Estado dificulta formação na indústria
As empresas industriais podem vir a ter graves carências de mão de obra qualificada – afirma Rafael Campos Pereira. Em entrevista à “Vida Económica”, o vice-presidente da Aimmap – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal contesta os atuais modelos formação que seguem a lógica do passado e que não estão a ser atualizados porque às empresas não é dada a possibilidade de investir na atividade dos centros de formação.
Em termos do desempenho do setor, Rafael Campos Pereira destaca um volume de exportações de 14 500 milhões de euros conseguido á custa de uma progressão significativa nos mercados da União Europeia, compensando a quebra ocorrida em países como Angola, Argélia, Rússia e China.
Sobre a execução do Portugal 2020, considera haver atrasos em diversas áreas, embora a situação não seja muito diferente dos anteriores quadros comunitários de apoio.
Em termos do desempenho do setor, Rafael Campos Pereira destaca um volume de exportações de 14 500 milhões de euros conseguido á custa de uma progressão significativa nos mercados da União Europeia, compensando a quebra ocorrida em países como Angola, Argélia, Rússia e China.
Sobre a execução do Portugal 2020, considera haver atrasos em diversas áreas, embora a situação não seja muito diferente dos anteriores quadros comunitários de apoio.
Vida Económica - O ano de 2016 teve um balanço positivo em termos de atividade do setor metalúrgica e metalomecânica, quer em termos de produção, quer de exportação?
Rafael Campos Pereira - O balanço de 2016 aponta para um crescimento das exportações de 0,2% face ao ano anterior.
Como 2015 foi o melhor ano de sempre em termos de exportações, o balanço que fazemos é claramente positivo. As exportações em 2016 atingem valores muito próximos dos 14,5 mil milhões de euros. As exportações para os restantes países da União Europeia foram extraordinárias. Só ainda não são melhores os resultados porque houve uma quebra das exportações para fora da Europa, nomeadamente para alguns mercados importantes como Angola, Argélia, Rússia e China. Tudo em consequência da crise do petróleo e de alguma instabilidade que houve nesses mercados. O número de postos de trabalho manteve-se. Neste momento o problema é não conseguirmos arranjar os trabalhadores que precisamos e precisaríamos de mais 4000 trabalhadores nesta altura para fazer fase às nossas necessidades.
Isto sem falar na vontade que temos de requalificar ainda mais os nossos ativos, porque há a necessidade de substituir alguns trabalhadores que já estão próximo da idade da reforma. Estamos a ter alguma dificuldade na aquisição de novos talentos porque não há jovens para entrar nas empresas nesta altura, desde logo pelos constrangimentos que estão a ser criados às empresas.
VE – Entre os vários segmentos da industria metalúrgica e metalomecânica, quais são os que têm mais peso em termos de exportação?
RCP - Claramente os componentes para a indústria automóvel, as maquinas e as tecnologias de produção geral e as peças técnicas de alto valor acrescentado. Mas também os chamados produtos metálicos, incluindo cutelaria, louça metálica, embalagens, que também são um quarto segmento interessante.
VE – Neste setor não se pode falar de reindustrialização porque não houve propriamente uma quebra da atividade…
RCP - Neste setor nunca houve uma verdadeira desindustrialização. O que aconteceu é que as grandes metalomecânicas do passado desapareceram e foram substituídas por um número muito grande de PME e outras grandes. Houve uma alteração do panorama das empresas. As empresas que desapareceram foram rapidamente substituídas por outras mais modernas e provavelmente mais competitivas. Isto associado a um trabalho que foi feito pelas empresas com o apoio da Aimmap e outras organizações de suporte como o Catim e o Cenfim, que quando noutros países se estava a proceder à desindustrialização, aqui investia-se na diferenciação, nos chamados fatores distintivos de produtos e empresas.
As nossas empresas apostaram na inovação, na investigação e desenvolvimento, no design, na propriedade industrial, na certificação e inclusivamente na responsabilidade social. Todos estes factores ajudaram as empresas a competir nos mercados globais em segmentos mais altos com mais valor acrescentado. As nossas empresas hoje, na sua generalidade, competem com base na qualidade e não tanto no preço.
