“As escolas públicas devem ser autónomas”;

JOSÉ ANTÓNIO SALCEDO, COORDENADOR DE EDUCAÇÃO NO INICIATIVA LIBERAL, AFIRMA
“As escolas públicas devem ser autónomas”
“Como princípio fundamental, defendemos que o Estado tem de servir as pessoas e não colocar a pessoas a servi-lo”, defende José António Salcedo.
“As escolas públicas devem ser autónomas, com autonomia administrativa, financeira e pedagógica”, afirma José António Salcedo, Coordenador de Educação no Iniciativa Liberal, grupo Portugal 2040.
“Para melhorar a Educação, é necessário elevar a qualidade, nível de formação e a motivação dos professores, assim como a qualidade das suas condições de trabalho na escola, incluindo a sua segurança”, acrescenta José António Salceda.
Vida Económica - Quais são os princípios mais importantes que norteiam o pensamento do Iniciativa Liberal em matéria de Educação?
José António Salcedo - Estabelecemos um princípio fundamental: Educação é estratégica e crítica para o desenvolvimento do país. Através de Educação as pessoas desenvolvem conhecimento, que, pela sua aplicação em ações concretas, permite criar valor pela sua incorporação em produtos, serviços e processos. Ora o valor que a sociedade produz através da ação das suas pessoas e entidades, seja ele de caráter económico, financeiro, intelectual ou social, alavanca o bem-estar dos cidadãos e determina o tipo e a qualidade dos serviços públicos que a sociedade é capaz de assegurar de forma sustentável.
Para o desenvolvimento da sociedade importa assim assegurar que os cidadãos sejam capazes de criar, aplicar e difundir conhecimento. Conhecimento cria-se na mente de uma pessoa sempre que ela passa por uma experiência, compreende uma situação ou se aplica num processo educativo formal ou informal. Conhecimento adquire-se por aprendizagem, pelo que é essencial que a sociedade garanta as condições necessárias para uma aprendizagem efetiva.
 
VE - Faz sentido estabelecer um objetivo estratégico para Educação que norteie a ação de todos os intervenientes em processo educativos?
JAS - Faz. Em termos gerais, faz parte da responsabilidade de qualquer governo estabelecer linhas estratégicas mestras para estimular o desenvolvimento do pais e o bem-estar das pessoas. Em áreas críticas como Educação, Saúde, Justiça e Segurança, faz especial sentido que essas linhas mestras transcendam a visão exclusiva de um dado governo ou partido e mereçam um acordo parlamentar amplo e de médio prazo, digamos 10 anos. Neste contexto, somos de opinião que o objetivo estratégico que tem de ser estabelecido para Educação é “formar pessoas com autonomia intelectual”. Isto significa que os cidadãos tenham aprendido a (1) criar conhecimento nas suas mentes, através de saber pensar, ou seja, saber processar informação de forma crítica e criativa, (2) criar valor, através da aplicação desse conhecimento em ações concretas e incorporando-o em produtos, serviços e processos, e (3) expandir esse valor, através da comunicação com clareza, para criar redes pessoais, profissionais e sociais, explorando sinergias e complementaridades. Pessoas com autonomia intelectual estarão melhor habilitadas a construir vidas com significado. Uma sociedade constituída por um elevado número de pessoas intelectualmente autónomas será sempre mais desenvolvida e resiliente, porque mais capaz de criar valor e de se adaptar a novas circunstâncias e desafios.
 
VE - Como se podem formar pessoas com autonomia intelectual?
JAS - As raízes mais importantes da autonomia intelectual desenvolvem-se cedo na vida de uma criança, pelo que é necessário atender com especial cuidado à designada Educação Obrigatória. Ao longo dos seus vários ciclos, pré-escolar, básico, secundário ou profissional, pessoas com autonomia intelectual formam-se com mais eficácia em ambientes que assegurem um conjunto de características: (1) contextos confortáveis e seguros para aprendizagem (escolas), em que as necessidades básicas de cada aluno, como alimentação, saúde, higiene e segurança, estejam atendidas, (2) programas definidos localmente e com espetro largo, incluindo matérias de ciências, humanidades, artes, desporto e profissionais, assente na realização de projetos com análise e discussão dos resultados, (3) professores capacitados e entusiasmados com a sua atividade, capazes de combinar ambientes clássicos de trabalho com acompanhamento flexível de alunos na investigação de temas, produção de conhecimento, desenvolvimento de capacidades cognitivas e comportamentos, e (4) um ambiente crítico e criativo que estimule a pensar, a apresentar e a discutir ideias.
 
