“O IRN está especialmente alerta para todas as situações de eventual fragilidade e exposição de informação que detém”
À Vida Judiciária, o Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) fala sobre os desafios que o IRN enfrenta, as ligações com a Lusofonia, a informatização dos vários serviços e a consequente segurança que tem de existir, e o Simplex+ 2016
Quais os maiores desafios que atualmente enfrenta o IRN?
O Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., é um organismo central que resultou da reestruturação da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado e da sua integração na administração indireta do Estado, concretizada com a publicação da Lei Orgânica do Ministério da Justiça de 2007, dentro do objetivo de modernização e simplificação administrativa prosseguido pela tutela, e pretende continuar o caminho da excelência e consolidar a sua posição como serviço público de referência. Para tal, continuará a privilegiar uma cultura de gestão por objetivos com vista à melhoria contínua do desempenho organizacional e manterá o esforço, em marcha desde 2005, de informatização, desformalização e simplificação de processos e procedimentos, por forma a tornar o serviço prestado a cidadãos e agentes económicos acessível, útil, eficaz, eficiente, numa relação equilibrada de custo/benefício, sem perder de vista a prossecução da qualidade e segurança jurídicas transversais a toda atividade registal.
A par deste desafio, mantém também os esforços no sentido de concentrar os serviços de registo em balcões únicos de disponibilização multisserviços, de incrementar a confiança dos cidadãos e empresas nos atos e procedimentos, promover o combate à fraude, à corrupção e ao branqueamento de capitais; garantir a qualidade técnico-jurídica dos serviços prestados e a celeridade das respostas e alargar a oferta de serviços atualmente disponível, criando novos canais, estabelecendo colaborações com outras entidades. Em simultâneo, intervir no fortalecimento da administração pública eletrónica. Também, aproveitando a vantagem de o IRN dispor de locais de atendimento em todo o país – pelo menos um por concelho –, pretende valorizar o seu papel de intermediário no âmbito da prestação de serviços da competência de outros organismos da Administração Pública, como sucede, designadamente, no domínio do passaporte eletrónico português e, brevemente, no da carta de condução. Constitui também nosso objetivo manter a cultura de respeito e preservação do ambiente, minimizando o uso do papel, disponibilizando plataformas informáticas e soluções tecnológicas, sempre reforçando a quantidade, a qualidade e a motivação do capital humano disponível. Em paralelo, a aposta intensiva no reforço da ligação com os países de língua portuguesa e comunidades de cidadãos nacionais, contribuindo para a promoção cultural de Portugal, fortalecendo o seu posicionamento ao nível internacional, assegurando a representação de Portugal em várias organizações internacionais. Todas estas linhas de ação têm sido, e continuarão a ser, em síntese, os grandes desafios do IRN. Importa evidenciar que tais linhas de ação são, naturalmente, resultado de orientações estratégicas nacionais, que pelo Ministério da Justiça, especialmente por Suas Excelências a Ministra da Justiça e a Secretária de Estado da Justiça, são incentivadas e apoiadas e que o Conselho Diretivo do IRN entende implementar, por reconhecer a sua mais-valia imediata e mediata para os cidadãos e empresas.
Que relações existem entre os diferentes Institutos ao nível da Lusofonia? E considera importante esta ligação?
Em geral, as relações existentes são de grande cordialidade, cooperação e amizade mútuas, de partilha e de troca de saberes e de experiências, refletida na organização de reuniões e fóruns de discussão de matérias ligadas aos registos, de entre as quais podemos destacar os eventos promovidos pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em matéria de propriedade imobiliária. Se quisermos particularizar as relações do IRN com as entidades homólogas responsáveis pela área dos registos de cada país lusófono, temos de evidenciar que, recorrentemente, o IRN tem disponibilizado material, formadores e profissionais especializados para participarem em ações de cooperação, de partilha de know-how e de apoio técnico, especialmente destinadas ao reforço da capacidade institucional dessas entidades e à formação dos recursos humanos das áreas dos registos nas vertentes teórica e prática.
Sem dúvida que a identidade cultural partilhada pelos países da lusofonia, unidos por um passado vivido em comum e por uma língua que, enriquecida na sua diversidade, se reconhece como una, tem contribuído, efetivamente, para uma especial aproximação ao IRN destas entidades homólogas dos países da lusofonia, sobretudo as oriundas de Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Angola, Timor-Leste e Brasil.
Nos últimos anos temos assistido a uma crescente informatização de vários serviços. Como classifica neste momento o estado de modernização dos vários serviços que o IRN disponibiliza? E quais os projetos a correr / necessidades mais prementes neste campo?
Desde 2005 que o IRN iniciou o já evidenciado processo de modernização e de simplificação dos serviços de registo prestados a cidadãos e empresas, assente, em grande medida, na informatização da informação registal que possibilitou a disponibilização de bases de dados nacionais, disponíveis e acessíveis por todos os serviços de registo, a consequente abolição da competência territorial dos serviços, e a oferta de uma variedade de serviços prestados online de que são exemplo o AutómovelOnline, Comercialonline, EmpresaOnline, PredialOnline e CertidõesOnline.
Junto de um qualquer serviço de registo ou através de plataformas online, pode hoje o cidadão requerer a emissão de certidão do seu assento de nascimento, ou de certidões do registo dos seus bens móveis e imóveis, bem como requerer atos de registo, evitando custos acrescidos com procedimentos inúteis, deslocações e perdas de tempo. Podemos, pois, afirmar, como aliás tem sido reconhecido nos planos nacional e internacional, que o IRN tem desenvolvido um enorme esforço e amplamente satisfatório de simplificação e de modernização dos serviços prestados aos cidadãos e empresas, constituindo hoje um exemplo/modelo de modernização e bem servir na administração pública, por força do qual tem recebido vários prémios. No estágio de desenvolvimento tecnológico em que nos encontramos, o enfoque da nossa atuação será, como não podia deixar de ser, a rentabilização dos investimentos efetuados, no desenvolvimento de novas funcionalidades nas plataformas tecnológicas existentes, propiciando a disponibilização de maior número de serviços de valor acrescentado para o cidadão, bem como na conceção e desenvolvimento de estruturas tecnológicas que permitam acomodar novas valências registais de forma desmaterializada e com incremento dos níveis de segurança e potencial de interoperabilidade com outros serviços da AP. Paralelamente, tem sido preocupação do Conselho Diretivo do IRN dar cumprimento aos instrumentos jurídicos emanados pela UE, com impacto registal, provendo para o efeito plataformas tecnológicas de suporte, em parceria com o Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça. São exemplo disso algumas das medidas que têm vindo a ser publicitadas no âmbito do Programa de Modernização Administrativa “SIMPLEX +”.
Em março deste ano, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei relativa à aprovação do Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), cujo objetivo é “facilitar a identificação das pessoas singulares que detêm o controlo de pessoas coletivas ou entidades equiparadas, tornando acessíveis os elementos de identificação respetivos e auxiliando o cumprimento dos deveres de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”. Como avalia esta proposta e, do ponto de vista técnico, antevê alguma dificuldade na implementação deste novo serviço?
Este registo é uma exigência da 4.ª Diretiva sobre o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e tem por objetivo centralizar e tornar acessível a informação sobre quem é a pessoa física que, em última instância, detém o poder sobre a pessoa coletiva, tornando mais transparentes as entidades jurídicas potencialmente utilizadas para a ocultação da identidade dos autores daqueles crimes. Esse é o caminho no cenário mundial, já que as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional apontam para a necessidade de os Estados assegurarem que existe informação adequada, rigorosa e acessível em tempo útil às autoridades competentes, sobre o controlo das pessoas jurídicas. O serviço é novo e é um desafio, dado o volume de registos e a complexidade da gestão dos acessos, por um lado, e a natural resistência dos cidadãos e empresas face a esta nova obrigação declarativa, por outro. Mas trata-se de um contributo necessário de todos para a segurança global, e o IRN está preparado para responder a esta chamada, viabilizando a feitura da declaração de forma cómoda e, tanto quanto possível, desmaterializada, o que facilita o seu cumprimento, encontrando-se os habituais balcões de atendimento dos registos disponíveis para apoiar os cidadãos e profissionais nessa obrigação.
Numa altura em que a espionagem eletrónica está na ordem do dia, e já após a revista Sábado ter dado conta (em 2015) de uma operação de contraespionagem do SIS, ocorrida em 2013, e que detetou uma tentativa de intrusão das secretas russas no IRN, esta é uma questão que o deixe preocupado?
Não, na inversa medida em que o IRN – e posso dizê-lo enquanto Presidente do Conselho Diretivo, assumi pessoalmente esta preocupação – está especialmente alerta para todas as situações de eventual fragilidade e exposição de informação que detém, em coordenação com as entidades de segurança portuguesas, despoletando de imediato todos os mecanismos de controlo interno que se impõem nesta matéria. A par desta nota, não será despicienda a intensificação da formação dos funcionários que assume, também, especial relevância neste âmbito, porquanto são eles que diariamente lidam e trabalham com os sistemas informáticos, impondo-se que estejam cientes da importância da informação que manejam e da necessidade imperiosa de a preservar de intromissões e influências externas.
Ainda sobre segurança, em outubro de 2013, de acordo com um relatório posteriormente elaborado pela PJ, uma funcionária com mais de 40 anos de serviço carregou no botão errado e desapareceram 450 prédios. Nesse mesmo relatório concluía-se que havia falhas gravíssimas no sistema informático da Justiça (em geral). Em concreto sobre o IRN, o que tem sido feito para evitar situações deste género? E quais as principais medidas de segurança que têm vindo a ser tomadas?
