Portugal 2020 tem programas com candidaturas ainda por abrir
Com alguns programas do Portugal 2020 ainda por abrir candidaturas e com atrasos significativos nos pagamentos dos reembolsos, perante uma implementação do Programa Capitalizar lenta e incapaz de alcançar os objetivos para que foi criado, Fernando Castro, presidente da AIDA, no dia em que se realiza o 6º Fórum Empresarial do Distrito de Aveiro, deixa uma mensagem aos governantes: “Os nossos empresários têm de ser muito mais respeitados do que o que estão a ser”.
“Temos imperiosamente que incrementar as nossas exportações, quer em volume quer em valor, se quisermos ter uma economia nacional mais sustentável”. Mas, para isso, ”necessitamos de medidas de apoio que sejam mais eficazes”.
“Temos imperiosamente que incrementar as nossas exportações, quer em volume quer em valor, se quisermos ter uma economia nacional mais sustentável”. Mas, para isso, ”necessitamos de medidas de apoio que sejam mais eficazes”.
Vida Económica – O que pensa sobre as várias tendências da atividade industrial na região de Aveiro?
Fernando Castro – A atividade industrial, não só na região como no distrito de Aveiro, para além de ser intensa, é bastante diversificada e ao longo dos tempos foi-se estendendo a novos setores.
Consideramos, pois, ser natural que a atividade continue a desenvolver-se, nomeadamente nos setores em que haja capacidade instalada com maior massa crítica, capaz de ter efeito de contágio com o aparecimento de novas indústrias afins, ou nos setores com mais know-how ou locais com condições naturais mais adequadas.
É conhecida a notoriedade da indústria do distrito, nomeadamente nos setores da cortiça, da metalomecânica e metalurgia, do automóvel, da construção de máquinas e ferramentas, das madeiras e pasta de papel, do calçado, dos plásticos, da cerâmica, ou do agroalimentar. Mas isso não obstou a que se instalassem novas empresas ligadas a setores de ponta como os das energias renováveis, da indústria química, da eletrónica, ou das TICE, por exemplo.
Tem havido, pois, um desenvolvimento bastante regular e acreditamos que continue a verificar-se, porque que o distrito dispõe de um conjunto de condições e infraestruturas, inclusive boas zonas industriais, que favorecem a fixação das empresas e das pessoas que são indispensáveis para assegurar a operacionalidade daquelas.
VE – Qual tem sido o papel da AIDA no estímulo à cooperação entre as empresas?
FC – A AIDA tem atuado de várias formas e a vários níveis, pois sentimos que, no distrito, há muito trabalho a desenvolver nesse sentido. Não só é necessário combater o individualismo como é possível mostrar que, na nossa área, existem oportunidades de negócio que podem e devem ser aproveitadas. Por isso, vimos atuando, seja através da realização de encontros entre empresários para permitir o “networking”, ou com a realização de dias abertos em várias empresas, com o objetivo de as aproximar de eventuais novos fornecedores sedeados no nosso distrito, até à realização de colóquios para divulgar medidas que visem a cooperação interempresas ou para debater questões relacionadas com essa cooperação.
Atenção à internacionalização
das empresas
VE – Existem condições para a região expandir as exportações?
FC – Os empresários do nosso distrito são dinâmicos, arrojados e imaginativos. Só assim o distrito tem conquistado e reafirmado um lugar de destaque que ocupa no panorama económico nacional.
Constrangimentos e dificuldades sempre houve em qualquer lado. É necessário ter determinação para os enfrentar e ultrapassar.
O distrito exporta cerca de 1,7 vezes mais do que aquilo que importa. É uma realidade que se verifica desde há bastantes anos. Não quer isto dizer que os mercados de destino das exportações sejam perenes, porque não temos essa veleidade. Significa apenas que as nossas empresas têm tido capacidade para acompanhar a evolução, enfrentar as vicissitudes, conquistar e fidelizar clientes com produtos e serviços competitivos, com qualidade e inovadores.
