Objetivos para o mercado do arrendamento não estão a ser alcançados
Os objetivos anunciados para o mercado do arrendamento, tendo em conta as novas regras, não estão a ser alcançados. Por outro lado, existe um desequilíbrio entre a oferta e a procura. Há alterações estruturais no mercado do arrendamento que devem ser tidas em conta também pelos legisladores, defendeu o advogado António Raposo Subtil, coordenador da RSA LP, em entrevista à revista Vida Judiciária. Considera que têm de ser conjugadas as necessidades internas e externas.
Vida Judiciária - Qual o balanço que faz, neste momento, da reforma do mercado do arrendamento? Os objetivos programados estão ser atingidos?
António Raposo Subtil - A evolução do mercado do arrendamento, entendido como mercado de transações de direitos de gozo, tem sido muito significativa, nomeadamente na vertente do alojamento local, da locação empresarial e da oferta de apartamentos turísticos. Naturalmente, se tivermos uma visão restrita da noção do mercado de arrendamento (contratos de arrendamento subordinadas ao regime do Código Civil), só pode ser realçado o aumento das rendas habitacionais e a escassez da oferta, nesse segmento, para satisfazer as necessidades das famílias portuguesas. Neste sentido, os objetivos programados (anunciados) não foram cumpridos.
VJ - O mercado do arrendamento em Portugal não oferece, atualmente, soluções satisfatórias para senhorios e inquilinos, fruto não só do crescente investimento que se tem verificado, como também do aumento do turismo e do alojamento local. Concorda com esta afirmação?
ARS - Como resulta da estatística disponível, o mercado de arrendamento “tradicional” sofreu alterações estruturais muito relevantes, tendo passado a integrar os contratos de alojamento local e a crescente procura turística de imóveis habitacionais. A ocupação de imóveis habitacionais por utentes turistas (alojamento local) ou por colaboradores de empresas estrangeiras (arrendamento empresarial) provocou uma alteração estrutural profunda nas bases do que designávamos como mercado do arrendamento. Hoje, teremos de avaliar a oferta e a procura de imóveis para serem locados numa dimensão mais ampla e complexa, dado que teremos de conjugar necessidades internas (das famílias e empresas portuguesas) e externas (de turistas e empresas estrangeiras que deslocam colaboradores para Portugal), como o grande mercado português da locação, que integra o segmento do mercado do arrendamento tradicional (sujeito às regras do código civil), que se subdivide em mercado habitacional e não habitacional.
VJ - Uma reforma do regime do arrendamento urbano deverá centrar-se na criação de mecanismos que conduzam, efetivamente, ao equilíbrio do mercado. Acha que tal está ser a conseguido?
ARS - Não está a ser conseguido um equilíbrio do tal mercado, quer na dimensão da oferta, quer da contrapartida da locação de imóveis, por não depender do legislador, mas da capacidade de investimento na produção de imóveis aptos a serem locados, sendo de realçar que o aumento do financiamento bancário à aquisição de imóveis, em especial destinados à habitação, provoca um maior desequilíbrio entre a oferta e a procura de imóveis para locação.
VJ - Uma das principais queixas dos senhorios é a carga fiscal, no que diz respeito aos rendimentos prediais e ao imposto municipal sobre imóveis. Que medidas têm sido implementadas para atenuar esta situação?
ARS - Recentemente, foram anunciadas medidas legislativas (e algumas publicadas) destinadas a fomentar a colocação de imóveis no mercado do arrendamento habitacional, cujos resultados ainda não podem ser avaliados. As medidas fiscais têm, por regra, um impacto no médio ou longo prazo, pois a confiança e segurança jurídica têm de ser validadas pelos operadores atuais e investidores potenciais.
Sancionamento dos incumprimentos contratuais
VJ - O que é preciso fazer, efetivamente, para que o arrendamento urbano possa funcionar em pleno?
ARS - Se o Estado garantir que os incumprimentos contratuais são sancionados num prazo reduzido e assumir a responsabilidade pelos eventuais atrasos no funcionamento do sistema coercivo criado para o efeito, nenhum proprietário deixará de lançar no mercado os seus imóveis para serem locados! Tem de existir segurança contratual e só o Estado pode garantir a fluidez da troca “imóvel versus renda”, assegurando que esta transação é de interesse coletivo, em especial na locação para habitação.
VJ - O mercado não corre o risco de atingir valores excessivos, face à procura atual?
ARS - Esse risco já se verifica e, ainda, é tolerável por no início do crescimento das novas modalidades de locação (em particular do alojamento local) existir um stock de imóveis devolutos, em resultado da crise do imobiliário, que provocou uma paragem da construção de prédios novos.
VJ - Como se irá processar o agravamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativamente a prédios devolutos em zonas de pressão urbanística? Qual a intervenção das Câmaras Municipais?
ARS - Se existir um controlo eficaz, poderá provocar um aumento da oferta, mas terão de ser implementadas as restantes medidas legislativas anunciadas/ publicadas.
VJ - Nos casos de assédio por arrendamento, foi estabelecida para o senhorio uma sanção pecuniária de 20 euros por dia, valor que aumenta para 30 euros quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%. Quais os meios processuais previstos para punir os senhorios?
ARS - Uma medida sexy e nada mais! Já existem normas que permitem punir o senhorio pelas violações dos contratos, embora sem preço/ taxa fixa; que na opção do legislador são 20 euros, que podem ser agravados para 30 euros.
Nada mais que a política pura injectada no ADN da legislação do arrendamento, que já estava adulterada ou doente!
VJ – O Balcão do Arrendamento que existe desde 2013 tem morte anunciada. Qual a razão de se alterar um modelo, que, ao que tudo indica, é uma aposta de sucesso, uma vez que o tempo de resposta era de menos seis meses em relação à decisão do tribunal?
ARS - Desconheço as razões do “assassinato premeditado”! Sempre fui crítico do balcão das notificações, que o legislador batizou de Balcão Nacional do Arrendamento, que, apesar de se situar a norte, merece o nome de “Nacional”. Admito que seja uma mudança para sinalizar a intenção de mudança de alguma coisa, mas sem anunciar a alternativa mais viável. Admito que Balcões Municipais operativos e que garantam a tramitação de processos (não só de despejo) num prazo fixo (máximo) seria uma alternativa de aplaudir, que permitiria aos Municípios fazerem a gestão da cidade e cuidar da ocupação dos imóveis destinados à locação, protegendo utilizadores e proprietários; equilibrando o mercado da locação fomentado a oferta e por via da segurança jurídica favorecendo a redução dos preços/rendas.