“O capital disponível para investimento tem vindo a cair nos últimos anos”
Vogal da direção da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI), Paulo Caetano já foi o presidente desta entidade. A nível profissional, tem gerido investimentos em tecnologia, desenvolvimento de projetos, operações e veículos de investimento em energia eólica, solar, biomassa, biocombustíveis, ondas e outros setores. Pertenceu ao conselho de administração de várias empresas do setor dos serviços de energia e meio ambiente. Paulo Caetano é licenciado em Engenharia pelo Instituto Superior Técnico, mestre em Estudos Europeus e possui um MBA pela Universidade Católica Portuguesa
Como se encontra a atual fase do capital de risco em Portugal?
A questão necessita de uma resposta abrangente, até porque há leituras diferentes dependendo da componente que se avalia. O setor vive em maturidade. As equipas são altamente profissionais e estão estáveis. Mesmo assim, o mercado tem permitido o surgimento de novos operadores, que aportam naturalmente valor ao setor. O enquadramento legal, fiscal e regulamentar do setor tem demonstrado ser adequado, com pequenos ajustes que naturalmente terão que se fazer face à agenda europeia ao nível deste tipo de produtos. A preocupação está, essencialmente, na capacidade que os atuais operadores têm em captar novos fundos para o setor. O enquadramento nacional é pouco atrativo nessa matéria específica. Quase não existem em Portugal os habituais investidores neste setor, refiro-me especificamente a family offices, e não há grande atratividade para investidores como seguradoras e fundos de pensões. O capital disponível para investimento tem vindo a cair nos últimos anos. E apesar de os produtos de coinvestimento que têm vindo a ser divulgados, mesmo assim, a falta da componente privada tem sido um elemento limitador. Naturalmente, os operadores vão necessitar de ter uma abordagem mais internacional nas matérias de fund raising.
A atual situação económica do país poderá originar a criação de novas oportunidades de negócio para investidores especializados em capital de risco?
Não vejo uma correlação direta. Sempre existiram e sempre existirão projetos e equipas que são alvo de investidores especializados em capital de risco. O setor procura empresas que apresentem produtos que se traduzam em crescimento e em criação de valor, assentes em equipas estruturadas e profissionais. E sempre existiram. É verdade que o ecossistema empreendedor tem sido muito estimulado nos últimos anos, o que o tornou muito competente, mas este dado só deu dimensão e exposição ao que acabei de referir.
Considera que a cultura portuguesa, tendencialmente adversa ao risco, é um entrave à proliferação da indústria em capital de risco?
É errado ligar o capital de risco à condição de tomada de risco. Capital de risco significa partilha de risco. Não significa tomar risco. Volto a relembrar a competência do ecossistema empreendedor, que criou empresários extraordinários. Convido qualquer um a visitar os centros de incubação que existem pelo país. Vejo como nunca vi um mercado com novos projetos, novos promotores e estimulante em ideias. Considero que o problema do entrave à proliferação do capital de risco, apesar de não concordar com a palavra, não está no risco do investidor a projetos, mas sim na capacidade de se trazer mais capital para o setor. Nunca é pela falta de projetos ou de promotores.
O que falta ao tecido empresarial português para aproximar o volume de investimento em capital de risco com a média europeia?
É impossível, face à dimensão do mercado, aproximar, em volume, o investimento em capital de risco em Portugal com a média europeia. O mercado português tem a dimensão que tem, não é, nem deve ser comparável. No entanto, em tipologia de investimento, penso que pode justificar a questão. Ao contrário da média europeia, Portugal não apresenta um peso dos buy-out, como acontece no resto da Europa. Isso resulta justamente da sua dimensão.
A CMVM tem criticado o peso excessivo da concessão de empréstimos, nomeadamente através de suprimentos, às empresas participadas pelas capitais de risco, (…) “muito próxima da atividade bancária”, em vez de se constituir essencialmente como um instrumento de reforço de capitais próprios. Qual a sua opinião?
Entendo o comentário da CMVM, mas não me parece que neste caso tenha razão. Ora veja, o suprimento não deixa de ser uma ferramenta de investimento, e não deixa de ser uma forma simples de promover o desinvestimento, sempre de acordo com o desenvolvimento do projeto, e sempre em acordo com os promotores. E o suprimento pode ser sempre transformado em capital, se a necessidade de reforço de capitais próprios for necessária.
As recentes estatísticas notam que o investimento em capital de risco no setor imobiliário ganhou um maior peso no último ano em resultado da dinâmica recente do mercado imobiliário em Portugal. Considera que este mercado ainda permite “geração de elevado valor acrescentado”.
Na realidade, os investimentos que refere resultam da constituição de fundos de reestruturação, que permitiram dar a dimensão que refere. Não tem necessariamente a ver com as dinâmicas que temos vindo a assistir no mercado imobiliário. E não me parece que este setor seja um alvo concreto dos operadores de capital de risco, a não ser nos casos excecionais que referi.
Que avaliação faz do surgimento de instrumentos híbridos, tais como os que misturam capitais próprios com dívida ou obrigações convertíveis?
Não tenho informação que me permita comentar, mas considero que são produtos perfeitamente enquadráveis na política de investimento de qualquer fundo de capital de risco. Os produtos híbridos têm permitido soluções de valor para os projetos investidos, garantindo soluções de risco e de exit diferentes.
A nível de clientes, têm mais relevância os nacionais ou internacionais?
