Últimas alterações ao NRAU: liberdade contratual sofre rude golpe
José M. Raimundo
Advogado, RSA advogados
O contrato de arrendamento urbano, necessariamente reduzido a escrito, resulta de um consenso das partes, sem prejuízo, naturalmente, das regras imperativas a que deve obedecer.
A indicação de um prazo e eventuais períodos de renovação, bem como a determinação, sempre que a lei o permita, das regras relativas à cessação do contrato, assumem um conteúdo essencial do mesmo.
Ora, é exactamente neste âmbito que as últimas alterações ao NRAU, decorrentes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, designadamente as introduzidas nos artigos 1095.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º, 1110.º e 1110.º-A do Código Civil – este último aditado pela referida lei –, apresentam-se com enormes repercussões, na medida em que não só criam novos parâmetros para a definição de modelos contratuais como alteram as regras de um jogo, em muitos casos já iniciado e em curso, ditando diferentes consequências e, por conseguinte, alimentando ou frustrando as legítimas expectativas assumidas anteriormente, consoante a parte contratual em causa.
Para melhor perceber o reflexo de tais alterações, importa, antes de mais, revisitar o regime legal aplicável até à entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.
Nos termos de tal regime, não se impunha qualquer prazo mínimo de vigência dos contratos de arrendamento, fossem habitacionais ou não habitacionais, sendo a liberdade contratual acrescida no caso destes últimos, em virtude do determinado no anterior artigo 1110.º do Código Civil, segundo o qual era conferida às partes total liberdade para definirem as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação automática dos contratos, devendo, na falta de estipulação, atender-se ao regime determinado para o arrendamento habitacional.
Acontece que todo este panorama sofreu um rude golpe, em resultado da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, supra enunciada, a qual se assume, entre as várias alterações ao NRAU, entretanto ocorridas, como a mais impactante, vindo ditar um quadro legal completamente distinto neste campo.
Com efeito, as alterações introduzidas nos artigos do Código Civil atrás referidos trouxeram, para além das habituais dificuldades de interpretação, um novo paradigma, traçando um destino distinto para as relações contratuais constituídas ou a constituir.
Volta a exigir-se um prazo mínimo para os contratos habitacionais, prazo esse de 1 ano, conforme nova redacção do n.º 2 do artigo 1095.º do Código Civil, reintroduzindo-se as figuras, no passado abolidas, do contrato para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios.
Mas as alterações mais pertinentes são as introduzidas aos artigos 1096.º, 1097.º, aplicáveis ao arrendamento habitacional, e aos artigos 1110.º e 1110.º-A, aplicáveis ao arrendamento não habitacional, os quais regulam as matérias relativas à renovação automática, oposição à renovação e denúncia por parte do senhorio.
A primeira dúvida que se coloca prende-se com o alcance da expressão “Salvo estipulação em contrário” constante do n.º 1 do artigo 1096.º. Quererá a mesma significar a possibilidade de se afastar o regime da renovação automática, fazendo caducar o contrato, findo determinado prazo, ou antes a faculdade de livremente se estipularem períodos de renovação distintos do legalmente previsto?
Parece-nos que continua a ser possível afastar a renovação automática, fazendo caducar os contratos, findo o prazo determinado (no caso habitacional, nunca inferior a 1 ano).
Mas a maior dificuldade será a de clarificar qual é afinal o alcance do regime agora estabelecido pelo legislador caso as partes não afastem a renovação automática. Ao passo que na anterior redação o legislador se limitou a referir que o contrato se renovaria por períodos sucessivos de igual duração, introduz agora uma alteração significativa ao mencionar que esses períodos serão de 3 anos caso a duração inicial do contrato fixada pelas partes seja inferior.
Sem prejuízo das diferentes leituras e interpretações que possam resultar de tal norma, parece-nos que o legislador quis aqui impor um período mínimo de renovação, existindo apenas liberdade de estipulação de períodos superiores aos 3 anos.
E chegamos a esta leitura, conjugando o disposto nos artigos 1096.º, n.º 2, e 1097.º, n.º 3.
Se o legislador pretendeu vincular o senhorio a um prazo mínimo de 3 anos, uma vez que a oposição à primeira renovação somente produz efeitos decorridos 3 anos da celebração do contrato, que sentido faria atribuir às partes a prerrogativa de estipularem períodos de renovação inferiores a 3 anos?