No âmbito específico da questão colocada por decorrência das atribuições/competências consignadas na Lei Orgânica do Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, está subtraída ao campo de atuação do IRN, o que bem se compreenderá até por força da natureza do conhecimento das especificações do suporte tecnológico de apoio ao funcionamento e de alocação das bases de dados registais. Os sistemas informáticos que servem de suporte aos serviços de registo são mantidos de forma rigorosa e responsável por aquele Instituto. Quando confrontado com inevitáveis erros humanos, possui mecanismos que permitem, com celeridade e segurança, resolvê-los. Não é por acaso que as entidades públicas gestoras de aplicações estão vinculadas à concretização de “backups” da informação registada em suporte digital.
O Simplex+ 2016 veio prever o alargamento do serviço Casa Pronta (procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis em regime de “balcão único”) a mais negócios, como a compra e venda e locação financeira e a divisão de coisa comum. Decorridos cerca de 10 anos desde a instituição do serviço Casa Pronta, que balanço faz do mesmo serviço, designadamente em confronto com as alternativas existentes – notários, advogados, etc. – a que particulares e empresas podem recorrer? Em termos estatísticos, qual o peso relativo do recurso ao serviço Casa Pronta face às demais alternativas?
O “Casa Pronta” é, como sabemos, um projeto lançado em julho de 2007 e um caso de muito sucesso, refletido no número de mais de 500.000 títulos Casa Pronta realizados até dezembro de 2016, nos vários prémios recebidos, de que são exemplo: o prémio European eGoverment Awards – Good Practice Label, recebido em 2009, o prémio das Boas Práticas no Sector Público – redução de custos para o cidadão – atribuído pela Deloitte em colaboração com o Diário Económico, Instituto Nacional da Administração Pública (INA) e a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, e no elogio no relatório do Banco Mundial, Portugal no Top 10 dos países mais reformadores, ambos recebidos em 2010. A implementação deste projeto permitiu a disponibilização junto dos serviços de registo 335 balcões únicos de atendimento, nos quais, de forma imediata e contínua, podem ser realizadas todas as operações relativas à titulação e registo dos negócios de transmissão e de oneração de prédios, incluindo o pagamento de impostos, com a consequente e muito significativa redução de burocracia e de custos para os cidadãos e empresas que recorrem a este serviço, e o aumento da segurança jurídica das transações imobiliárias, por via da execução imediata do respetivo registo predial e subsequente comunicação eletrónica à Autoridade Tributária e Aduaneira. Podemos, pois, concluir que o balanço positivo é patente, tendo em conta a grande procura por parte dos cidadãos em geral e a forte adesão por parte das entidades bancárias, situando-se a percentagem de pedidos de registo através do procedimento Casa Pronta na ordem dos 30%, razão pela qual se tem vindo a alargar o âmbito de aplicação deste procedimento especial a outros negócios, de que são exemplo recente os negócios de locação financeira e divisão de coisa comum, também aqui muito por conta do especial empenho das atuais responsáveis do Ministério da Justiça.
Da análise do relatório Doing Business 2017, do Banco Mundial, nos dois índices mais relevantes para a área dos registos e notariado – “starting a business” e “registering property” – resulta uma evolução consistente no caminho da “best performance” para o primeiro, mas uma aparente estagnação, nos últimos anos, em matéria de registo de propriedade. A que atribui essa aparente estagnação?
Portugal, a par da Geórgia, Noruega e Suécia, regista a mais alta performance em matéria de registo de propriedade. Com efeito, em Portugal o registo é realizado em apenas um dia e num único procedimento no serviço “Casa Pronta” antes evidenciado. A “aparente estagnação” a que se refere quanto ao indicador atinente ao registo da propriedade deve-se à atual dispersão da informação atinente aos imóveis por múltiplas bases de dados da Administração Pública Portuguesa. Mas este aspeto, até aqui descurado, está a ser pelo atual Governo alvo de especial atenção, designadamente no pacote da Reforma das Florestas que engloba diploma que projeta uma visão evolutiva da interconexão da informação relativa aos prédios.
A atual tabela emolumentar dos registos e notariado é adequada e equilibrada ou poderá beneficiar de ajustamentos e, em caso afirmativo, quais?
Um dos princípios basilares que enforma a tabela de emolumentos dos registos é o da proporcionalidade. Assente nesse princípio, tem o IRN, nos últimos anos, procurado assegurar que o preço dos atos praticados nos serviços de registo seja o correspondente ao seu custo administrativo efetivo, considerando, nomeadamente, a respetiva natureza e complexidade, por associação aos encargos suportados com a disponibilização do serviço solicitado. Por essa razão, tem a tabela emolumentar sido alvo de várias revisões e ajustamentos, precisamente para acompanhar a modernização e reorganização do sistema de registos a que já nos referimos, sendo, por isso, expectável e desejável que esta tabela continue a verificar ajustes do preço dos atos ao custo administrativo de cada um dos serviços efetivamente prestado. Sem prejuízo, o Conselho Diretivo do IRN exerce uma gestão sensível aos pilares do Estado Social, traduzindo-se naturalmente no fomento de opções emolumentares que permitem aos mais fragilizados acederem a todos os serviços disponibilizados pelo IRN.