A atividade de Capital de Risco em Portugal
Maria de Deus Botelho
Advogada
Sócia da JPAB Advogados
O investimento em capital de risco, na definição legal constante do número 1 do artigo 3.º do Regime Jurídico do Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado (aprovado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de março), corresponde “à aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respetiva valorização”. Deste modo, o capital de risco constitui um investimento de capital nas empresas que pode ser configurado como tendo uma de duas formas: ou como uma oportunidade de negócio, ou como uma alternativa às modalidades tradicionais de financiamento das empresas. No investimento em capital de risco, para além do capital investido (sob a forma de capital social, outros instrumentos de capital próprio, financiamentos ou concessão de garantias), é ainda fornecido à sociedade target o aconselhamento à gestão ou o envolvimento direto na mesma e são, em regra, prestados serviços de valor acrescentado pela entidade investidora, tais como a transmissão de know how ou o acesso a novas redes de contactos.
O negócio de capital de risco está dividido em diversas áreas e formas de concretização. Não sendo possível um guião estanque destas matérias, ainda assim, pode dizer-se que, do ponto de vista dos tipos de investidores, as empresas de capital de risco estão genericamente distribuídas em dois grandes grupos: as sociedades de private equity, mais vocacionadas para investimentos em sociedades-alvo maduras, e as estruturas de venture capital, cujo alvo de investimento são, na maioria dos casos, empresas embrionárias ou em fase inicial da sua atividade. Os business angels, frequentemente identificados como investidores de capital de risco, devem ser considerados como fazendo parte do que a doutrina vai denominando de setor informal de capital de risco, na medida em que se trata de investidores individuais (em regra, empresários) que investem os seus conhecimentos, a sua experiência e o seu capital próprio – em montantes consideravelmente inferiores aos investidos pelas capitais de risco – em projetos empresariais, normalmente em fase embrionária ou inicial de atividade, por razões não necessariamente financeiras (designadamente, a empatia com o projeto). Em junho de 2018, as previsões apontavam para que os investimentos de business angels em Portugal atingissem no final do ano os 9 milhões de euros.
No que respeita às modalidades de capital de risco, é frequente a utilização do critério da fase de desenvolvimento do negócio objeto do investimento para a divisão entre “capital de fase inicial ou de instalação” (para as quais as empresas de venture capital, como se disse, estão mais vocacionadas), “capital de desenvolvimento”, destinado a empresas em fase de expansão da atividade e/ou do negócio, e “capital de substituição”, onde se destacam as modalidades de MBO (management buy-out), MBI (management buy-in) e turnaround, entre outras.
O modelo de negócio do capital de risco assenta num ciclo de investimento temporalmente limitado (em regra, entre 5 e 10 anos), e que envolve, genericamente, quatro fases: a fase “preparatória ou exploratória”, de identificação da sociedade target; a “negociação”, tendente ao estabelecimento do quadro contratual associado ao investimento a realizar; o período de “aplicação do programa de investimento”; e, finalmente, o momento da alienação ou do “desinvestimento”.
De acordo com os dados constantes do último Relatório Anual da Atividade de Capital de Risco publicado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e reportado a 2017, operavam no final desse ano, em Portugal, 141 organismos de investimento em capital de risco, divididos em 95 Fundos de Capital de Risco (FCR) e 46 Sociedades de Capital de Risco (SCR).
Nesse ano, foram realizadas 1614 operações de investimento. Contudo, perto de 80% dos ativos sob gestão através de FCR continuava (tal como sucede há largos anos), concentrado em apenas 5 (cinco!) SCR que, em conjunto, são detentoras de 70,7% da quota de mercado global e, assim, controlam o negócio do capital de risco. Alguns Autores justificam esta concentração do mercado com o facto de Portugal apresentar poucas oportunidades de investimentos (à exceção dos turnarounds, muito ativos também por força da crise económica vivida nos últimos anos), não existindo, portanto, um mercado interessante para muitos investidores. A argumentação, todavia, não convence completamente: se o mercado não é interessante, como se justifica o crescimento do número de SCR nos últimos anos? Na verdade, em 2008 eram 21 as SCR registadas junto da CMVM (e eram apenas 41 os FCR), tendo aumentado sustentadamente nos anos seguintes. Por outro lado, o valor sob gestão destes organismos de investimento em capital de risco cresceu e multiplicou-se mais de 4 vezes desde 2008. Ora, havendo mais investidores – mais SCR – e mais ativos, não seria expectável – e desejável – uma maior diluição das quotas de mercado?
Continuando a análise do Relatório Anual da CMVM, constata-se também que, das operações de investimento realizadas, apenas 45% respeitaram a operações sobre participações sociais. Os outros investimentos (designadamente as prestações acessórias, os suprimentos e os empréstimos) assumiram um papel determinante na estratégia de investimento dos organismos de investimento em capital de risco. Mais uma vez, nada de novo: o peso reduzido das participações em capital social nos investimentos deste setor da atividade financeira vem sendo sucessivamente sublinhado pela CMVM como uma situação sintomática e que requer uma reflexão mais profunda sobre a orientação dos investimentos de capital de risco em Portugal, porquanto, como bem assinala a entidade reguladora, “a atuação dos operadores de mercado é mais próxima da atividade bancária (concessão de crédito) do que é característico do capital de risco, isto é, titularidade de direitos residuais de controlo e assunção de riscos acionistas”. Esta subversão da natureza do investimento em capital de risco poderá, todavia, ter subjacente uma justificação estrutural, relacionada com a falta de maturidade da indústria, a ausência de dimensão do mercado português, o caráter eminentemente familiar do tecido empresarial nacional e o facto de Portugal ter assumidamente uma cultura conservadora, adversa ao risco, tudo isso agravado pela conjuntura económica vivida no nosso País na última década, nada convidativa a investimentos pouco garantidos.
Vejamos, finalmente, os dados referentes aos desinvestimentos. Tendo por referência os valores de aquisição, o Relatório Anual da CMVM diz-nos que apenas 16,1% dos desinvestimentos originaram mais-valia para os organismos de investimento em capital de risco, tendo 27,7% das operações sido realizadas com menos-valia (na sua maioria, as realizadas relativamente a investimentos em sociedades em fases start-up, seed capital, early stage e turnaround). Assim, mais de metade (56,2%) das operações de desinvestimento levadas a cabo no último ano constituíram vendas ao preço de aquisição. No entanto, se pensarmos bem, a inexistência de mais-valia poderá, pelo menos no último grupo de casos, apenas aparente, uma vez que ela não toma em linha de conta, designadamente, o valor dos juros pagos pela sociedade target à entidade de capital de risco por grande parte dos outros investimentos realizados por esta (nomeadamente, os suprimentos realizados e os empréstimos concedidos), que ainda constituem a maior fatia dos investimentos realizados pelas SCR, como se viu.
As conclusões do Relatório Anual da CMVM sobre a Atividade de Capital de Risco de 2017 são muito semelhantes às dos anteriores relatórios e vão, no essencial, ao encontro do que acima ficou dito. Por isso, sou tentada a deixar-vos com uma reflexão final, em jeito de provocação: terá Portugal uma verdadeira atividade de capital de risco? Ou ainda é necessário alterar um conjunto de mentalidades, métodos, abordagens e procedimentos para que o investimento em capital de risco possa assumir-se como uma alternativa séria para as empresas, potenciando as vantagens teóricas que possui relativamente ao financiamento bancário e contribuindo efetivamente para o crescimento do tecido empresarial nacional? E qual o papel da CMVM nesta alteração de paradigma? Precisam-se respostas, a bem das empresas.
O negócio de capital de risco está dividido em diversas áreas e formas de concretização. Não sendo possível um guião estanque destas matérias, ainda assim, pode dizer-se que, do ponto de vista dos tipos de investidores, as empresas de capital de risco estão genericamente distribuídas em dois grandes grupos: as sociedades de private equity, mais vocacionadas para investimentos em sociedades-alvo maduras, e as estruturas de venture capital, cujo alvo de investimento são, na maioria dos casos, empresas embrionárias ou em fase inicial da sua atividade. Os business angels, frequentemente identificados como investidores de capital de risco, devem ser considerados como fazendo parte do que a doutrina vai denominando de setor informal de capital de risco, na medida em que se trata de investidores individuais (em regra, empresários) que investem os seus conhecimentos, a sua experiência e o seu capital próprio – em montantes consideravelmente inferiores aos investidos pelas capitais de risco – em projetos empresariais, normalmente em fase embrionária ou inicial de atividade, por razões não necessariamente financeiras (designadamente, a empatia com o projeto). Em junho de 2018, as previsões apontavam para que os investimentos de business angels em Portugal atingissem no final do ano os 9 milhões de euros.
No que respeita às modalidades de capital de risco, é frequente a utilização do critério da fase de desenvolvimento do negócio objeto do investimento para a divisão entre “capital de fase inicial ou de instalação” (para as quais as empresas de venture capital, como se disse, estão mais vocacionadas), “capital de desenvolvimento”, destinado a empresas em fase de expansão da atividade e/ou do negócio, e “capital de substituição”, onde se destacam as modalidades de MBO (management buy-out), MBI (management buy-in) e turnaround, entre outras.
O modelo de negócio do capital de risco assenta num ciclo de investimento temporalmente limitado (em regra, entre 5 e 10 anos), e que envolve, genericamente, quatro fases: a fase “preparatória ou exploratória”, de identificação da sociedade target; a “negociação”, tendente ao estabelecimento do quadro contratual associado ao investimento a realizar; o período de “aplicação do programa de investimento”; e, finalmente, o momento da alienação ou do “desinvestimento”.
