“Autarquias vão ser a tábua de salvação do investimento público”
O apoio direto às empresas, a ligação às instituições empresariais e inclusão social e o emprego são os principais objetivos da Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa – afirma Inácio Ribeiro. Em entrevista à “Vida Económica”, o presidente da CIM do Tâmega e Sousa e da autarquia da Felgueiras afirma que as autarquias vão ter um papel determinante na recuperação do investimento público. Sobre o Portugal 2020, lamenta que a aplicação seja demasiado complexa, dificultando a mobilização dos recursos necessários ao desenvolvimento regional.
Vida Económica - Quais são as prioridades estratégicas de desenvolvimento da região do Tâmega e Sousa?
Inácio Ribeiro - No estudo estratégico que foi desenvolvido pela Universidade Católica para o plano estratégico que conduziu ao nosso Pacto de Desenvolvimento Territorial, elegemos o emprego, a coesão, o ambiente e uma economia sustentável e coesa num território a 11 municípios muito diverso porque abrange o Sousa, o Tâmega e o Douro Sul. Naturalmente que esta é a visão estratégica. No terreno, as linhas de ação já estão a ser desenvolvidas, alicerçadas nos fundos comunitários, e envolvem os quatro eixos fundamentais para que seja um território desenvolvido e ambientalmente sustentável. Esses quatro eixos têm a ver com competitividade e internacionalização, o nosso apoio direto às empresas, a ligação forte às instituições empresariais, a inclusão social e o emprego, que é um flagelo em algumas zonas do território.
Grande parte do território tem, para além de baixa densidade, problemas de acessibilidades, de inclusão de emprego, em contraponto com outros territórios. O outro eixo tem a ver com os recursos e uma das apostas fortes é a eficiência energética, não só dos edifícios mas da rede pública da iluminação, por exemplo. O quarto eixo tem a ver com a capacitação humana, dos recursos humanos que precisamos de ter para que o território possa continuar a crescer e a aproximar-se das médias nacionais e europeias.
Estes quatro eixos são os primeiros elementos a permitirem que esta estratégia de território desenvolvido, ambientalmente sustentável, possa beneficiar dos fundos comunitários.
VE - Em termos do acesso das autarquias ao Portugal 2020, o ritmo está a ser demasiado lento?
IR - Sobre os recursos vindos dos fundos comunitários do Portugal 2020, no que diz respeito às Comunidades Intermunicipais, os dados que tenho são muito recentes e revelam que a região Norte e a Área Metropolitana do Porto estão numa posição intermédia. O que sinto é que já vamos no 5º Quadro comunitário e as coisas têm vindo a complexificar-se. Há demasiados estudos, mapeamentos, mas menos dinheiro para ação e obra imediata e direta onde temos de atuar.
Todos concorrem para o orçamento europeu mas depois esse orçamento é virado para territórios que têm maiores diferenças em relação às médias europeias, que é o nosso caso e o caso de uma boa parte do território nacional. É importante agilizar esses fundos para atingir o objetivo e promover a coesão territorial na Europa.
VE - A Comissão Europeia tem uma prioridade, que é a especialização inteligente. Dentro da região, qual pode ser a especialização?
IR - O nosso território tem quase 435 mil habitantes, que vai de Felgueiras a Resende, de Celorico de Basto a Castelo de Paiva e de Paços de Ferreira a Baião. É um território muito diverso, em que 51% do território geográfico tem apenas 19% da população. Se notar, a margem direita do Tâmega não tem nada a ver do ponto de vista sociológico a este nível de indicadores com a margem esquerda.
No território temos do melhor que há a nível mundial em sede de especialização industrial, agrícola, mas depois temos também os piores indicadores de desemprego, de inclusão social ou de abandono escolar. Quando falamos de inclusão ou especialização inteligente, queremos uma população de acordo com alguns dos eixos. Ter recursos humanos capacitados em áreas de competitividade que de facto possam disputar com territórios nacionais ou europeus, em sede de produtos ou serviços, que nos possam diferenciar e demonstrar que estamos preparados para os desafios dos mercados. Mas o que nos diz a realidade é que temos baixos indicadores de índice escolar, elevados índices de desemprego, elevadas taxas de emigração, elevados contrastes e em paralelo temos alguns territórios com indústria altamente especializada. Mas depois temos territórios onde os recursos humanos não estão capacitados, territórios com difícil acessibilidade.