VE - Tem-se notado uma tensão crescente entre quem defende a escola pública, de intervenção exclusiva do Estado, e quem defende a importância da iniciativa e da gestão privadas. Que pensa o Iniciativa Liberal sobre esta dicotomia?
JAS - Essa e uma falsa dicotomia, que revela uma perspetiva distorcida e demasiado ideológica sobre o que é mais vantajoso para uma sociedade, e, em particular, sobre qual deve ser o papel do Estado.
A sociedade não deve defender “escola pública”, como algumas ideologias propõem. A sociedade deve defender “Educação Pública”, ou idealmente “Educação”, coexistindo e competindo saudavelmente nos processos de Educação entidades públicas, privadas, cooperativas ou de outro tipo. Os padrões de qualidade a atingir com Educação devem ser definidos pelo Estado para toda a sociedade; porém, a via escolhida por cada entidade para os atingir deve permitir que Estado e privados concebam e executem redes de Educação que satisfaçam os critérios estabelecidos, respondam as necessidades e explorem oportunidades.
O Iniciativa Liberal defende Educação de grande qualidade. Para o garantirmos, o papel do Estado terá de ser substancialmente alterado. Será sempre responsabilidade do Estado definir as regras do jogo e constituir-se como garante da qualidade de todos os processos educativos e guia das entidades envolvidas na execução da sua missão. Enquanto “gestor do dinheiro” que vai financiar em todo ou em parte a aprendizagem dos alunos nos ciclos Pré-Escolar, Básico, Secundário ou Profissional, o Ministério deve assegurar o financiamento e correto funcionamento dos projetos educativos que as escolas públicas proponham e que tenham sido aprovados. Tal significa garantir as condições técnicas, logísticas e de apoio à gestão que sejam necessárias para a sua execução, acompanhamento, avaliação e ajustamento.
 
VE – As escolas públicas deveriam ter mais autonomia financeira e de gestão?
JAS - Defendemos igualmente que as escolas públicas devem ser autónomas, com autonomia administrativa, financeira e pedagógica. Aliás, os processos de aprendizagem que conduzem à autonomização intelectual de pessoas executam-se idealmente em ambientes escolares com elevado grau de autonomia. Apenas este tipo de escolas tem a liberdade necessária – e a correspondente responsabilidade e autoridade – para conceber e executar projetos educativos bem como métodos e processos pedagógicos centrados nos alunos que a escola admitiu, no contexto das condições socioeconómicas que caracterizam o meio onde a escola se insere. Uma escola com autonomia é sempre mais eficaz a garantir uma correta aprendizagem por parte dos alunos, pois pode sempre identificar oportunidades e necessidades específicas e atuar rapidamente em conformidade, algo que uma burocracia central não consegue.
Autonomizar escolas significa atribuir-lhes autonomia administrativa, financeira e pedagógica, profissionalizando a sua gestão e elevando o seu nível de responsabilidade e autoridade, dando-lhes liberdade para definir e executar projetos educativos definidos localmente, que se propõe cubram um período de cinco anos, constituindo verdadeiros planos estratégicos de cada escola, bem como contratar docentes, estabelecer e ajustar turmas, programas, métodos e processos pedagógicos, realizar o acompanhamento regular de professores e alunos e avaliações internas.
 
VE - Tem existido uma tensão intensa entre o atual Governo e os professores, devida especialmente ao congelamento das carreiras durante um período superior a nove anos. Que pensa o Iniciativa Liberal em relação a professores?
JAS - Os professores são os principais agentes nos processos de aprendizagem dos alunos, estando a qualidade e a eficácia da aprendizagem diretamente dependente da qualidade, formação e motivação dos professores. As suas habilitações terão de ser mais elevadas e a sua formação mais cuidada. A sua carreira terá de estar estruturada em patamares, separando-se a contratação de professores – a cargo das escolas, no contexto da sua autonomia e dos planos educativos aprovados, com apoio do Estado sempre que necessário – da sua promoção, assente em provas públicas que avaliem mérito. A sua compensação terá de corresponder aos novos requisitos, bem como a progressão na carreira.
Para melhorar a Educação, é necessário elevar a qualidade, nível de formação e a motivação dos professores, assim como a qualidade das suas condições de trabalho na escola, incluindo a sua segurança. Este aspeto é crucial, pois na atualidade o papel do professor é substancialmente diferente do seu papel no passado, uma vez que deixou de ser a fonte de informação e passou a ser mais um orientador nos processos de aprendizagem dos alunos.
Em resultado das considerações anteriores, os professores deverão ser pessoas altamente qualificadas quer em conhecimento científico e técnico quer em práticas pedagógicas, de gestão ou outras consideradas como relevantes. Deverão igualmente estar enquadrados numa carreira com oportunidades de valorização e progressão por mérito, sendo compensados de forma apropriada. Apenas desta forma asseguramos que os professores estarão motivados no exercício da sua profissão, tantas vezes desgastante e ingrata. O exercício da profissão de professor deve ser caracterizado por uma elevada responsabilidade, que tem de ser acompanhada da correspondente autoridade. O sistema escolar, através da cultura que o deveria caracterizar, tem de ser capaz de o garantir.
Coloca-se a questão de saber como lidar com professores integrados na vertente pública de Educação e que tenham qualidade abaixo dos padrões que venham a ser estabelecidos – em todas as profissões existem profissionais com menor qualidade – ou que não se adaptem ao novo modelo defendido pelo Iniciativa Liberal. Defende-se que as escolas tenham autonomia para contratação de professores após aprovação do seu projeto educativo, sempre que existam condições adequadas para que esse processo avance com competência, isenção e transparência.
 