De acordo com os dados constantes do último Relatório Anual da Atividade de Capital de Risco publicado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e reportado a 2017, operavam no final desse ano, em Portugal, 141 organismos de investimento em capital de risco, divididos em 95 Fundos de Capital de Risco (FCR) e 46 Sociedades de Capital de Risco (SCR).
Nesse ano, foram realizadas 1614 operações de investimento. Contudo, perto de 80% dos ativos sob gestão através de FCR continuava (tal como sucede há largos anos), concentrado em apenas 5 (cinco!) SCR que, em conjunto, são detentoras de 70,7% da quota de mercado global e, assim, controlam o negócio do capital de risco. Alguns Autores justificam esta concentração do mercado com o facto de Portugal apresentar poucas oportunidades de investimentos (à exceção dos turnarounds, muito ativos também por força da crise económica vivida nos últimos anos), não existindo, portanto, um mercado interessante para muitos investidores. A argumentação, todavia, não convence completamente: se o mercado não é interessante, como se justifica o crescimento do número de SCR nos últimos anos? Na verdade, em 2008 eram 21 as SCR registadas junto da CMVM (e eram apenas 41 os FCR), tendo aumentado sustentadamente nos anos seguintes. Por outro lado, o valor sob gestão destes organismos de investimento em capital de risco cresceu e multiplicou-se mais de 4 vezes desde 2008. Ora, havendo mais investidores – mais SCR – e mais ativos, não seria expectável – e desejável – uma maior diluição das quotas de mercado?
Continuando a análise do Relatório Anual da CMVM, constata-se também que, das operações de investimento realizadas, apenas 45% respeitaram a operações sobre participações sociais. Os outros investimentos (designadamente as prestações acessórias, os suprimentos e os empréstimos) assumiram um papel determinante na estratégia de investimento dos organismos de investimento em capital de risco. Mais uma vez, nada de novo: o peso reduzido das participações em capital social nos investimentos deste setor da atividade financeira vem sendo sucessivamente sublinhado pela CMVM como uma situação sintomática e que requer uma reflexão mais profunda sobre a orientação dos investimentos de capital de risco em Portugal, porquanto, como bem assinala a entidade reguladora, “a atuação dos operadores de mercado é mais próxima da atividade bancária (concessão de crédito) do que é característico do capital de risco, isto é, titularidade de direitos residuais de controlo e assunção de riscos acionistas”. Esta subversão da natureza do investimento em capital de risco poderá, todavia, ter subjacente uma justificação estrutural, relacionada com a falta de maturidade da indústria, a ausência de dimensão do mercado português, o caráter eminentemente familiar do tecido empresarial nacional e o facto de Portugal ter assumidamente uma cultura conservadora, adversa ao risco, tudo isso agravado pela conjuntura económica vivida no nosso País na última década, nada convidativa a investimentos pouco garantidos.
Vejamos, finalmente, os dados referentes aos desinvestimentos. Tendo por referência os valores de aquisição, o Relatório Anual da CMVM diz-nos que apenas 16,1% dos desinvestimentos originaram mais-valia para os organismos de investimento em capital de risco, tendo 27,7% das operações sido realizadas com menos-valia (na sua maioria, as realizadas relativamente a investimentos em sociedades em fases start-up, seed capital, early stage e turnaround). Assim, mais de metade (56,2%) das operações de desinvestimento levadas a cabo no último ano constituíram vendas ao preço de aquisição. No entanto, se pensarmos bem, a inexistência de mais-valia poderá, pelo menos no último grupo de casos, apenas aparente, uma vez que ela não toma em linha de conta, designadamente, o valor dos juros pagos pela sociedade target à entidade de capital de risco por grande parte dos outros investimentos realizados por esta (nomeadamente, os suprimentos realizados e os empréstimos concedidos), que ainda constituem a maior fatia dos investimentos realizados pelas SCR, como se viu.
As conclusões do Relatório Anual da CMVM sobre a Atividade de Capital de Risco de 2017 são muito semelhantes às dos anteriores relatórios e vão, no essencial, ao encontro do que acima ficou dito. Por isso, sou tentada a deixar-vos com uma reflexão final, em jeito de provocação: terá Portugal uma verdadeira atividade de capital de risco? Ou ainda é necessário alterar um conjunto de mentalidades, métodos, abordagens e procedimentos para que o investimento em capital de risco possa assumir-se como uma alternativa séria para as empresas, potenciando as vantagens teóricas que possui relativamente ao financiamento bancário e contribuindo efetivamente para o crescimento do tecido empresarial nacional? E qual o papel da CMVM nesta alteração de paradigma? Precisam-se respostas, a bem das empresas.