Importa evidenciar que no artigo 1097.º, n.º 3, o legislador refere, expressamente, “… oposição à primeira renovação …”, pelo que, na eventualidade de se seguir leitura diversa, no sentido de não se exigirem períodos mínimos de renovação, facilmente contornaria o senhorio o vínculo mínimo de 3 anos imposto pela lei.
Para tanto, bastaria, por exemplo e para um contrato com prazo inicial de 1 ano, acordarem as partes um período de renovação de 1 ano. Neste caso, opondo-se o senhorio à segunda renovação automática apenas estaria obrigado a cumprir 2 anos de contrato, solução que não parece ser a acolhida pelo legislador, atenta a exigência mínima de 3 anos imposta ao senhorio.
No que respeita ao arrendamento não habitacional, caracterizado até há bem pouco tempo por uma quase total liberdade das partes na definição dos modelos contratuais, as alterações agora introduzidas apresentam-se, ainda, com maior dimensão.
Com efeito, a liberdade contratual é substituída por um acervo de normas imperativas, que restringem ou quase suprimem essa mesma liberdade.
Segundo parece resultar da nova redação dos artigos 1110.º e 1110.º-A, a liberdade das partes encontra-se limitada à definição de um prazo inicial, que, como veremos, apresenta, igualmente, especificidades consideráveis, em virtude do período mínimo a que o senhorio se encontra vinculado e na indicação dos pré-avisos a respeitar pelas partes para efeitos de comunicação da oposição à renovação automática.
Em sintonia com o acima referido a propósito do arrendamento habitacional, também o legislador parece ter, nos termos do atual artigo 1110.º, n.º 3, determinado um período de renovação imperativo, neste caso, de 5 anos.
As limitações à liberdade contratual não se ficam por aqui, uma vez que o legislador obriga, também, o senhorio ao cumprimento de um prazo mínimo de 5 anos, conforme artigo 1110.º, n.º 4, segundo o qual: “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”.
Não podemos deixar de evidenciar a diferença de redação que se verifica entre o aludido n.º 4 e o n.º 3 do artigo 1097.º, aplicável ao arrendamento habitacional.
Partindo do princípio de que o legislador não legisla inocuamente, somos levados a concluir que pretendeu soluções distintas em função do tipo contratual em causa. Ao passo que no arrendamento habitacional a oposição à primeira renovação apenas produz efeitos ao fim de 3 anos contados do início de vigência do contrato, no arrendamento não habitacional essa mesma oposição só é possível decorridos 5 anos.
Ora, esta situação poderá ter consequências bastante relevantes em termos de durabilidade do contrato, designadamente no que ao senhorio diz respeito. Em bom rigor, caso as partes estipulem um prazo inicial de 5 anos ficará o senhorio obrigado a cumprir 10 anos de contrato, uma vez que a lei parece determinar imperativamente períodos de renovação de 5 anos.
Importa não esquecer que a denúncia dos contratos não habitacionais, anteriormente de livre determinação das partes, encontra-se, face ao novo artigo 1110.º-A, praticamente afastada, sendo o aditamento desta norma mais uma evidente constatação de que a liberdade contratual foi fortemente amputada.
Com efeito, a denúncia de um contrato não habitacional somente será possível nas situações previstas nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º do Código Civil, ou seja, para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos ou comunicada com um pré-aviso mínimo de 5 anos, obrigando o senhorio “a indemnizar separadamente o arrendatário e os trabalhadores do estabelecimento pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato de arrendamento”.
Parece claro que o objetivo prosseguido pelo legislador com as alterações introduzidas é o de criar uma maior estabilidade dos contratos em vigor e futuros. Contudo, as sucessivas alterações ao NRAU, mais ainda quando das mesmas resultam regimes tão restritivos da liberdade das partes, são, certamente, geradoras de um incómodo e desconfiança nos atores principais, os quais poderão ter alguma renitência em manter os atuais vínculos ou mesmo em celebrar novos contratos.
O quadro mental e contratual enraizado nos últimos anos acaba por ruir, exigindo-se agora às partes um período de adaptação a estas novas regras, que, para além de complexas, definem uma realidade jurídica completamente distinta, para não dizer oposta, da anterior.
Consequentemente, estas alterações não só frustram expectativas criadas como atestam que o NRAU tem vivido de tudo, menos de estabilidade, alterações essas que serão, certamente, alvo de acentuado debate nos próximos tempos e que poderão, eventualmente, contribuir para uma estagnação ou retrocesso no mercado do arrendamento urbano, falhando-se por completo o objetivo anteriormente delineado no sentido da dinamização desse mesmo mercado.
