“Não posso deixar de estar satisfeita com os resultados até agora alcançados” pelo programa Justiça + Próxima
Com larga experiência na Administração Pública, Anabela Pedroso liderou projetos como as Lojas do Cidadão de 1ª geração (componente tecnológica), PAC-Postos de Atendimento ao Cidadão (introduziu o conceito de one-stop-shop em 2000), Portal do Cidadão, Portal da Empresa, Criação de Empresa online, Lojas do Cidadão de 2ª Geração (ex. balcão multisserviços, balcão Perdi-a-Carteira, balcão Sénior), etc. Em entrevista à VJ, fala concretamente sobre os programas Simplex e Justiça + Próxima, focando a área do notariado e do registo predial, sem deixar de referir a importância das ligações com os países da Lusofonia no campo da Justiça.
Com a entrada em vigor do novo regime jurídico do processo de inventário e, em particular, o acompanhamento dos mesmos processos como competência dos notários em alternativa à via judicial, o tratamento destas questões gerou maior adesão do público / interessados por via desta plataforma ou mantém-se a sobrecarga por via de tratamento judicial destas questões?
De facto, com o novo regime jurídico, que entrou em vigor no dia 2 de setembro de 2013, temos agora um modelo diferente de inventário. Ao contrário do modelo anterior, que passava exclusivamente pelos tribunais, o modelo que hoje vigora assenta na competência dos cartórios notariais para o processamento dos atos e termos do processo de inventário, sem prejuízo de os tribunais continuarem a ter uma intervenção importante, desde logo porque lhes caberá, na fase final do processo, homologar a partilha. Além disso, poderão os tribunais ser chamados a intervir para a resolução de questões que, pela sua natureza ou complexidade, não devam ser decididas no processo de inventário. Devo notar, porém, que o novo regime jurídico do processo de inventário só se aplica aos processos que se iniciaram desde a data da sua entrada em vigor, portanto, desde o dia 2 de setembro de 2013, razão pela qual os processos de inventário que já estavam pendentes nos tribunais a essa data aí continuarão a tramitar até findarem. De todo o modo, com a entrada em vigor do novo regime jurídico e considerando que não entraram novos processos de inventário nos tribunais para aí serem globalmente tramitados, houve um efeito de alívio da carga de trabalho que sobre os tribunais impendia com a tramitação do processo de inventário. O número de processos de inventário pendentes nos tribunais judiciais de primeira instância diminuiu cerca de 71,4%, passando de 21.744, em 2012, para 6220, em 2016. Temos, também nesta matéria, e no mesmo período, um saldo processual favorável nos tribunais judiciais de primeira instância, isto é, o número de processos de inventário que aí findou é mais elevado do que o número de processos de inventário que aí deu entrada. Quanto ao recurso dos cidadãos ao inventário, ele continua a verificar-se, conforme nos temos vindo a aperceber, designadamente, através da realização de um estudo de avaliação sucessiva ao respetivo regime, cuja finalização se projeta para breve.
Quantos pedidos a aguardar atos notariais existem atualmente a nível de processo de inventário, e qual o prazo médio de resposta para a conclusão destes processos com recurso à via notarial?
Relativamente à questão sobre qual o prazo razoável para a obtenção de decisão relativo a processos de inventário, que é diferente da questão de um pedido a aguardar um ato notarial, o Ministério da Justiça solicitou no final do ano de 2016 à Direção Geral da Política de Justiça um estudo de avaliação do regime jurídico do processo de inventário que permitirá ter esses elementos em breve. Foi um processo aberto e participado, tendo sido auscultados os vários operadores envolvidos no processo de inventário, nomeadamente juízes, procuradores, notários, conservadores, assim como as associações públicas profissionais em causa, nomeadamente a Ordem dos Notários, a Ordem dos Advogados e Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução. Importa destacar, no entanto, que os trabalhos de avaliação originaram à Portaria n.º 117/2017, de 21 de março, que permitiu prorrogar o prazo de vigência do regime transitório atinente ao pagamento de honorários notariais nos casos de apoio judiciário, que continuarão a ser suportados, como, até agora, pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, assim se salvaguardando a devida remuneração dos profissionais do notariado e, também, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado em sede constitucional, no que respeita aos cidadãos envolvidos nos correspondentes processos de inventário.
Foi indicado recentemente que existem em Portugal 413 notários. Na sua opinião, é um número adequado às necessidades do País?
