Plano “Justiça+Próxima” mantém administradores judiciais sem acesso ao portal CITIUS
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, lançou há um mês o plano de ação “Justiça + Próxima”, composto por mais de 120 medidas – das quais apenas 60 são conhecidas – e alinhado com os programas de modernização administrativa nacionais. Um investimento de 2,8 milhões de euros oriundos do Fundo de Modernização para a Justiça (FMJ) e de fundos europeus, com o objetivo, diz a governante, de transformar a Justiça através dos meios digitais, aproximando-a dos cidadãos.
E se estas medidas são aplaudidas pelos operadores judiciários, eles não deixam de fazer reparos àquilo que ainda está por implementar. Inácio Peres, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Judiciais (APAJ), por exemplo, admite que a generalidade das medidas anunciadas é “positiva”. No entanto, diz, é preciso “maior celeridade processual, nomeadamente o acesso ao CITIUS e às bases de dados por parte dos administradores judiciais”
E se estas medidas são aplaudidas pelos operadores judiciários, eles não deixam de fazer reparos àquilo que ainda está por implementar. Inácio Peres, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Judiciais (APAJ), por exemplo, admite que a generalidade das medidas anunciadas é “positiva”. No entanto, diz, é preciso “maior celeridade processual, nomeadamente o acesso ao CITIUS e às bases de dados por parte dos administradores judiciais”
“Alegadamente a senhora ministra da Justiça pretende melhorar a interação entre os tribunais e os administradores judiciais”. No entanto, “falta saber exatamente em que termos” começa por dizer o presidente da APAJ à “Vida Económica”.
Inácio Peres reconhece que as medidas propostas “podem beneficiar todos os operadores judiciários e contribuir para a celeridade processual, enquanto pilar de uma Justiça mais expedita, transparente e próxima do cidadão”. E salienta o “reforço ao nível do CITIUS”, pela implementação da plataforma nos tribunais superiores, bem como o “serviço de alertas” que se consubstancia na “possibilidade de informar os mandatários, via sms ou por e-mail, de notificações relativas a processos e alterações de diligências, mediante adesão opcional dos mandatários”. Elenca também o “automatismo da ação executiva”, o “acesso dos agentes de execução aos apensos do processo executivo” e, ainda, o “aperfeiçoamento da comunicação entre a Justiça e o cidadão”. Tudo isto, diz o presidente da APAJ, reflete-se na “simplificação e clarificação das notificações e citações em substituição dos textos automáticos deficitários e de difícil compreensão para os cidadãos em geral”.
No entanto, e apesar das novas funcionalidades anunciadas para o CITIUS, “o acesso a esta plataforma por parte dos administradores judiciais continua sem regulamentação”. E, frisa Inácio Peres, “não foi referida pela senhora ministra da Justiça, pelo menos expressamente”, nenhuma medida para o alterar.
A APAJ tem insistido junto das instâncias governamentais, nomeadamente a ministra da Justiça, entre outras, com vista à resolução daqueles problemas e a fim de diligenciar pela publicação da portaria ou decreto-lei que permita este acesso aos administradores judiciais. É que o assunto, frisa Inácio Peres, reveste-se de importância “não tanto para os administradores judiciais mas, essencialmente, pelo interesse público da medida e também para os intervenientes processuais em geral, tanto mais porque “este acesso está previsto na lei há mais de dez anos” e só não é posto em prática “por falta de regulamentação”, que é “imprescindível”.
“Diploma está pronto desde dezembro”
O mais paradoxal neste processo é que o presidente da APAJ sabe que “há vários meses (desde o início de dezembro) que o respetivo diploma está pronto para ser enviado para audição pública e posterior publicação”, tal como lhe foi transmitido pela Direção-Geral de Política da Justiça. Além de que “não existe qualquer entrave de ordem técnica”. E até o novo modelo de cartão de identificação dos administradores judiciais “já foi elaborado” pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ).