A indicação de um prazo e eventuais períodos de renovação, bem como a determinação, sempre que a lei o permita, das regras relativas à cessação do contrato, assumem um conteúdo essencial do mesmo.
Ora, é exactamente neste âmbito que as últimas alterações ao NRAU, decorrentes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, designadamente as introduzidas nos artigos 1095.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º, 1110.º e 1110.º-A do Código Civil – este último aditado pela referida lei –, apresentam-se com enormes repercussões, na medida em que não só criam novos parâmetros para a definição de modelos contratuais como alteram as regras de um jogo, em muitos casos já iniciado e em curso, ditando diferentes consequências e, por conseguinte, alimentando ou frustrando as legítimas expectativas assumidas anteriormente, consoante a parte contratual em causa.
Para melhor perceber o reflexo de tais alterações, importa, antes de mais, revisitar o regime legal aplicável até à entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.
Nos termos de tal regime, não se impunha qualquer prazo mínimo de vigência dos contratos de arrendamento, fossem habitacionais ou não habitacionais, sendo a liberdade contratual acrescida no caso destes últimos, em virtude do determinado no anterior artigo 1110.º do Código Civil, segundo o qual era conferida às partes total liberdade para definirem as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação automática dos contratos, devendo, na falta de estipulação, atender-se ao regime determinado para o arrendamento habitacional.
Acontece que todo este panorama sofreu um rude golpe, em resultado da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, supra enunciada, a qual se assume, entre as várias alterações ao NRAU, entretanto ocorridas, como a mais impactante, vindo ditar um quadro legal completamente distinto neste campo.
Com efeito, as alterações introduzidas nos artigos do Código Civil atrás referidos trouxeram, para além das habituais dificuldades de interpretação, um novo paradigma, traçando um destino distinto para as relações contratuais constituídas ou a constituir.
Volta a exigir-se um prazo mínimo para os contratos habitacionais, prazo esse de 1 ano, conforme nova redacção do n.º 2 do artigo 1095.º do Código Civil, reintroduzindo-se as figuras, no passado abolidas, do contrato para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios.
Mas as alterações mais pertinentes são as introduzidas aos artigos 1096.º, 1097.º, aplicáveis ao arrendamento habitacional, e aos artigos 1110.º e 1110.º-A, aplicáveis ao arrendamento não habitacional, os quais regulam as matérias relativas à renovação automática, oposição à renovação e denúncia por parte do senhorio.
A primeira dúvida que se coloca prende-se com o alcance da expressão “Salvo estipulação em contrário” constante do n.º 1 do artigo 1096.º. Quererá a mesma significar a possibilidade de se afastar o regime da renovação automática, fazendo caducar o contrato, findo determinado prazo, ou antes a faculdade de livremente se estipularem períodos de renovação distintos do legalmente previsto?
Parece-nos que continua a ser possível afastar a renovação automática, fazendo caducar os contratos, findo o prazo determinado (no caso habitacional, nunca inferior a 1 ano).
Mas a maior dificuldade será a de clarificar qual é afinal o alcance do regime agora estabelecido pelo legislador caso as partes não afastem a renovação automática. Ao passo que na anterior redação o legislador se limitou a referir que o contrato se renovaria por períodos sucessivos de igual duração, introduz agora uma alteração significativa ao mencionar que esses períodos serão de 3 anos caso a duração inicial do contrato fixada pelas partes seja inferior.
Sem prejuízo das diferentes leituras e interpretações que possam resultar de tal norma, parece-nos que o legislador quis aqui impor um período mínimo de renovação, existindo apenas liberdade de estipulação de períodos superiores aos 3 anos.
E chegamos a esta leitura, conjugando o disposto nos artigos 1096.º, n.º 2, e 1097.º, n.º 3.
Se o legislador pretendeu vincular o senhorio a um prazo mínimo de 3 anos, uma vez que a oposição à primeira renovação somente produz efeitos decorridos 3 anos da celebração do contrato, que sentido faria atribuir às partes a prerrogativa de estipularem períodos de renovação inferiores a 3 anos?
Importa evidenciar que no artigo 1097.º, n.º 3, o legislador refere, expressamente, “… oposição à primeira renovação …”, pelo que, na eventualidade de se seguir leitura diversa, no sentido de não se exigirem períodos mínimos de renovação, facilmente contornaria o senhorio o vínculo mínimo de 3 anos imposto pela lei.
Para tanto, bastaria, por exemplo e para um contrato com prazo inicial de 1 ano, acordarem as partes um período de renovação de 1 ano. Neste caso, opondo-se o senhorio à segunda renovação automática apenas estaria obrigado a cumprir 2 anos de contrato, solução que não parece ser a acolhida pelo legislador, atenta a exigência mínima de 3 anos imposta ao senhorio.
No que respeita ao arrendamento não habitacional, caracterizado até há bem pouco tempo por uma quase total liberdade das partes na definição dos modelos contratuais, as alterações agora introduzidas apresentam-se, ainda, com maior dimensão.
Com efeito, a liberdade contratual é substituída por um acervo de normas imperativas, que restringem ou quase suprimem essa mesma liberdade.
Segundo parece resultar da nova redação dos artigos 1110.º e 1110.º-A, a liberdade das partes encontra-se limitada à definição de um prazo inicial, que, como veremos, apresenta, igualmente, especificidades consideráveis, em virtude do período mínimo a que o senhorio se encontra vinculado e na indicação dos pré-avisos a respeitar pelas partes para efeitos de comunicação da oposição à renovação automática.
Em sintonia com o acima referido a propósito do arrendamento habitacional, também o legislador parece ter, nos termos do atual artigo 1110.º, n.º 3, determinado um período de renovação imperativo, neste caso, de 5 anos.
As limitações à liberdade contratual não se ficam por aqui, uma vez que o legislador obriga, também, o senhorio ao cumprimento de um prazo mínimo de 5 anos, conforme artigo 1110.º, n.º 4, segundo o qual: “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”.
Não podemos deixar de evidenciar a diferença de redação que se verifica entre o aludido n.º 4 e o n.º 3 do artigo 1097.º, aplicável ao arrendamento habitacional.
Partindo do princípio de que o legislador não legisla inocuamente, somos levados a concluir que pretendeu soluções distintas em função do tipo contratual em causa. Ao passo que no arrendamento habitacional a oposição à primeira renovação apenas produz efeitos ao fim de 3 anos contados do início de vigência do contrato, no arrendamento não habitacional essa mesma oposição só é possível decorridos 5 anos.
Ora, esta situação poderá ter consequências bastante relevantes em termos de durabilidade do contrato, designadamente no que ao senhorio diz respeito. Em bom rigor, caso as partes estipulem um prazo inicial de 5 anos ficará o senhorio obrigado a cumprir 10 anos de contrato, uma vez que a lei parece determinar imperativamente períodos de renovação de 5 anos.
Importa não esquecer que a denúncia dos contratos não habitacionais, anteriormente de livre determinação das partes, encontra-se, face ao novo artigo 1110.º-A, praticamente afastada, sendo o aditamento desta norma mais uma evidente constatação de que a liberdade contratual foi fortemente amputada.
Com efeito, a denúncia de um contrato não habitacional somente será possível nas situações previstas nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º do Código Civil, ou seja, para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos ou comunicada com um pré-aviso mínimo de 5 anos, obrigando o senhorio “a indemnizar separadamente o arrendatário e os trabalhadores do estabelecimento pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato de arrendamento”.
Parece claro que o objetivo prosseguido pelo legislador com as alterações introduzidas é o de criar uma maior estabilidade dos contratos em vigor e futuros. Contudo, as sucessivas alterações ao NRAU, mais ainda quando das mesmas resultam regimes tão restritivos da liberdade das partes, são, certamente, geradoras de um incómodo e desconfiança nos atores principais, os quais poderão ter alguma renitência em manter os atuais vínculos ou mesmo em celebrar novos contratos.
O quadro mental e contratual enraizado nos últimos anos acaba por ruir, exigindo-se agora às partes um período de adaptação a estas novas regras, que, para além de complexas, definem uma realidade jurídica completamente distinta, para não dizer oposta, da anterior.
Consequentemente, estas alterações não só frustram expectativas criadas como atestam que o NRAU tem vivido de tudo, menos de estabilidade, alterações essas que serão, certamente, alvo de acentuado debate nos próximos tempos e que poderão, eventualmente, contribuir para uma estagnação ou retrocesso no mercado do arrendamento urbano, falhando-se por completo o objetivo anteriormente delineado no sentido da dinamização desse mesmo mercado.