O atual Governo tem feito um esforço nesta matéria para colmatar lacunas e no que respeita ao acesso à função notarial. Nesse sentido, foram já realizados quatro concursos de provas públicas para atribuição do título de notário, tendo, a 13 de abril, sido aberto o 5.º concurso ao qual poderão concorrer os estagiários atualmente aprovados, por forma a ficarem em condições de se habilitar aos futuros concursos para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial. Com a realização de mais este concurso e apesar de estarmos em funções há pouco mais de um ano, o presente Governo já foi responsável por 33% dos concursos realizados.
O Bastonário dos Notários afirma, em entrevista nesta edição da VJ, que “é urgente repensar o núcleo essencial de competências das diversas profissões jurídicas em relação à prática de atos notariais, com o espírito e na linha da pureza original de valorização da forma e da função notarial espelhadas no Código Civil (de 1966)”. Concorda com esta posição?
Sem pretender tecer quaisquer juízos de valor acerca da evolução das profissões jurídicas, diria que a profissão de notário não é seguramente a mesma que o era no século XIV, nem em 1966. O decurso do tempo implica uma evolução estrutural e conjuntural das profissões, enquanto atos da vida, e a profissão de notário não se esquiva nem pode furtar a tal realidade. Prova disso mesmo é o facto de a Ordem dos Notários ter pretendido que estes profissionais passassem a exercer um relevante papel no processo de inventário, o que anteriormente não se verificava, assim se demonstrando a vitalidade da classe e da profissão. O que nos deve compelir a todos neste caminho de transformação e modernidade é a capacidade que todos deveremos ter de adaptação aos novos desafios, às novas ferramentas informáticas que o Ministério se encontra a disponibilizar. Creio que é essencial, assegurando a manutenção da certeza e da segurança jurídica, trabalharmos em conjunto em medidas que permitam facilitar a vida dos cidadãos e das empresas.
Está prevista a colaboração do Estado Português com outros países lusófonos no âmbito de acordos e/ou protocolos celebrados, ou a celebrar, na área do notariado e do registo predial, designadamente atinentes à colaboração na atualização da respetiva legislação mas também apoio à criação de meios que otimizem a técnica registal, tal como a eventual “exportação” das medidas legais criadas em Portugal como o Simplex?
Portugal tem mantido de forma muito empenhada uma estreita relação de cooperação, quer a nível bilateral, quer a nível multilateral, com os países lusófonos. O espaço lusófono constitui um dos pilares estratégicos no âmbito da política externa portuguesa, tendo sido, dentro deste, consagrada como prioridade geográfica e setorial a atuação junto dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e de Timor-Leste. Ao abrigo dos programas estratégicos de cooperação e demais programas de cooperação bilateral que têm vindo a ser ajustados com os PALOP e Timor-Leste, tem sido dada especial atenção, no âmbito da Justiça, à área dos Registos e do Notariado, na qual tem sido dado apoio aos processos de reforma legislativa. Nesse sentido, o Ministério da Justiça de Portugal tem assegurado apoio técnico às reformas legislativas que têm sido implementadas pelos países parceiros, sendo disso exemplo o apoio prestado no âmbito da revisão dos Códigos do Notariado e do Registo Predial de Cabo Verde. Cumpre destacar que o apoio assegurado por Portugal através do Ministério da Justiça tem sido mais incisivo em matéria de capacitação institucional. Com efeito, têm sido promovidas anualmente várias ações de cooperação nesta área, direcionadas para a formação e capacitação técnica dos recursos humanos afetos aos serviços de registo e notariado. Em paralelo, tem sido promovida, inclusivamente, a pedido de vários países parceiros, a divulgação das várias medidas promovidas no âmbito das reformas de simplificação administrativa implementadas pelo Governo português. Promoção que se encontra igualmente a ser assegurada no quadro multilateral, com o apoio da União Europeia, através do Projeto da União Europeia de Apoio à Melhoria da Qualidade e Proximidade dos Serviços Públicos nos PALOP e Timor-Leste, o qual visa implementar boas práticas no domínio da governação eletrónica, imprescindíveis à melhoria dos diversos serviços públicos existentes nesses países, como é exemplo o projeto de informatização dos serviços de registo civil e do notariado programada para São Tomé e Príncipe.
Qual a importância destas ligações à Lusofonia, especificamente no campo da Justiça, e que exemplos daria dessa relação?
A manutenção desta especial ligação ao espaço lusófono, sobretudo na área da Justiça, tem uma importância crucial sob o ponto de vista da construção e consolidação do Estado de direito, na afirmação dos direitos, liberdades e garantias do cidadão e na construção de um espaço jurídico muito próximo, edificado sob os particulares laços culturais e afetivos existentes e sob matrizes histórico-culturais, linguísticas e jurídicas semelhantes. Tendo presente este importante substrato, a cooperação portuguesa na área da Justiça tem procurado contribuir para o reforço das instituições deste setor, existentes nos vários países lusófonos. Tem atuado, sobretudo, no domínio da capacitação técnica dos seus recursos humanos e tem fomentado a constituição de parcerias e de intercâmbios entre determinadas instituições públicas. No âmbito dos registos e notariado, cumpre destacar, a título exemplificativo, a constante disponibilidade do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. na formação e capacitação de Conservadores, Notários e demais funcionários dos serviços de registo e notariado. De igual forma, têm sido proporcionados diversos estágios e intercâmbios formativos com vista a permitir a aquisição de conhecimento técnico especializado e de prática registal, tendo sido, recentemente, assegurado o estágio a formandos do II Curso de Formação de Conservadores e Notários de Timor-Leste. Essa ligação revela-se também ao nível do apoio à revisão e adaptação da legislação, como, por exemplo, no apoio prestado por profissionais das áreas dos registos e do notariado ao processo de revisão dos Códigos dos Registos e do Notariado de alguns países Lusófonos e ao processo de integral conceção dos novos Códigos do Registo Civil de Cabo Verde e da Guiné-Bissau.
Tem conhecimento se a evolução dos respetivos quadros normativos nos Países Lusófonos tem sido adequada?
Os países lusófonos estão empenhados em desenvolver reformas legislativas estruturais no setor da Justiça, no âmbito das quais tem sido dado especial enfoque à necessidade de tornar a Justiça mais efetiva, mais acessível ao cidadão e cujo funcionamento, através das suas instituições, possa ser mais eficiente. Assim tem feito, inclusivamente, Portugal, através da promoção de várias reformas legislativas, como é exemplo o Programa SIMPLEX e, mais recentemente, o Programa Justiça + Próxima.
A reforma do Estado, incluindo a modernização da Administração Pública, tem constituído uma prioridade comum junto dos vários países lusófonos, os quais têm desenvolvido esforços no sentido de garantir que o setor da Justiça permita, de facto, aproximar os cidadãos da Justiça, reforçar a confiança que estes e os demais operadores económicos, designadamente, as empresas, nela depositam, vetores estes tão necessários à estabilidade, prosperidade social e económica e ao desenvolvimento.
No entanto, são conhecidos os contextos e demais constrangimentos que se colocam nos vários países lusófonos no quadro destes processos de reforma, os quais impõem ritmos de mudança distintos. Ainda assim, o desenvolvimento verificado permite registar avanços muito positivos e encorajadores que permitem sustentar que o esforço e o empenho demonstrados conduzirão a bons resultados no futuro.
No site dedicado ao plano “Justiça + Próxima” é referido que das 150 medidas previstas estão concluídas 29 e 84 estão em curso. Considera que a implementação está a ocorrer a um bom ritmo? Das 150 medidas, quais aquelas que considera absolutamente fundamentais (exemplificando)?
O Programa Justiça + Próxima, lançado no 1.º trimestre do ano transato, corresponde ao trilhar de um importante caminho em direção à efetiva aproximação da Justiça aos cidadãos. As 84 medidas em curso e as 29 medidas já concluídas significam um enorme esforço para o Governo e para os serviços incumbidos de implementar no terreno as referidas medidas. Aliás, são de assinalar que, apesar dos constrangimentos orçamentais que vivemos e das múltiplas regras respeitantes à contratação pública que, por vezes, tornam mais morosos os necessários procedimentos de contratação de bens e serviços, indispensáveis à execução das referidas medidas, os números demonstram um forte empenho desta equipa e de todos os serviços envolvidos na concretização deste programa, cuja relevância para os cidadãos é inquestionável, pois a Justiça só se realiza na composição dos seus interesses e na pacificação social que advém de uma Justiça célere e equânime. Assim sendo, não posso deixar de estar satisfeita com os resultados até agora alcançados. É também de salientar que, pese embora a relevância de todas as medidas incluídas no Programa Justiça + Próxima, algumas merecem ser destacadas, atento o seu impacto direto na melhoria da vida dos cidadãos. São elas o Tribunal +, pela qual se pretende melhorar e aproximar o atendimento dos cidadãos que se lhes dirigem e cujos resultados obtidos no Projeto Piloto, realizado no Palácio da Justiça de Sintra, foram tão positivos que se entendeu alargar a implantação da medida a novos tribunais durante o corrente ano. Por seu lado, a criação do Balcão Único Predial (BUPI) assume crucial relevância para a regularização de muitas situações de grande litigiosidade potencial, relacionadas com a delimitação da propriedade, permitindo-se superar deficiências cadastrais que há muito dificultam o comércio jurídico e a celeridade que lhe inere como motor da confiança na economia e na Justiça. Por fim, destaco a importância de estar em fase de conclusão o novo Portal da Justiça, visto que esta medida possibilitará a concretização de um vetor fundamental do Estado de Direito e que se traduz numa correta e transparente informação jurídica aos cidadãos, com ganhos na capacitação destes em exercerem os seus direitos.
