Instituições financeiras: do dever de defesa do mercado ao dever de defesa da sociedade
I. Do ponto de vista das relações que estabelecem com os seus clientes, as instituições financeiras, independentemente do sector em concreto de que façam parte – banca, bolsa e seguros –, assumem uma posição fiduciária, ou seja, comprometem-se, no âmbito dessa relação, a prosseguir, sempre e se necessário em prejuízo próprio, os interesses dos seus clientes.
Contudo, a função económica e social, numa aceção ampla, desempenhada pelas instituições financeiras impossibilita, tanto do ponto de vista prática como teórico, que se apresente estas entidades como sendo puros sujeitos fiduciários ou que se circunscreva a sua qualidade jurídica a esta única dimensão.
Os deveres das instituições financeiras extravasam a relação estabelecida com os seus clientes: os deveres de organização, os deveres de informação e de divulgação, os deveres de colaboração com as autoridades competentes ou os deveres de defesa do mercado moldam igualmente esta categoria jurídica. Trata-se de uma decorrência direta da funcionalização do Direito financeiro aos interesses sociais.
II. No campo do Direito dos valores mobiliários, esta funcionalização assume uma materialização especial no âmbito do artigo 311.º/1 do Código dos Valores Mobiliários: “Os intermediários financeiros e demais membros de mercado devem comportar-se com a maior probidade comercial, abstendo-se de participar em operações ou de praticar atos suscetíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado”.
O denominado dever de defesa do mercado corresponde, na realidade, a uma materialização da visão funcionalizar do Direito financeiro, assente em dois grandes pilares: (i) a integridade do mercado; e (ii) a proteção dos investidores.
No número 2 do mesmo preceito, o legislador elenca, a título meramente exemplificativo, várias situações capazes de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência ou a credibilidade do mercado: (i) realização de operações imputadas a uma mesma carteira, tanto na compra como numa venda; (ii) operações mobiliárias aparentes ou simuladas; (iii) execução de ordens destinadas a defraudar operações mobiliárias; ou (iv) realização de operações que não cumpram as imposições legais.
O dever de defesa do mercado não é um dever per se, mais se aproximando de um princípio ordenador da atividade da intermediação – hoje extensível aos demais membros do mercado –, ou de um dever quadro: a sua aplicação será feita por recurso aos exemplos enumerados, com apoio no instituto, mais desenvolvido, da manipulação do mercado.
III. O regime jurídico do branqueamento de capital, cujas origens remontam, contemporaneamente, ao Decreto-Lei n.º 313/93, de 15 de setembro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretriz n.º 91/308/CEE, de 10 de junho, leva à funcionalização do Direito financeiro e à relevância social das instituições financeiras para um diferente patamar: delas não se espera que protejam apenas os mercados em que atuam; espera-se, igualmente, que impeçam a utilização desse mesmo mercado para dissimular a origem ilícita da obtenção de fundos, para facilitar a prática de atos criminosos ou a prossecução de fins terroristas.
É à luz desta visão funcionalizadora que toda a pujante matéria do Direito penal e contraordenacional financeiro deve ser interpretada: o papel social ocupado pelas instituições financeiras, conjugado com a sua função económica, justificam, por inteiro, uma densificação e expansão dos deveres já impostos, tendo sempre em vista a proteção da comunidade e dos mais frágeis e desprotegidos.
A. Barreto Menezes Cordeiro
Doutor em Direito
Professor Auxiliar convidado da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa
Os deveres das instituições financeiras extravasam a relação estabelecida com os seus clientes: os deveres de organização, os deveres de informação e de divulgação, os deveres de colaboração com as autoridades competentes ou os deveres de defesa do mercado moldam igualmente esta categoria jurídica. Trata-se de uma decorrência direta da funcionalização do Direito financeiro aos interesses sociais.
II. No campo do Direito dos valores mobiliários, esta funcionalização assume uma materialização especial no âmbito do artigo 311.º/1 do Código dos Valores Mobiliários: “Os intermediários financeiros e demais membros de mercado devem comportar-se com a maior probidade comercial, abstendo-se de participar em operações ou de praticar atos suscetíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado”.
O denominado dever de defesa do mercado corresponde, na realidade, a uma materialização da visão funcionalizar do Direito financeiro, assente em dois grandes pilares: (i) a integridade do mercado; e (ii) a proteção dos investidores.
No número 2 do mesmo preceito, o legislador elenca, a título meramente exemplificativo, várias situações capazes de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência ou a credibilidade do mercado: (i) realização de operações imputadas a uma mesma carteira, tanto na compra como numa venda; (ii) operações mobiliárias aparentes ou simuladas; (iii) execução de ordens destinadas a defraudar operações mobiliárias; ou (iv) realização de operações que não cumpram as imposições legais.
O dever de defesa do mercado não é um dever per se, mais se aproximando de um princípio ordenador da atividade da intermediação – hoje extensível aos demais membros do mercado –, ou de um dever quadro: a sua aplicação será feita por recurso aos exemplos enumerados, com apoio no instituto, mais desenvolvido, da manipulação do mercado.
III. O regime jurídico do branqueamento de capital, cujas origens remontam, contemporaneamente, ao Decreto-Lei n.º 313/93, de 15 de setembro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretriz n.º 91/308/CEE, de 10 de junho, leva à funcionalização do Direito financeiro e à relevância social das instituições financeiras para um diferente patamar: delas não se espera que protejam apenas os mercados em que atuam; espera-se, igualmente, que impeçam a utilização desse mesmo mercado para dissimular a origem ilícita da obtenção de fundos, para facilitar a prática de atos criminosos ou a prossecução de fins terroristas.
É à luz desta visão funcionalizadora que toda a pujante matéria do Direito penal e contraordenacional financeiro deve ser interpretada: o papel social ocupado pelas instituições financeiras, conjugado com a sua função económica, justificam, por inteiro, uma densificação e expansão dos deveres já impostos, tendo sempre em vista a proteção da comunidade e dos mais frágeis e desprotegidos.
A. Barreto Menezes Cordeiro
Doutor em Direito
Professor Auxiliar convidado da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa