Alojamento local – uma dinâmica com vantagens e responsabilidades
José Manuel Silva Nunes
Associado Sénior
Conforme é do conhecimento geral, a atividade do alojamento local tem trazido diversos benefícios e externalidades positivas para as cidades portuguesas de maior dimensão (principalmente, Porto e Lisboa), assim como para os principais centros turístico-balneares (no Algarve, em geral), contribuindo, ademais, de forma muito relevante, para a reabilitação do edificado, melhoria das condições de conservação dos imóveis e rentabilização dos ativos imobiliários. Enquanto atividade económica, tem ainda sido um motor de geração de emprego e criação/dinamização de sociedades comerciais que se dedicam à compra, construção, reabilitação ou arrendamento de imóveis para a realização de atividades de alojamento local.
Como em quase todas as situações em que existem efeitos e externalidades positivas – como é o caso do alojamento local – e em que muitos setores da sociedade civil saem beneficiados, existem igualmente efeitos negativos que podem prejudicar interesses ou posições antes estabilizadas. Referimo-nos, em particular, aos seguintes: (i) alteração substancial da dinâmica social das áreas históricas das cidades, com modificação estrutural do tipo de habitantes (grande parte dos quais passam a ser estrangeiros residentes ou turistas que frequentam essas áreas sazonalmente), costumes e práticas comerciais; e (ii) dificuldade de acesso à habitação nos centros das cidades por preços inadequados ao rendimento médio dos cidadãos portugueses (tanto do ponto de vista da compra como do arrendamento).
Com o objetivo de preservar a realidade social dos bairros e lugares, o legislador aprovou, através da Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto, um sistema (que consta especificamente do artigo 15.º-A do Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local – o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto), que permite que as câmaras municipais aprovem, por regulamento e com deliberação fundamentada, a existência de áreas de contenção, por freguesia, no todo ou em parte, para a instalação de novo alojamento local, podendo impor limites relativos ao número de estabelecimentos de alojamento no território em questão e, inclusive, considerar limites percentuais em proporção dos imóveis disponíveis para habitação.
Salvo melhor opinião, entendemos que o legislador pretendeu principalmente atenuar e combater os efeitos negativos relacionados com a alteração substancial da dinâmica social de áreas históricas, respetivos habitantes, costumes e práticas comerciais – não tendo indicado especificamente no referido artigo 15.º-A a possibilidade de criação de áreas de contenção para proteção própria do direito à habitação (embora tal direito possa ser beneficiado, direta ou indiretamente, com a criação dessas áreas).
A criação de tal sistema de contenção (que, conforme se indicou acima, depende de regulamento e deliberação fundamentada da câmara municipal territorialmente competente), quando implementado numa determinada área, irá traduzir a criação de restrições ao direito de propriedade privada (relativamente aos bens imóveis localizados nessas áreas). E quais são, então, os direitos de valor superior (isto é, relacionados com “a realidade social dos bairros e lugares”) a que o legislador pretendeu dar preferência para permitir a restrição do direito de propriedade? Entendemos que estará principalmente em causa a proteção do ambiente e qualidade de vida (latu sensu) das pessoas residentes nessas áreas, em conformidade com uma lógica de «correta localização das atividades», «equilibrado desenvolvimento socioeconómico» e promoção da «qualidade ambiental das povoações e da via urbana» (em conformidade com o artigo n.º 66.º, n.º 2, alíneas b) e e), da Constituição da República Portuguesa). Sem prejuízo do indicado, entendemos, igualmente, que no conceito de «realidade social dos bairros e lugares» se deve também considerar incluída uma componente do direito à habitação, a qual é própria ao conceito de realidade social – viver num determinado local deve ser considerado um elemento imanente e essencial ao conceito de realidade social.
Como pontos fundamentais do referido sistema de contenção, destacamos os seguintes: (a) a aprovação de áreas de contenção concretas traduz(irá) a criação de restrições ao direito de propriedade privada, as quais deverão, por conseguinte, assentar numa base e fundamentação adequada e proporcional (designadamente, porque sem uma correta fundamentação não será possível pesar a restrição do direito de propriedade em benefício de outros direitos constitucionalmente protegidos); (b) as áreas em questão devem ser reavaliadas de 2 em 2 anos, devendo tais conclusões ser comunicadas ao Turismo de Portugal, I.P. (entendemos que a monitorização das áreas de contenção a nível nacional poderá e deverá ser realizada pelo Turismo de Portugal, I.P., como ferramenta de controlo e estudo para melhorar o sistema); (c) a instalação de novos estabelecimentos de alojamento local em áreas de contenção carece de autorização expressa da competente câmara municipal.
A propósito do indicado em (c), entendemos (sem prejuízo do que venha a ser aprovado pelas diferentes câmaras municipais nos relevantes regulamentos) que a autorização para instalação de (novos) estabelecimentos em áreas de contenção deverá obedecer a critérios claros e muito seguros, por forma a que não se criem situações de desigualdade entre pessoas/entidades que solicitem tal instalação. A este nível, deixamos a nota de que consideramos preferível a criação de um sistema de “lista de espera” (“first come first served”), por contraste com um sistema que permita a atribuição de autorizações ad hoc, designadamente, com fundamento em razões de interesse municipal ou público especificamente fundamentadas (isto porque este último tipo de procedimentos e aberturas são mais aptos a criar injustiças de mercado).