VE – A contratação de professores deveria pertencer em exclusivo às escolas?
JAS – A Direção de cada escola deve poder assumir a responsabilidade de selecionar os professores que quer ter.
Professores não contratados – o processo de seleção exigirá supervisão por parte do Ministério – devem ser transferidos para uma bolsa de professores, onde o seu CV ficará disponibilizado para outras escolas os poderem escolher. Nenhuma escola deve ser forçada a aceitar um professor que não quer ter por alguma razão ponderosa e justificada. Professores não contratados pela rede escolar devem ser treinados para exercerem outras funções de acordo com critérios e processos a ponderar.
Quanto à questão da eliminação de tempo de serviço efetivamente prestado por um professor contratado há mais de um certo número de anos, uma vez que professores de contratação recente não são afetados, somos de opinião que esse tempo de serviço constitui uma realidade inquestionável. A sua medida é precisa e vem expressa no número de anos, meses e dias que caracterizam a duração do trabalho realizado no passado. Circunstâncias nacionais especialmente difíceis poderão conduzir um Governo a tomar medidas restritivas que contribuam para reduzir despesa pública num determinado momento. Salários, oportunidades de progressão na carreira ou benefícios de vários tipos poderão então ser congelados, reduzidos ou até, em alguns casos, eliminados. No entanto, factos ocorridos no passado – como o tempo efetivamente prestado por um professor – nunca poderão ser alterados porque são factos, pelo que terão de ser assumidos.
Adicionalmente, não concordamos com a decisão do Governo, uma vez que a eliminação deste tempo de serviço introduz uma injustiça flagrante, ao colocar professores de contratação recente em escalões superiores aos de professores de contratação mais antiga, o que até poderá ser inconstitucional. Para o futuro, o Iniciativa Liberal defende um modelo completamente diferente de contratação e promoção de professores, como indicado anteriormente. Refira-se, no entanto, que este problema apenas é significativo pelo facto de o Estado ser um empregador tão proeminente no sector.
 
VE - O Iniciativa Liberal está disposto a dialogar com as entidades relevantes em Educação, incluindo os outros partidos políticos com assento no Parlamento e sindicatos?
JAS - Naturalmente que sim. Não apenas estamos dispostos como consideramos que esse diálogo é essencial. Como princípio fundamental, defendemos que o Estado tem de servir as pessoas e não colocar a pessoas a servi-lo. Assim, é responsabilidade de qualquer governo não apenas conquistar o respeito e a parceria dos intervenientes em processos educativos como também de estabelecer com eles um compromisso estratégico de médio prazo, idealmente a 10 anos, por forma que escolas e professores consigam focar-se na execução da sua missão com estabilidade e motivação.
Teremos de ter coragem, no entanto, para separar o trigo do joio e apostar unicamente no trigo.
Adicionalmente, as práticas que a experiência tenha mostrado como válidas devem ser mantidas e expandidas, assim como aquelas que se relevaram ineficazes devem ser eliminadas, para dar origem a novas práticas que habilitem melhor as pessoas a fazer face a um futuro que será certamente mais exigente.
 
VE - As perspetivas do Iniciativa Liberal em matéria de Educação virão a ser conhecidas em detalhe e publicamente?
JAS - Sim. Está em fase final de preparação um documento detalhado com as propostas e medidas que o Iniciativa Liberal tem vindo a contextualizar e a debater no seu grupo Portugal 2040, cobrindo todas as áreas de intervenção governamental, Educação sendo uma delas. Esse documento, que será substantivo e um exemplo único no panorama político nacional, será publicado e amplamente divulgado num futuro breve, após as eleições europeias.
Susana Almeida, 09/05/2019
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