção na fonte a título definitivo são obrigadas a:
a) Cumprir a obrigação prevista na alínea a) do n.º 1;
b) Entregar à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao final do mês de fevereiro de cada ano, uma declaração, de modelo oficial, referente àqueles rendimentos e respetivas retenções de imposto, relativas ao ano anterior;
c)   Emitir a declaração prevista na alínea b) do n.º 1 nas condições previstas no n.º 3…”


Colaboração:
Elsa Marvanejo da Costa
Contabilista Certificada, especialista sobre o imposto sobre o rendimento na Ordem dos Contabilistas Certificados
25/05/2023
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