Por último, damos nota de que somos totalmente a favor das atividades de alojamento local em geral, considerando, no entanto, que essas mesmas atividades ainda carecem de uma regulação mais definida e específica para acautelar os vários interesses em presença (sobretudo, devido à dimensão económico-financeira que representam e ao impacto que geram na sociedade civil). Uma possibilidade que poderá merecer consideração e pensamento no futuro será a criação de áreas estritamente residenciais, nas quais o alojamento local não seria permitido “tout court”.
Como em quase todas as situações em que existem efeitos e externalidades positivas – como é o caso do alojamento local – e em que muitos setores da sociedade civil saem beneficiados, existem igualmente efeitos negativos que podem prejudicar interesses ou posições antes estabilizadas. Referimo-nos, em particular, aos seguintes: (i) alteração substancial da dinâmica social das áreas históricas das cidades, com modificação estrutural do tipo de habitantes (grande parte dos quais passam a ser estrangeiros residentes ou turistas que frequentam essas áreas sazonalmente), costumes e práticas comerciais; e (ii) dificuldade de acesso à habitação nos centros das cidades por preços inadequados ao rendimento médio dos cidadãos portugueses (tanto do ponto de vista da compra como do arrendamento).
Com o objetivo de preservar a realidade social dos bairros e lugares, o legislador aprovou, através da Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto, um sistema (que consta especificamente do artigo 15.º-A do Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local – o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto), que permite que as câmaras municipais aprovem, por regulamento e com deliberação fundamentada, a existência de áreas de contenção, por freguesia, no todo ou em parte, para a instalação de novo alojamento local, podendo impor limites relativos ao número de estabelecimentos de alojamento no território em questão e, inclusive, considerar limites percentuais em proporção dos imóveis disponíveis para habitação.
Salvo melhor opinião, entendemos que o legislador pretendeu principalmente atenuar e combater os efeitos negativos relacionados com a alteração substancial da dinâmica social de áreas históricas, respetivos habitantes, costumes e práticas comerciais – não tendo indicado especificamente no referido artigo 15.º-A a possibilidade de criação de áreas de contenção para proteção própria do direito à habitação (embora tal direito possa ser beneficiado, direta ou indiretamente, com a criação dessas áreas).
A criação de tal sistema de contenção (que, conforme se indicou acima, depende de regulamento e deliberação fundamentada da câmara municipal territorialmente competente), quando implementado numa determinada área, irá traduzir a criação de restrições ao direito de propriedade privada (relativamente aos bens imóveis localizados nessas áreas). E quais são, então, os direitos de valor superior (isto é, relacionados com “a realidade social dos bairros e lugares”) a que o legislador pretendeu dar preferência para permitir a restrição do direito de propriedade? Entendemos que estará principalmente em causa a proteção do ambiente e qualidade de vida (latu sensu) das pessoas residentes nessas áreas, em conformidade com uma lógica de «correta localização das atividades», «equilibrado desenvolvimento socioeconómico» e promoção da «qualidade ambiental das povoações e da via urbana» (em conformidade com o artigo n.º 66.º, n.º 2, alíneas b) e e), da Constituição da República Portuguesa). Sem prejuízo do indicado, entendemos, igualmente, que no conceito de «realidade social dos bairros e lugares» se deve também considerar incluída uma componente do direito à habitação, a qual é própria ao conceito de realidade social – viver num determinado local deve ser considerado um elemento imanente e essencial ao conceito de realidade social.
Como pontos fundamentais do referido sistema de contenção, destacamos os seguintes: (a) a aprovação de áreas de contenção concretas traduz(irá) a criação de restrições ao direito de propriedade privada, as quais deverão, por conseguinte, assentar numa base e fundamentação adequada e proporcional (designadamente, porque sem uma correta fundamentação não será possível pesar a restrição do direito de propriedade em benefício de outros direitos constitucionalmente protegidos); (b) as áreas em questão devem ser reavaliadas de 2 em 2 anos, devendo tais conclusões ser comunicadas ao Turismo de Portugal, I.P. (entendemos que a monitorização das áreas de contenção a nível nacional poderá e deverá ser realizada pelo Turismo de Portugal, I.P., como ferramenta de controlo e estudo para melhorar o sistema); (c) a instalação de novos estabelecimentos de alojamento local em áreas de contenção carece de autorização expressa da competente câmara municipal.
A propósito do indicado em (c), entendemos (sem prejuízo do que venha a ser aprovado pelas diferentes câmaras municipais nos relevantes regulamentos) que a autorização para instalação de (novos) estabelecimentos em áreas de contenção deverá obedecer a critérios claros e muito seguros, por forma a que não se criem situações de desigualdade entre pessoas/entidades que solicitem tal instalação. A este nível, deixamos a nota de que consideramos preferível a criação de um sistema de “lista de espera” (“first come first served”), por contraste com um sistema que permita a atribuição de autorizações ad hoc, designadamente, com fundamento em razões de interesse municipal ou público especificamente fundamentadas (isto porque este último tipo de procedimentos e aberturas são mais aptos a criar injustiças de mercado).
Por último, damos nota de que somos totalmente a favor das atividades de alojamento local em geral, considerando, no entanto, que essas mesmas atividades ainda carecem de uma regulação mais definida e específica para acautelar os vários interesses em presença (sobretudo, devido à dimensão económico-financeira que representam e ao impacto que geram na sociedade civil). Uma possibilidade que poderá merecer consideração e pensamento no futuro será a criação de áreas estritamente residenciais, nas quais o alojamento local não seria permitido “tout court”.