Essa aposta na diferenciação foi um dos fatores determinantes para a nossa excelente performance. Também a aposta na qualificação de todos os nossos ativos desde empresários, gestores, a trabalhadores. Para além disso também aconteceu alguma alteração de mentalidades, as próprias empresas sentindo-se mais capazes, exatamente por causa da diferenciação, tornaram-se mais ambiciosas, no sentido de poder concorrer no exterior e nos mercados globais. Daí ao aumento das exportações foi um passo.
A contratação coletiva foi bem feita pela Aimmap com o sindel. A contratação coletiva é bem feita quando da mesma resultam benefícios para ambas as partes. Isso foi o que aconteceu. Conseguimos criar melhores formas de gestão de recursos humanos com vantagens para ambas as partes. Uma boa organização do tempo de trabalho propiciada em grande parte pela contratação coletiva permitiu às nossas empresas serem mais eficientes na gestão do tempo.
A boa gestão do tempo de trabalho permite que as empresas sejam muito mais eficazes porque permite que respondam com mais agilidade às oscilações das próprias encomendas. Quando esta gestão é bem feita há redução de custos desnecessários e há inclusivamente um melhor ambiente na empresa.
VE – Em termos de competitividade vemos muitas empresas portuguesas a fornecer os maiores grupos internacionais como é o caso dos caminhos-de-ferro. e a indústria aeronáutica?
RCP - Estamos nos chamados setores de ponta. O setor aeroespacial, ferroviário, automóvel, dos petróleos, da energia em geral. Algumas das nossas empresas são as únicas capazes de dar resposta às mais difíceis e exigentes solicitações das multinacionais.
Isto é resultado do tal investimento que foi feito na diferenciação, inovação e investigação e desenvolvimento. Estamos não só a falar de multinacionais instaladas em Portugal, mas também de PME portuguesas de capital português.
Aposta na internacionalização
VE – A Aimmap também tem estado muito ativa na cooperação com outras congéneres estrangeiras?
RCP - Sim, a AIMMAP tem feito um papel importante na área da internacionalização. Organizamos stands coletivos nas feiras mais importantes. Também estamos presentes em feiras na Suécia, na Holanda, na Alemanha, em Lyon, no Reino Unido. Também organizamos missões empresariais a alguns mercados que consideramos terem potencial. Identificamos oportunidades comerciais para as nossas empresas aos mais variados níveis. Organizamos estudos, trazemos cá grandes compradores para visitarem as nossas empresas, temos contacto com a AICEP em vários países da Europa, fazemos missões institucionais, já criamos e tivemos uma empresa no Brasil no sentido de apoiar a entrada das nossas empresas naquele mercado. Fizemos o trabalho e entretanto saímos. A AIMMAP está muito presente no apoio às empresas.
VE – Também existe colaboração com a confederação Galega?
RCP - A AIMMAP e a sua congénere galega criaram uma federação galega e no âmbito da qual desenvolvemos um conjunto de projetos e parcerias em muitas áreas que vão muito para além da internacionalização. Para ajudar reciprocamente as empresas portuguesas e galegas a poderem aproximar-se, a comprarem umas às outras, a fazerem parcerias, a abordarem mercados em conjunto. Há uma vasta panóplia de iniciativas desenvolvidas no âmbito da FELUGA para benefício das nossas empresas.
VE – Em relação à aplicação do Portugal 2020, acha que está dentro das expetativas?
RCP - No que diz respeito aos processos individuais de internacionalização, houve um atraso muito grande. Pelo presidente do Compete a situação ia ser resolvida em breve. Há alguns casos em que as candidaturas e os projetos estão mais adiantados. Não é muito diferente do que se tem passado nos quadros comunitários anteriores.
Salário mínimo aumenta 15% em dois anos
VE – Há tempos disse que em relação ao salário mínimo não havia uma incidência direta no setor da metalurgia e metalomecânica, porque o salário que está na contratação coletiva já está acima do salário mínimo.
RCP - O salário mínimo do setor tem vindo a ser superior ao salário mínimo nacional. Acontece que com estes aumentos de 15% em dois anos e meio do salário mínimo nacional vamos ter de atualizar o nosso contrato para ajustar este valor. Porque ultrapassou o próprio salário mínimo do setor. Isto provoca uma pressão grande para aumentos que muitas das nossas empresas vão ter dificuldade em corresponder.
VE – Para a contestação social há espaço para negociações ou esse espaço tem sido reduzido pelas imposições do Governo?
RCP - Durante 2016, houve algumas alterações à legislação laboral que nem sequer passaram pela contestação social e que foram promovidas pelos partidos da esquerda radical. Verifica-se que há forças na Assembleia da República que tentam esvaziar a contestação social. Relativamente ao governo não diria que seja tão evidente.
VE – Vemos as centrais sindicais a dizerem que querem mais contratação coletiva. Acha que do lado das associações empresariais também há vontade de apoiar a contratação colectiva ou deve ser substituída pela negociação individual?
RCP - Da mesma forma que valorizamos muito a concertação social ao nível dos parceiros sociais, também consideramos que a contratação coletiva é fundamental. Temos investido muito na contratação coletiva. No nosso entendimento a boa contratação coletiva que fizemos com os sindicatos da UGET foi muito importante para os bons resultados do setor e para a paz social que existe no setor. Somos coerentes: queremos e fazemos contratação coletiva.
Custos de contexto tendem a aumentar
Apesar da evolução positiva do setor da indústria metalúrgica e metalomecânica nacional, os custos de contexto para as empresas não têm diminuído. “Os custos de contexto para as empresas não só não têm diminuído como correm o risco de aumentar”, afirma Rafael Campos Pereira. “Ao longo do último ano era nossa expectativa que o IRC viesse a cair e infelizmente isso não aconteceu, os custos com os combustíveis e os impostos especiais foram agravados. Para 2017 prevê-se um aumento muito substancial por exemplo no custo da gestão de resíduos de embalagens. A energia elétrica vai aumentar substancialmente para as empresas, ao contrário do que se disse, à uma margem muito pequena de portugueses que vão ter um aumento pequeno no custo da energia elétrica. A generalidade das empresas vai ter aumentos da energia elétrica em 2017 que no mínimo serão de 4%. Aparentemente o custo do dinheiro também não irá baixar, pelo contrário. E também o aumento do custo de trabalho. Tudo isto são fatores que vão afetar a competitividade das nossas empresas”, acrescenta. |
Cenfim está sem orçamento para pagar aos formadores
“O Cenfim tal como a generalidade dos centros de formação em Portugal tem vindo a ser constrangido por regras cada vez mais estatizantes e por diminuições dos seus orçamentos”, afirma Rafael Campos Pereira. “Estou preocupadíssimo com os efeitos que isto pode ter a curto e médio prazo causados pelos constrangimentos causados pelos últimos governos sucessivamente na atividades dos centros de formação profissional. No caso concreto do Cenfim tem 13 núcleos ao longo do país, já formou mais de 200 mil jovens que foram todos trabalhar para o setor, tem uma empregabilidade de praticamente 100%, tem uma credibilidade à prova de bala e é reconhecidíssimo pelas empresas como uma entidade fundamental para formação e qualificação dos seus ativos”, acrescenta. Neste momento, “o Cenfim está a recusar potenciais formandos porque não pode abrir novas turmas e porque não tem orçamento para pagar aos formadores”, adianta o mesmo responsável. |
Formação deve ser menos estatizada
Para investir na formação, Rafael Campos Pereira entende que “deve em primeira instância agilizar a atividade, reforçar as suas dotações orçamentais, e além disso permitir que as empresas tenham um papel mais importante na definição dos modelos conceptuais, na definição dos CV, etc.”. “Tem de ser menos estatizada a formação. Tem de ter regras mais flexíveis, uma gestão mais ágil, e de natureza mais privada, só assim podemos ter boa formação para as nossas empresas. Se não for feita alguma coisa com celeridade no sentido de reforçar a atividade dos centros de formação vamos ter graves carências ao nível de mão de obra qualificada nas nossas empresas nos próximos anos. Estamos a falar na indústria 4.0, muitas das nossas empresas já estão nesse patamar, mas temos de pensar nos modelos de formação para essas empresas. Neste momento estamos ainda com modelos muito do passado que não podem ser atualizados porque não nos é permitido investir na atividade dos centros de formação”, conclui. |