Já tem alguma informação que possa adiantar quanto ao projeto piloto que tem estado a decorrer em Lisboa e Lamego durante este mês de Abril referente à centralização do tratamento dos cartões pessoais dos cidadãos? Na perspetiva dos colaboradores do Estado, considera que houve uma maior eficácia, ou seja, diminuição dos tempos de atendimento ao balcão em termos de resposta rápida e comprovada economia processual?
O projeto iniciou-se em Lisboa no início deste mês de abril e só teremos resultados com o decorrer do tempo. Os mesmos serão publicamente divulgados.
Tem havido uma aposta na tecnologia, mas tem havido, consequentemente, uma aposta na formação dos RH na Justiça na utilização desses mesmos recursos tecnológicos e correspondente formação quanto às medidas legais subjacentes a essa mesma utilização?
A aposta na tecnologia tem sido central, mas associada à componente formativa. Daí termos reforçado a aposta antes da implementação de novas soluções legais ou técnicas na formação antecipada e na divulgação de guias. A formação, pelos respetivos centros de formação, das várias áreas da justiça tem sido uma constante. Mas permitam-me sublinhar um aspeto importante que também temos procurado intervir, nomeadamente através de novas componentes formativas, como sucedeu recentemente no curso para Juízes Presidentes dos tribunais para áreas além das tradicionais, nomeadamente em matéria de ética judiciária, a análise e avaliação de estudos de casos de boas práticas nacionais e internacionais, a informação e conhecimento, a transformação digital, a qualidade, inovação e modernização e os instrumentos de gestão tecnológica.
O que destaca que esteja a ser feito de maior relevo na área dos Registos, uma área importante no contexto da chamada “Justiça Económica”?
Este é uma componente multissetorial, que tem tido uma resposta conjunta do Ministério da Justiça e do Ministério da Economia. Pela primeira vez uma resposta conjunta e estruturada para responder aos problemas da Justiça Económica. Há um alargado conjunto de medidas que têm vindo a ser implementadas nesta componente que, também, indiretamente, terão efeitos na área de registos. Sublinharia os recentes diplomas que visam agilizar a resolução dos processos que se encontram nos tribunais do comércio e permitir a recuperação de créditos, como sucedeu recentemente com a apresentação das propostas legislativas que se encontram em debate público referentes à proposta de Lei que estabelece o regime extrajudicial de recuperação de empresa (RERE), a proposta de Decreto-Lei que procede à alteração do Código das Sociedades Comerciais (CSC), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e o novo Regime de Mediador de Recuperação de Empresas.
A modernização que está a ser levada a cabo a nível tecnológico já permite evitar problemas no Citius como o ocorrido em 2014, ou noutras plataformas disponibilizadas pelo Estado (como, por exemplo, o Predial Online, Empresa na Hora, Comercial Online, Portal do Cidadão) para tratamento de assuntos de interesse de quaisquer entidades públicas ou privadas?
Sim, essa foi, desde a tomada de posse do Governo, uma das nossas principais preocupações. O reforço dos sistemas informáticos e sua modernização tem decorrido de forma segura e sem problemas. Salientaria, nesse sentido, que, ainda recentemente, o Governo promoveu ajustamentos ao mapa judiciário, tem aberto 20 novos tribunais e atribuído novas competências a 27, bem como a criação de novos juízos de família, e todo o processo decorreu sem percalços e de forma segura.