Inácio Peres diz que já foi informado que o diploma que permite regulamentar as três medidas – acesso ao CITIUS, às bases de dados e publicação do novo cartão de identificação dos administradores judiciais – já não seria publicado sob a forma de portaria, mas sob a forma de decreto-lei. O certo é que, “infelizmente, até à data, nem um nem outro foram enviados para audição pública”, o que traz prejuízos para o “andamento dos processos nos tribunais”. Ou seja, se se ultrapassasse este obstáculo, dar-se-ia uma “diminuição significativa das pendências, especialmente nos processos de insolvência, nos processos especiais de revitalização (PER) e também nos processos executivos”.
Para além disto, a APAJ quer um “aumento do número de tribunais de comércio”, assim como do “número de juízes e funcionários judiciais afetos a esses tribunais”, uma vez que são “os que mais carecem” desses meios humanos e também “os que têm maior pendência processual”. Inácio Peres defende, pois, a “transferência” dos magistrados e funcionários judiciais dos tribunais que têm menor volume de trabalho para os tribunais do comércio.
“Fator mais positivo é não onerar o Orçamento de Estado”
A “Vida Económica” também questionou Ricardo Nascimento, especialista em Direito do Trabalho e membro da Associação de Jovens Juslaboralistas, sobre quais das medidas anunciadas no programa “Justiça+Próxima” do Ministério da Justiça considera mais relevantes e que deverão mudar, efetivamente, o funcionamento da Justiça.
O advogado diz que, relativamente às medidas anunciadas, “muitas delas têm virtualidades que importa testar”, embora para si “o fator mais positivo” deste plano anunciado por Francisca Van Dunem seja facto de o mesmo ser “integralmente suportado” pelo Fundo de Modernização para a Justiça (FMJ) - que terá autonomia financeira e receitas próprias - e com o recurso a fundos europeus.
Em Portugal, diz Ricardo Nascimento, “a crise da justiça não é um fenómeno isolado, a mesma emerge de uma mais vasta crise da nossa própria sociedade a nível económico, social, político e cultural”. Daí que a carência de recursos financeiros seja sempre “uma das explicações para muitos dos males da nossa Justiça”. Assim, frisa o advogado, para 2016 está previsto um investimento de 2,8 milhões de euros oriundos do FMJ e com recurso a fundos europeus, “não se onerando o orçamento de Estado”. Além que “vamos também poder usufruir de outro tipo de financiamentos a partir de projetos internacionais de inovação social e, ainda, através de parcerias com empresas no contexto de responsabilidade social”.
Por conseguinte, “agrada-me muito a forte aposta na componente tecnológica e simplificação de alguns processos”, diz este responsável da Associação de Jovens Juslaboralistas, que acredita que essa aposta “facilitará o quotidiano dos cidadãos e dos operadores judiciários, tornando a interação com o Estado mais conveniente e transparente e agilizando o funcionamento da Administração Pública”.
Ricardo Nascimento dá, assim, “o enfoque ao reforço das infra-estruturas tecnológicas do Ministério da Justiça”, desejando que “se consiga uma melhoria efetiva dos métodos de trabalho, simplificando e aumentando a capacidade de gestão da informação e automatizando alguns procedimentos”. Tanto mais porque, “nas últimas décadas, as tecnologias de informação e comunicação e a implementação do programa simplex, revolucionaram os serviços públicos e a vida dos operadores judiciários”, que ficou “bem mais facilitada com a diminuição de burocracia e filas de espera”. O advogado espera, assim, “que se continue este esforço de modernização e a melhoria do atendimento e dos serviços”. Em suma, o advogado é de opinião que “as medidas apresentadas são importantes pequenos passos, preferíveis a ter a ambição revolucionária e artificial de gerar todo um novo sistema utópico, mudando-se novamente todos os códigos e legislação”.
“A reforma da ação executiva foi desastrosa”
No entanto, as medidas anunciadas pelo Ministério da Justiça são essencialmente voltadas para os cidadãos, individualmente, sendo que as empresas são igualmente grandes utilizadores da Justiça e dos tribunais, contrapõe a “Vida Económica”, questionando de novo Ricardo Nascimento sobre que medidas defenderia para acelerar o andamento dos processos e com isso diminuir as pendências, nomeadamente nos processos executivos e nas insolvências.
Em resposta, o jurista reconhece que esta questão colocada “já fez correr rios de tinta e deu origem a diferentes debates sobre a matéria, sem que se consiga um consenso quanto à implementação de medidas que imprimam celeridade aos processos e dispensa de encargos tão elevados para os exequentes”.
