Orçamento do Estado é penalizador para o setor da construção
A Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) mostra-se insatisfeita com a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano. Na sua génese, mantêm-se os problemas do passado, como a renovada falta de investimento público, a que se junta uma carga fiscal excessiva, referiu o presidente daquela instituição, Reis Campos, à “Contabilidade & Empresas”. Continua a verificar-se falta de estabilidade, o que prejudica fortemente as potenciais intenções de investimento.
Contabilidade & Empresas - Qual a posição da AICCOPN relativamente ao Orçamento do Estado para 2019?
Reis Campos - Antes da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2019, na análise que fizemos, dissemos que este era um documento que não dá resposta às necessidades das empresas do setor, dos investidores, e muito menos às necessidades de um País que continua a apresentar níveis de investimento público claramente insuficientes. Hoje, não obstante as centenas de propostas de alteração que foram discutidas, algumas delas consideradas no texto final, mantemos a nossa posição. O Orçamento aponta para um peso do investimento público em percentagem do PIB que se deverá situar em 2,3%, valor que é equivalente ao verificado no longínquo ano de 1975, ou seja, continuamos a níveis extremamente reduzidos para uma variável macroeconómica que a Europa Comunitária elege como um dos vetores prioritários para alcançar o necessário desenvolvimento económico e a imprescindível criação de emprego. Efetivamente, estamos perante um documento que, uma vez mais, se limita a enunciar investimentos, sem assumir uma calendarização dos projetos a curto, médio e longo prazo, nem a alocação dos meios destinados à sua concretização. O OE deveria integrar, como defendemos, um plano anualizado, objeto de uma permanente monitorização, o que não acontece. Por outro lado, e num momento em que é consensualmente reconhecida a importância do investimento privado e do reforço da capacidade produtiva das empresas, constata-se que este Orçamento mantém praticamente inalterada uma carga fiscal que é reconhecidamente excessiva.
C&E - Mas também há aspetos positivos...
RC - Os aspetos positivos que se podem encontrar neste Orçamento estão associados ao equilíbrio orçamental, o qual é essencial. Existem algumas medidas pontuais que estão, sobretudo, orientadas para as famílias, como a redução do custo dos passes sociais de transporte ou a gratuitidade dos manuais escolares, que não se traduzem, diretamente, em alterações significativas para as empresas. Desta forma, o balanço global que se pode fazer do Orçamento do Estado para 2019 não é favorável. Falha num objetivo que é consensualmente reconhecido, que é o de preservar a estabilidade e a confiança dos investidores, ao não eliminar fatores perturbadores que só vieram desestabilizar o mercado. A carga fiscal suportada pelo tecido empresarial é demasiadamente elevada e a conjuntura mais positiva que estamos a atravessar não se traduz numa redução dos impostos e na criação de mais e melhores condições para atrair o investimento.
C&E – O que seria possível fazer, em termos fiscais, para impulsionar a fileira da construção?
RC - Defendemos, como é sabido, a eliminação do AIMI, o imposto que reverte para o Estado e que se vem somar ao IMI para as Autarquias. De facto, não obstante termos continuamente alertado para as consequências da manutenção desta duplicação do IMI, constatamos que o Governo e os partidos que o suportam optaram por agravar um tributo sem racionalidade e que conduz a situações de manifesta injustiça. Estamos a falar de pagar um duplo IMI, que potencialmente incide, no caso das empresas, sobre todo o tipo de casas e de terrenos para construção. Para além da eliminação do AIMI, defendemos o fim da tributação dos stocks de casas detidas para venda por parte das empresas que se dedicam a esta atividade, em sede de tributação sobre o património. Este é um imposto extremamente injusto, já que incide sobre stocks de mercadorias por vender, pelo que, também aqui, se penalizam em especial as empresas com atividade em zonas com menor dinâmica económica.
Alargamento dos benefícios fiscais
C&E – O que está por fazer relativamente à dinamização do mercado imobiliário e da reabilitação urbana?
RC – Quanto à dinamização do mercado imobiliário e da reabilitação urbana, defendemos medidas como o alargamento dos atuais benefícios fiscais à reabilitação urbana (em especial o IVA) a todas as obras de reabilitação de edifícios com mais de 30 anos e a redução da atual taxa especial de 28% para uma taxa de 10% (em IRS ou IRC) sobre todos os rendimentos prediais. São questões essenciais para promover, por um lado, o alargamento da reabilitação à generalidade dos territórios e, por outro, a criação de um verdadeiro mercado do arrendamento em Portugal.
