“A Ibéria deveria ser um bloco coeso de defesa dos seus interesses em Bruxelas”
O Norte de Portugal e a Galiza formam uma euroregião e, como tal, “deveriam promover projetos conjuntos, beneficiando desse estatuto”, nomeadamente no domínio do agroalimentar, defende o CEO do grupo Frulact.
Em entrevista à “Vida Económica” a propósito da primeira edição dos “Diálogos Espanha-Portugal”, que decorreu em Baiona a meados de novembro, João Miranda deixa um repto: “A Ibéria deveria ser um bloco coeso de defesa dos seus interesses em Bruxelas, fazendo valer as desvantagens da sua posição periférica em relação à Europa para defender uma posição central em relação ao triângulo Europa, Africa e América”.
Vida Económica – Referiu em Baiona que, para investir, é preciso previsibilidade, tanto em Portugal como em Espanha, concordando com Pedro Ferraz da Costa quando fala da necessidade de estabelecer um plano estratégico, a 10 anos com o objetivos comuns. Porquê?
João Miranda - Os agentes económicos não podem ser cobaias das incursões político-partidárias, que têm como objetivo principal, não a defesa da sua própria ideologia, mas o garante do seu eleitorado. Os partidos, sejam de esquerda ou de direita, pequenos ou grandes, deveriam colocar os interesses do país à frente de tudo, consensualizando políticas de longo termo em áreas-chave, que deveriam ser seguidas independentemente de quem governasse. A estabilidade e a confiança são fatores críticos para a promoção do investimento pelas empresas, para o emprego e a criação de riqueza de forma sustentável.
VE - O agroalimentar seria um dos temas a ser contemplado nesse plano? E que compromissos gostaria
de ver estabelecidos e com que instituições?
JM - O compromisso deveria ser o de definir uma estratégia a longo prazo para os diversos setores da fileira [agroalimentar], envolvendo as empresas na sua construção. E diminuir o número de associações com acesso a fundos para a promoção ou internacionalização. Por outro lado, é preciso alargar a base de representatividade das associações com maior performance, foco e especialização. O problema começa na democratização do acesso aos fundos comunitários pelas inúmeras associações que ‘fazem tudo’ e acaba na necessidade que o Estado tem em encontrar modelos de financiamento das universidades e dos seus investigadores. Por isso, enquanto não se expurgar esta necessidade na construção da estratégia, será impossível construir algo consistente.
VE – Quer concretizar melhor?
JM - Dou o exemplo dos laboratórios colaborativos. Mais uma vez se querem criar infraestruturas que, sob o pretexto de servir a fileira, pretendem acima de tudo financiar as estruturas do sistema científico nacional. Diria que as empresas necessitam de maior rapidez e de maior eficácia no acesso ao conhecimento, tecnológico e científico, seja para a resolução dos seus problemas, seja ainda para as tornar mais assertivos nas abordagens ao mercado. Para tal, necessitam de interlocutores especialistas em áreas específicas, como a microbiologia, processos térmicos, embalagem, bioquímica, etc., e que pertençam a uma estrutura associativa representativa, da fileira, independente das estruturas do sistema científico nacional e credível, como é o caso do Portugalfoods.
Seria fantástico para uma PME ter acesso a ‘alguém’ que fosse o interlocutor técnico do agroalimentar para uma determinada área especifica. Estaríamos a construir um modelo de consultoria ‘gratuito’ e de alta qualidade para toda a fileira. E há instituições de referência do agroalimentar, como a FIPA, a Portugalfoods ou Portugalfresh que deveriam merecer a máxima atenção do Estado e serem responsáveis pelo ‘output’ e monitorização da estratégia da fileira.
VE – Disse também que os avanços da digitalização e da robótica “estão a mudar ou até já mudaram o ecossistema dos negócios”. E defendeu que uma das áreas a explorar é a do conhecimento tecnológico. O que é que quer dizer, exatamente?
JM - O Norte de Portugal e a Galiza formam uma euroregião e deveriam promover projetos conjuntos, beneficiando desse estatuto. A nanotecnologia é uma das áreas de onde acredito possa surgir nos próximos tempos novo conhecimento, que impactará na alimentação, nos processos e na produtividade das empresas. Temos o privilégio de ter o Instituto Ibérico de Nanotecnologias em Braga, um projeto conjunto com Espanha, e que, por ser gerador desse novo conhecimento, devia ser mais apoiado pelo Estado, no sentido de potenciar projetos conjuntos Portugal/Espanha.
Por outro lado, há uma proximidade de cultura empresarial entre Portugal e Espanha. E a Ibéria deveria ser um bloco coeso de defesa dos seus interesses em Bruxelas, fazendo valer as desvantagens da sua posição periférica em relação à Europa, para defender uma posição central em relação ao triângulo Europa, África e América, com investimento em plataformas logística e de
‘handling’.