A verdade é que, diz, “a reforma da ação executiva foi desastrosa, o processo executivo ficou mais caro e não se verificou a prometida eficiência nas cobranças, com o impacto negativo que tal acarreta na vida económica e na saúde financeira das empresas”. Além de que “é unânime o entendimento de que a reforma do processo executivo realizada em 2003, criando um paradigma assente na figura do agente de execução, entrou em vigor precipitadamente e sem que estivessem reunidas as condições (humanas e logísticas) indispensáveis para que pudesse ser aplicada com sucesso”.
Ora, diz Ricardo Nascimento, “um país onde a cobrança coerciva de dívidas não seja assegurada com efetividade é um país que põe em risco o seu desenvolvimento económico”. Razão por que é de opinião que “a medida principal que deve ser reforçada deverá ser a continuação do esforço de uma melhor formação e preparação dos agentes de execução que, por razões de estatuto, de perfil e de insuficiente preparação jurídica (de direito adjetivo e de direito substantivo), nunca foram capazes de assumir a direção do processo executivo”. Isto, com tudo o que isso implica e que é “um ponto que verdadeiramente os distinguiria dos anteriores funcionários judiciais de serviço externo”.
Já no que respeita às execuções, o advogado, é crê que “haverá ainda que favorecer as vendas por negociação particular”, que estão apenas “condicionada à obrigatoriedade de consulta, não apenas aos exequentes mas, também, aos executados, para, em prazo curto, declararem se estão de acordo com a melhor oferta obtida”. Uma declaração “apenas condicionada nos seus efeitos, caso apresentassem no mesmo prazo pessoa disposta a pagar e melhor pelos bens objeto da penhora”.
“Uma enorme morosidade dos processos de insolvência”
Por outro lado, “a deterioração das condições económicas atuais, com as correspondentes e inevitáveis repercussões ao nível da situação financeira das empresas portuguesas, coloca em especial evidência a importância da regulação legal da insolvência”, diz Ricardo Nascimento à “Vida Económica”. E faz questão de dizer que se “comprova uma enorme morosidade dos processos de insolvência” além de impedir a efetivação dos direitos, abala igualmente a confiança dos cidadãos e dos agentes económicos no sistema de justiça, fragilizando o Estado de Direito”. Ademais, diz, “é potenciadora de um discurso irracional contra o direito, a justiça e os operadores judiciários”.
Ricardo Nascimento tem a noção de que “existe uma enorme sobrecarga de serviço imposta aos tribunais de comércio” e que “fazem faltam mais juízes para tramitar insolvências”. Esta sobrecarga é devida, “em parte, à própria crise económica com que nos defrontamos, como a falta de magistrados, carência de funcionários bem preparados e de uma gestão judicial moderna”. No entanto, “com o declínio da capacidade financeira do tecido empresarial, o âmbito potencial de aplicação subjetiva das normas que regulam a insolvência alarga-se, multiplicando o seu efeito e relevância económica e social”.
“Minimizar as dificuldades por que estão a passar as empresas”
Em face disto, o jurista diz que, “na conjuntura económica atual, torna-se imperativo minimizar as dificuldades por que estão a passar as empresas”, pelo que “a recuperação do IVA liquidado a clientes que se encontram insolventes é um problema tanto maior quanto menor for o património a apreender para a massa insolvente”.
É que “a regularização do IVA referente a créditos incobráveis e a créditos de cobrança duvidosa a favor dos sujeitos passivos tem sofrido importantes alterações”, diz Ricardo Nascimento. No entanto, há “diversos e complicados procedimentos quando tal deveria ser efetuado de forma simples”, pelo que “não faz qualquer sentido que não exista um único procedimento simplificado para tal regularização de IVA dos incobráveis”.
Finalmente, relativamente às insolvências, diz este advogado que “não faz sentido que, logo que decretada a insolvência de uma pessoa singular ou coletiva sem apresentação e aprovação de qualquer plano, se não imponha a imediata liquidação de todo o seu património”. E o que constatamos é que “os senhores administradores de insolvência e liquidatários aguardam, por vezes, meses e anos pela sentença de verificação e graduação de créditos para dar início às operações de liquidação”.