C&E – Das suas palavras pode-se concluir que a carga fiscal é excessiva.
RC - Claro. Basta olhar para os números. De acordo com as estimativas orçamentais, entre 2010 e 2019, as receitas de IMI e de IMT deverão registar um crescimento de 49,6% e de 80,8%, respetivamente. Estamos a falar de um crescimento de 1695 para 2722 milhões de euros, que nos coloca em máximos históricos em matéria de tributação do património. De uma forma mais geral, e de acordo com a OCDE, Portugal tem o segundo IRC mais alto da Europa.
C&E- Quais os impostos que são mais perniciosos para a construção? Não haverá mesmo imoralidade nalguns impostos e taxas?
RC - Por um lado, como já referi, existe um problema evidente que é transversal a praticamente todos os impostos e que é o atual nível da carga fiscal, que torna, no seu conjunto, a fiscalidade um dos mais graves problemas que as empresas têm de enfrentar. Aliás, o imobiliário é encarado como uma fonte inesgotável de receitas fiscais. Um bom exemplo é a tributação dos rendimentos do arrendamento. A criação de uma taxa liberatória foi uma medida positiva e necessária, mas o seu valor, 28%, é extremamente elevado e retira toda a capacidade de atração de investimento a este mercado, que é essencial para o País. A tributação autónoma e os impostos sobre os combustíveis são outro exemplo claro em que o que está em causa não é a sua existência, mas o valor excessivo em que atualmente estão fixados. Por outro lado, existem questões específicas relativamente à tributação do setor que configuram exageros e injustiças flagrantes, como é o caso da tributação dos stocks de casas detidas para venda e do AIMI, como já tinha referido, a que poderia acrescentar outros, como o denominado “IVA oculto” na Habitação, que decorre do facto de não ser possível deduzir este imposto nos custos suportados na construção e reabilitação das casas.
Empresas bem assessoradas
C&E - As empresas de construção estão bem assessoradas em termos contabilísticos?
RC - Sim. As atuais exigências legais em matéria de prestação de contas implicam o recurso a contabilistas certificados, ou mesmo a revisores oficiais de contas, pelo que se trata de uma matéria que é objeto de uma vasta regulação.
C&E - Quais as áreas mais promissoras para as empresas do setor?
RC - O setor é e será sempre determinante para o desenvolvimento sustentado do País. Recordo o seu papel essencial em matéria de investimento, já que é responsável por 50,5% desta variável essencial para a economia e para a criação de emprego. No entanto, e atendendo ao que são as grandes tendências de evolução da nossa sociedade, com impactos imediatos naquela que é a atividade do setor, nos seus recursos humanos e processos construtivos, há algumas áreas particularmente promissoras. Desde logo, a transição para uma “economia de baixo carbono”, a aposta na regeneração e reabilitação urbana, as Infraestruturas eficientes e orientadas para a competitividade ou, de uma forma mais geral, as “cidades inteligentes do futuro”, são domínios que irão marcar, cada vez mais, esta atividade.
Por outro lado, as transformações digitais inerentes à “Indústria 4.0”, vão exigir à Construção uma resposta muito concreta. A era digital na Construção, para além de todos os processos associados à desmaterialização, à afirmação do “Big Data”, da “Internet das Coisas”, da realidade virtual, já faz parte da nova realidade do setor e, crescentemente, irá procurar um tecido empresarial especialmente vocacionado para dar resposta a exigências de qualidade e de inovação, aliadas a requisitos de modernidade, sem esquecer a incontornável aposta noutros mercados e o reforço de uma presença global que é um ativo valioso para a internacionalização da economia portuguesa.
C&E – Não haverá especulação em excesso na atividade imobiliária?
RC - Por regra, a especulação é um fenómeno de curto prazo, que surge quando há desequilíbrios importantes entre a oferta e a procura e que tende a corrigir-se de forma rápida. Esse não é um problema que esteja, de momento, a preocupar a generalidade do mercado, porque, como se sabe, o que se está a verificar em determinados espaços dos nossos principais centros urbanos, em especial Lisboa e Porto, não é o espelho do resto do País. Veja-se que, em 92,5% dos concelhos do País, os preços do imobiliário situam-se 9,6% abaixo do verificado em 2007. É necessário, isso sim, criar condições para um maior equilíbrio entre oferta e procura, construindo mais, reabilitando mais e criando um mercado do arrendamento que, ao contrário do que sucede no resto da Europa, ainda não existe verdadeiramente em Portugal.