Por isso, acreditamos que os nossos empresários continuarão, paulatinamente, a trilhar o caminho da exportação com saber e determinação e assim melhorar o seu futuro. E sabem que podem contar com o apoio da AIDA.
Há quase 30 anos que a AIDA vem dedicando particular atenção à internacionalização das nossas empresas, realizando anualmente missões de prospeção de novos mercados externos, acompanhando grupos de empresários aos mais diversos países que se apresentem com boas oportunidades de negócio, organizando a vinda de importadores que estejam interessados em adquirir os produtos das empresas do nosso distrito, ou organizando seminários de informação sobre o potencial deste ou daquele mercado.
Temos tido bastante sucesso nessas ações, pois temos técnicos experientes na área da internacionalização e vamos continuar. Faz parte da missão principal da AIDA, que é apoiar os nossos empresários.
VE – Quais são os maiores desafios que as empresas industriais enfrentam?
FC – A nível interno, considero que a mão de obra é uma das questões mais importantes.
A evolução tecnológica e o dinamismo dos mercados exigem mão de obra qualificada e atualizada, o que implica a necessidade permanente da requalificação da existente e a integração de novos elementos, quer provenham das escolas, de outros setores/empresas, quer de outras origens, nomeadamente da imigração.
Atualmente, apesar de existirem oficialmente mais de 350 mil desempregados e de, desde 2013 até agora, terem entrado no nosso mercado de trabalho mais de 40 mil imigrantes permanentes, é notória a dificuldade em recrutar mão de obra capaz.
O envelhecimento acelerado da nossa população ameaça cada vez mais a disponibilidade de mão de obra.
Ainda a nível interno, não posso deixar de mencionar também os nossos elevados custos de contexto, com destaque para os da energia, que nos últimos tempos estão a deixar os nossos industriais com os cabelos em pé, sem que da parte do Governo se vislumbre a adoção de medidas adequadas para os minorar.
Ainda no plano interno, não posso deixar de mencionar a falta de capitais próprios de muitas das nossas empresas e a dificuldade de acesso ao crédito. Muitas das nossas empresas estavam, e ainda estão, muito apoiadas em financiamentos bancários. Como a adoção de novas regras para a concessão de crédito passou a ter de respeitar critérios muito mais exigentes, muitas empresas com estruturas de capitais próprios mais débeis veem-se impedidas de aceder a novos financiamentos importantes para o desenvolvimento de novos projetos de investimento.
Outro dos desafios, mas no plano externo, é a ameaça da globalização e a da instabilidade política mundial, nomeadamente em alguns países que são importadores importantes dos nossos produtos (Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália, Estados Unidos da América e Brasil, por exemplo).
A nossa exposição ao mundo global, juntamente com a fase de enorme instabilidade política que se atravessa, perturba significativamente o estabelecimento de planos de médio/longo prazo e aconselha a adoção de estruturas flexíveis, capazes de se adaptarem aos primeiros sinais de viragem.
VE – Considera positivo o balanço da execução do Portugal 2020?
FC – A disponibilidade dos fundos comunitários tem sido fundamental para o desenvolvimento de Portugal. Sem eles, jamais Portugal teria tido possibilidade de atingir o atual patamar de desenvolvimento económico e social que apresenta e que, apesar disso, ainda está na cauda da Europa.
O atual Quadro de Apoios Comunitários, designado PT2020, deveria ter entrado em vigor em 2014. No entanto, por razões várias, tal só começou a acontecer no segundo semestre de 2015 e, de forma mais visível, em 2016, o que provocou perturbações diversas na implementação de diversos projetos e no funcionamento de várias instituições.
Quando seria de esperar que a execução do PT2020 já estivesse em velocidade de cruzeiro, ainda há alguns programas cujas candidaturas não foram abertas. Além disso, incompreensivelmente, os atrasos nos pagamentos dos reembolsos começam a ser significativos e preocupantes, dada a debilidade da tesouraria de muitas empresas e a sua dificuldade na obtenção de financiamentos. Esta situação anómala não deixará de se refletir na continuação da execução das candidaturas, que parecem estar bastante aquém das expetativas.