Não entendo bem a questão, mas assumo que se refere à capacidade de fundos internacionais permitirem acesso a novos mercados. Esse também é o papel do investidor, e, como tal, considero que qualquer projeto, cujo mercado é global, ganha em ter investidores fora da sua geografia. Mas também é verdade que os operadores nacionais têm na sua génese essa preocupação e têm conseguido com grande competência esse desiderato.
Os fundos estrangeiros têm interesse por Portugal? E quanto aos demais países lusófonos?
Se retirarmos da equação o Fundo Europeu de Investimento (FEI), eu diria que ainda há muito pouco investimento não residente em fundos de capital de risco nacionais. Entendo, no entanto, que os fundos não investem por razões geográficas, mas sim em equipas que demonstrem track record relevante e performance nos fundos que gerem. Quanto à questão dos países lusófonos, se retirarmos o Brasil, que é um país diferente, e com um ecossistema próprio, não há expressão de investimentos nessas regiões.
Há falta de empresas com dimensão para serem adquiridas?
Não me parece. Aliás, têm surgido transações, que são públicas, e que se apresentam com a dimensão que refere. O problema é outro, é não haver muitas empresas com essa dimensão. É exatamente isto que define a dimensão do nosso mercado.
Considera que o momento pós-crise trouxe fundos institucionais, com maior credibilidade e menor oportunismo?
Trouxe novas equipas. Mas, infelizmente, os fundos institucionais de natureza estrutural são os mesmos: FEI, e do lado nacional a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD). O setor deve trabalhar mais essa componente. Demonstrada pela performance dos seus fundos e pela boa gestão das suas equipas.
Quais as áreas de investimento mais significativas? Energia e turismo?
Diria que nem uma nem outra, se olharmos para o lado do investimento em infraestruturas. No turismo, destacaria os serviços especializados. Mas daria mais atenção a indústrias com crescimento elevado, desde as Tecnologias da Informação, passando pelas ciências da vida. Empresas que possam crescer em cima de redes, que promovam as opções da digitalização e com exposição global.
Quais as áreas nas quais se perspetivam grandes oportunidades futuras? Dívida empresarial e reestruturação?
Gostaria de ver crescer soluções de “mezanine”. Não me parece que soluções que foram tema no passado, como as reestruturações, sejam opções no futuro.
E posições de controlo em empresas, pode ser interessante?
Já hoje isso acontece. O capital de risco tem, cada vez mais, posições de controlo dos projetos onde investe.
Há estabilidade legislativa e fiscal?
A resposta é sim. Há naturalmente pequenos ajustes, muito focados na capacidade de captar novos investidores para o setor.
O possível fim das taxas de juro atrativas é positivo?
Não são um concorrente para os investidores normais em capital de risco.
Como se perspetiva o ano 2019?
Prevejo alguma depuração ao nível dos operadores, algum ajuste ao nível do enquadramento legal, fiscal e regulamentar, conforme referi atrás, e a continuidade no surgimento de novas oportunidades de investimento. Não espero que se resolva desde já a questão principal de garantir a sustentabilidade do setor com a entrada de novos fundos para investimento.
Algumas start-ups têm falido. Este ainda é um investimento interessante para o capital de risco?
Conhecemos desde sempre essa dinâmica. É normal em Portugal e em qualquer outra geografia. Não investir nesta fase de investimento é não investir no futuro. Os riscos são naturalmente maiores, mas as rentabilidades expectáveis são substancialmente superiores. Esse risco é do investidor, e, no nosso caso, considero importante o esforço que se continua a fazer neste tipo de projetos.
A CMVM indicou em dezembro que o valor gerido pelo capital de risco aumentou 1,2% em 2017, para 4,5 mil milhões de euros, montante este que corresponde a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes, sendo que a evolução resulta sobretudo da performance dos fundos de capital de risco. Como vê estes dados do setor?
As estatísticas, quando não explicadas, correm o risco de ter leituras menos certas. Nada tenho a dizer sobre o comentário específico, até porque corresponde à verdade, mas gostaria de avaliar o setor sem os fundos de reestruturação constituídos pelos bancos nacionais, e avaliar essa componente específica da performance. É difícil fazer uma análise quando se agregam realidades muito diferentes.
Quais os problemas estruturais que podem ser encontrados em Portugal?
Fraca capitalização das empresas e dos empresários. Pouca liquidez dos promotores. Falta de investidores qualificados nacionais que aceitam investir em instrumentos de capitalização como é o capital de risco. Algum receio ao mercado global.
Que relações mantêm com outras associações do género na Lusofonia?
A única que conhecemos é a brasileira, com quem temos excelentes relações. As nossas relações naturais são com as associações europeias.
Quais as principais preocupações das entidades que constituem a APCRI?
Estabilidade e competitividade do enquadramento legal, fiscal e regulamentar nacional, garantir a sustentabilidade a médio e longo prazo, com a disponibilidade de novo capital para investimento e a manutenção do enquadramento positivo que tem havido ao nível do ecossistema empreendedor.
Que papel devem ter as universidades neste campo?
Criar valor económico ao conhecimento, pela via da incubação das ideias empresarializáveis, dinamizando os nossos novos empresários.
Que papel deve desempenhar o Estado?
Legislar e regular. Legislar por forma a sermos a geografia mais competitiva do espaço europeu, e regular bem, como já o faz.
E qual o papel de uma Sociedade de Advogados no Capital de Risco?
É um prestador importante de serviços. Muito relevante nas operações que este setor produz, pouco relevante em tudo o resto.