Reis Campos - Antes da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2019, na análise que fizemos, dissemos que este era um documento que não dá resposta às necessidades das empresas do setor, dos investidores, e muito menos às necessidades de um País que continua a apresentar níveis de investimento público claramente insuficientes. Hoje, não obstante as centenas de propostas de alteração que foram discutidas, algumas delas consideradas no texto final, mantemos a nossa posição. O Orçamento aponta para um peso do investimento público em percentagem do PIB que se deverá situar em 2,3%, valor que é equivalente ao verificado no longínquo ano de 1975, ou seja, continuamos a níveis extremamente reduzidos para uma variável macroeconómica que a Europa Comunitária elege como um dos vetores prioritários para alcançar o necessário desenvolvimento económico e a imprescindível criação de emprego. Efetivamente, estamos perante um documento que, uma vez mais, se limita a enunciar investimentos, sem assumir uma calendarização dos projetos a curto, médio e longo prazo, nem a alocação dos meios destinados à sua concretização. O OE deveria integrar, como defendemos, um plano anualizado, objeto de uma permanente monitorização, o que não acontece. Por outro lado, e num momento em que é consensualmente reconhecida a importância do investimento privado e do reforço da capacidade produtiva das empresas, constata-se que este Orçamento mantém praticamente inalterada uma carga fiscal que é reconhecidamente excessiva.
C&E - Mas também há aspetos positivos...
RC - Os aspetos positivos que se podem encontrar neste Orçamento estão associados ao equilíbrio orçamental, o qual é essencial. Existem algumas medidas pontuais que estão, sobretudo, orientadas para as famílias, como a redução do custo dos passes sociais de transporte ou a gratuitidade dos manuais escolares, que não se traduzem, diretamente, em alterações significativas para as empresas. Desta forma, o balanço global que se pode fazer do Orçamento do Estado para 2019 não é favorável. Falha num objetivo que é consensualmente reconhecido, que é o de preservar a estabilidade e a confiança dos investidores, ao não eliminar fatores perturbadores que só vieram desestabilizar o mercado. A carga fiscal suportada pelo tecido empresarial é demasiadamente elevada e a conjuntura mais positiva que estamos a atravessar não se traduz numa redução dos impostos e na criação de mais e melhores condições para atrair o investimento.
C&E – O que seria possível fazer, em termos fiscais, para impulsionar a fileira da construção?
RC - Defendemos, como é sabido, a eliminação do AIMI, o imposto que reverte para o Estado e que se vem somar ao IMI para as Autarquias. De facto, não obstante termos continuamente alertado para as consequências da manutenção desta duplicação do IMI, constatamos que o Governo e os partidos que o suportam optaram por agravar um tributo sem racionalidade e que conduz a situações de manifesta injustiça. Estamos a falar de pagar um duplo IMI, que potencialmente incide, no caso das empresas, sobre todo o tipo de casas e de terrenos para construção. Para além da eliminação do AIMI, defendemos o fim da tributação dos stocks de casas detidas para venda por parte das empresas que se dedicam a esta atividade, em sede de tributação sobre o património. Este é um imposto extremamente injusto, já que incide sobre stocks de mercadorias por vender, pelo que, também aqui, se penalizam em especial as empresas com atividade em zonas com menor dinâmica económica.
Alargamento dos benefícios fiscais
C&E – O que está por fazer relativamente à dinamização do mercado imobiliário e da reabilitação urbana?
RC – Quanto à dinamização do mercado imobiliário e da reabilitação urbana, defendemos medidas como o alargamento dos atuais benefícios fiscais à reabilitação urbana (em especial o IVA) a todas as obras de reabilitação de edifícios com mais de 30 anos e a redução da atual taxa especial de 28% para uma taxa de 10% (em IRS ou IRC) sobre todos os rendimentos prediais. São questões essenciais para promover, por um lado, o alargamento da reabilitação à generalidade dos territórios e, por outro, a criação de um verdadeiro mercado do arrendamento em Portugal.
C&E – Das suas palavras pode-se concluir que a carga fiscal é excessiva.