VE – O Estado devia investir mais nos incentivos às empresas?
FC – As empresas não podem ser vistas apenas como fontes de receita de impostos para alimentar o Orçamento do Estado, como temos vindo a verificar de ano para ano.
A carga fiscal e burocrática a que estão sujeitas é superior à média europeia e, consequentemente, à de países que são nossos concorrentes.
Os custos com a energia e com os combustíveis são também bastante superiores aos da nossa vizinha Espanha, por exemplo.
O nosso mercado doméstico é de pequena dimensão e com reduzido poder de compra, o que implica que tenhamos que procurar mercados externos para colocar os nossos produtos e incorrer em custos de transporte maiores do que alguns dos nossos concorrentes internacionais.
Se temos que importar a maior parte das matérias-primas e dos equipamentos, sujeitando-nos ao preço por que no-los queiram vender e, em muitos casos também, ao preço de venda que nos é imposto pelos clientes, qual é a margem de manobra para as nossas empresas competirem? Como podem remunerar muito melhor de modo a que os nossos salários se aproximem da média europeia, por exemplo?
As medidas preconizadas pelo Programa Capitalizar, idealizadas para promover a capitalização, reestruturação e redimensionamento das empresas, têm vindo a ser implementadas de forma demasiado lenta e incapazes de provocar a tão necessária melhoria rápida da situação.
O número de empresas exportadoras é de pouco mais de 20 000 há vários anos, o que é insignificante em comparação com o tecido empresarial português e muito pequeno para as necessidades do nosso País.
Temos imperiosamente que incrementar as nossas exportações, quer em volume quer em valor, se quisermos ter uma economia nacional mais sustentável.
Para conseguirem exportar, as nossas empresas têm de ter músculo bastante para responderem eficazmente às exigências de mercados muito mais desenvolvidos do que o nosso e com maior poder de compra, o que não é possível através de micro e pequenas empresas.
Necessitamos de medidas de apoio que sejam mais eficazes.
Em agosto último, o Governo aprovou o Programa Internacionalizar com um fundo de 100 milhões. No entanto, ainda não está operacional nem se sabe quando estará, porque nem o Conselho Geral foi criado.
Cito também o desempenho da IFD. Esteve um ano apenas com um administrador executivo! De uma linha de financiamento de 1000 milhões de euros foram utilizados apenas 50 milhões até ao final de 2017 e em 2018 ainda só foram utilizados 300 milhões!
Não basta disponibilizar linhas de crédito bonificadas, porque delas só poderão beneficiar as empresas que têm possibilidades de aceder ao crédito, isto é, que disponham de uma adequada estrutura de capitais próprios, e são muitas as empresas que não a têm.
A recuperação económica que temos vindo a registar desde 2013 tem-se devido, fundamentalmente, a fatores externos, como a descida acentuada dos juros provocada pelo Banco Central Europeia, ao “boom “inesperado do turismo, ao crescimento das economias de alguns dos países nossos principais clientes, à entrada em vigor do PT2020, à folga do preço dos combustíveis. São tudo fatores que não controlamos e que não são eternos. Alguns desses fatores já começaram a inverter a sua ação.
As previsões de vários organismos internacionais não são de todo tranquilizadoras.
Se não cuidamos de fazer obras no verão, no inverno será muito mais custoso de todas as maneiras. Há muitas obras para fazer no edifício da economia, começando pelas fundações, que são as nossas empresas.
VE – Para as empresas, os custos de contexto continuam a ser excessivos?
FC – De maneira mais ou menos direta, em respostas anteriores, já abordei e respondi a esta questão. Infelizmente, só tenho que confirmar que, desde há muito, são demasiados, quando comparados com os de países nossos concorrentes e que, por outro lado, não são próprios de um país que se diz desenvolvido. Como exemplo, cito os relacionados com o funcionamento da Justiça.