Temos também um território com muitos recursos ao nível energético, mas não só.
VE - Uma das questões que hoje se colocam é a quebra do investimento público. Na região do Tâmega e Sousa também se sente a contração por parte da administração central e da administração local?
IR - Os dados são indesmentíveis. O investimento público tem vindo a diminuir. Há muitos fundos comunitários retidos em Bruxelas que têm a ver com património natural e o Governo não dispõe da componente nacional, que representa15% dos investimentos.
O Governo não está a investir e está a pedir às autarquias para serem elas a investir na componente nacional, mesmo em áreas que seriam responsabilidade direta do Governo. Essa quebra de investimento público é notória. As autarquias vão ser a tábua de salvação do investimento público. A grande maioria das autarquias – por força das medidas restritivas da “troika” e do anterior Governo – acabou por equilibrar muito as contas, gerando situações de alguma folga financeira. Esse conforto financeiro é o que está a salvar agora a resposta à necessidade de investimento público.
VE - Essa transferência da responsabilidade ao nível da comparticipação nacional para os municípios é feita por necessidade ou porque os governos acham que é a opção mais correta?
IR - Acho que é por falta de recursos financeiros do Governo.
VE - Quais são os fatores que contribuem para que o concelho de Felgueiras tenha um nível de vida e atividade económica claramente superior à média nacional?
IR - Aqui há uns três anos, um canal de televisão holandês fez-me essa pergunta. Porque é que Felgueiras tinha esse registo diferente num território tão contido, tão próximo de Guimarães, Penafiel, Paços de Ferreira. Eu dizia que provavelmente o ADN das tribos celtas que ali viveram teria alguma capacidade de empreendedorismo, de talento que nos distingue. No percurso da história mais recente tivemos grandes homens e mulheres. No século XX o nosso percurso de crescimento foi variando conforme os setores de competitividade se foram desenvolvendo mais. Durante muitos anos chegámos a ter algumas quintas de referência em Felgueiras que ainda hoje são muito faladas. Chegamos a ter têxteis e tinturaria de referência. Alguma metalomecânica de referência. O que é certo é que, a partir dos anos 30, 40, surgiu a especialização do calçado. Essa competência coletiva e de se ajustar assentou bastante no calçado nas últimas décadas. A especialização foi de tal forma acentuada que toda a comunidade tem hoje competências na área do calçado. A última competência que mais se desenvolveu foi na área das componentes do calçado. Foi a que mais cresceu em termos relativos e tem uma dimensão muito respeitável. Felgueiras é um município que tem quase 60 mil habitantes e exporta mais de 800 milhões de euros.
Somos o primeiro produtor de kiwi para exportação e do vinho verde somos o segundo. Nestes agregados está um elevadíssimo índice de especialização. Temos um naipe fantástico de grandes líderes empresariais, grandes gestores que não frequentaram escolas académicas. Não há nenhum curso de gestão industrial de calçado.
Foi o autodidata, foi o empresário que se fez a si próprio, que ensinou os filhos, que foi capaz de acreditar, de sonhar, e temos homens e mulheres extraordinários. Estes grandes empresários de Felgueiras têm vindo a dar cartas e as referências que tiveram foram os sonhos em que acreditaram. Muitos deles já vão na terceira geração. A visão, a postura e os desafios são outros.
A par disto, surgem jovens que, além do processo industrial, estão muito associados ao processo criativo. E temos jovens a dar cartas nas passerelles de Paris e Londres, apresentar os seus produtos. Já não é só a fabrica que sabe fazer, mas dentro da família e do grupo a partir das escolas profissionais, dos centros de formação. Já aparecem jovens a dizer “eu tenho a minha marca” e já começam a ter grande visibilidade. Neste caso, calçado é moda. A visão destes vai mais longe, vai para além do calçado. E depressa passam do calçado para a roupa, para os acessórios, para os perfumes e para nós é fantástico ver que esta dinâmica empreendedora é algo que não é fixa e vincada a um ramo, setor ou fileira. Esta competência coletiva é transversal.