RC - Claro. Basta olhar para os números. De acordo com as estimativas orçamentais, entre 2010 e 2019, as receitas de IMI e de IMT deverão registar um crescimento de 49,6% e de 80,8%, respetivamente. Estamos a falar de um crescimento de 1695 para 2722 milhões de euros, que nos coloca em máximos históricos em matéria de tributação do património. De uma forma mais geral, e de acordo com a OCDE, Portugal tem o segundo IRC mais alto da Europa.
C&E- Quais os impostos que são mais perniciosos para a construção? Não haverá mesmo imoralidade nalguns impostos e taxas?
RC - Por um lado, como já referi, existe um problema evidente que é transversal a praticamente todos os impostos e que é o atual nível da carga fiscal, que torna, no seu conjunto, a fiscalidade um dos mais graves problemas que as empresas têm de enfrentar. Aliás, o imobiliário é encarado como uma fonte inesgotável de receitas fiscais. Um bom exemplo é a tributação dos rendimentos do arrendamento. A criação de uma taxa liberatória foi uma medida positiva e necessária, mas o seu valor, 28%, é extremamente elevado e retira toda a capacidade de atração de investimento a este mercado, que é essencial para o País. A tributação autónoma e os impostos sobre os combustíveis são outro exemplo claro em que o que está em causa não é a sua existência, mas o valor excessivo em que atualmente estão fixados. Por outro lado, existem questões específicas relativamente à tributação do setor que configuram exageros e injustiças flagrantes, como é o caso da tributação dos stocks de casas detidas para venda e do AIMI, como já tinha referido, a que poderia acrescentar outros, como o denominado “IVA oculto” na Habitação, que decorre do facto de não ser possível deduzir este imposto nos custos suportados na construção e reabilitação das casas.
Empresas bem assessoradas
C&E - As empresas de construção estão bem assessoradas em termos contabilísticos?
RC - Sim. As atuais exigências legais em matéria de prestação de contas implicam o recurso a contabilistas certificados, ou mesmo a revisores oficiais de contas, pelo que se trata de uma matéria que é objeto de uma vasta regulação.
C&E - Quais as áreas mais promissoras para as empresas do setor?
RC - O setor é e será sempre determinante para o desenvolvimento sustentado do País. Recordo o seu papel essencial em matéria de investimento, já que é responsável por 50,5% desta variável essencial para a economia e para a criação de emprego. No entanto, e atendendo ao que são as grandes tendências de evolução da nossa sociedade, com impactos imediatos naquela que é a atividade do setor, nos seus recursos humanos e processos construtivos, há algumas áreas particularmente promissoras. Desde logo, a transição para uma “economia de baixo carbono”, a aposta na regeneração e reabilitação urbana, as Infraestruturas eficientes e orientadas para a competitividade ou, de uma forma mais geral, as “cidades inteligentes do futuro”, são domínios que irão marcar, cada vez mais, esta atividade.
Por outro lado, as transformações digitais inerentes à “Indústria 4.0”, vão exigir à Construção uma resposta muito concreta. A era digital na Construção, para além de todos os processos associados à desmaterialização, à afirmação do “Big Data”, da “Internet das Coisas”, da realidade virtual, já faz parte da nova realidade do setor e, crescentemente, irá procurar um tecido empresarial especialmente vocacionado para dar resposta a exigências de qualidade e de inovação, aliadas a requisitos de modernidade, sem esquecer a incontornável aposta noutros mercados e o reforço de uma presença global que é um ativo valioso para a internacionalização da economia portuguesa.
C&E – Não haverá especulação em excesso na atividade imobiliária?
RC - Por regra, a especulação é um fenómeno de curto prazo, que surge quando há desequilíbrios importantes entre a oferta e a procura e que tende a corrigir-se de forma rápida. Esse não é um problema que esteja, de momento, a preocupar a generalidade do mercado, porque, como se sabe, o que se está a verificar em determinados espaços dos nossos principais centros urbanos, em especial Lisboa e Porto, não é o espelho do resto do País. Veja-se que, em 92,5% dos concelhos do País, os preços do imobiliário situam-se 9,6% abaixo do verificado em 2007. É necessário, isso sim, criar condições para um maior equilíbrio entre oferta e procura, construindo mais, reabilitando mais e criando um mercado do arrendamento que, ao contrário do que sucede no resto da Europa, ainda não existe verdadeiramente em Portugal.