Alterações legislativas constantes “esmagam” empresas de contabilidade
A atual situação do mercado das empresas de contabilidade, sobretudo devido às constantes alterações legislativas, é critica. A tal situação acresce um constante sobressalto quanto aos prazos de entrega das declarações fiscais e contabilísticas. A que acresce o facto de as empresas de contabilidade se terem transformado sobretudo em entidades ao serviço da Autoridade Tributária, lamenta Paula Santos, presidente da APECA, em entrevista à “Contabilidade & Empresas”. Para tornar tudo ainda mais complicado, existe também concorrência desleal, o que contribui para a clara desregulação do mercado.
Contabilidade & Empresas - Como carateriza a atual situação do mercado das empresas de contabilidade?
Paula Santos - O mercado atual das empresas de contabilidade está caótico. As alterações legislativas constantes, que implicam novas exigências informáticas, estão a conduzir as empresas de contabilidade a alterações profundas na sua organização e estrutura, o que não é suportável para muitas delas, que vivem de pequenas avenças de empresários em nome individual e de microempresas para quem a contabilidade se reduz ao cumprimento de obrigações fiscais e parafiscais. Estamos a viver uma verdadeira revolução contabilística, que cria um horizonte muito incerto sobre o futuro das empresas de contabilidade. E isto deve-se, essencialmente, à falta de um mínimo de estabilidade legislativa, que conduz a uma incerteza permanente que não permite uma gestão sequer de curto prazo, implicando um periclitante navegar à vista.
C&E – Em termos mais concretos, quais os principais problemas que se colocam à vossa atividade?
PS - As empresas de contabilidade vivem em permanente sobressalto com o cumprimento dos prazos declarativos, fruto de um calendário fiscal apertado, que mal permite um apertado período de gozo de férias, com a duplicação de informação que lhes é exigida, e com sobrecarga de obrigações fiscais que, nos últimos anos, conheceu um acentuado aumento. Atualmente, as empresas de contabilidade e os contabilistas certificados ao seu serviço estão, essencialmente, ao serviço da AT e não dos seus clientes, conforme deveria ser, com a agravante de não serem remunerados por todo o trabalho que é prestado ao Estado que, assim, dispensa funcionários e, como corolário de tudo isto, sobrecarrega cada vez mais as empresas de contabilidade, além de amordaçar os contabilistas certificados com responsabilidades inexplicáveis, inexistentes em qualquer outra atividade profissional, o que se traduz no não reconhecimento do mérito do nosso relevante trabalho em prol do Estado.
Acresce que os nossos clientes não estão sensíveis a estas exigências, não se mostrando dispostos à atualização das avenças face ao volumoso acréscimo de obrigações declarativas, com todo o trabalho e investimento que lhe está subjacente, mas que, na realidade, em nada os beneficia, mas apenas o Estado e, concretamente, a Autoridade Tributária.
C&E - A concorrência não é excessiva?
PS - A concorrência, além de excessiva, é muitas vezes desleal, não havendo união entre os profissionais, o que contribui para uma certa desregulação do mercado da contabilidade, nomeadamente em termos de honorários praticados que, por vezes, aviltam a profissão. Pior ainda quando os honorários aviltantes são praticados por associações empresariais que, incumprindo as normas legais e vulgarizando procedimentos que deveriam ser exigentes, não dignificam a contabilidade. Honorários indignos não podem dignificar a profissão, até porque não permitem exercê-la com o zelo, a competência e o rigoroso cumprimentos das normas contabilísticas, legais, estatutárias e deontológicas.
Formação é essencial
C&E - As empresas de contabilidade têm conseguido adaptar-se às novas exigências legislativas e informáticas?
PS - Os colaboradores das empresas de contabilidade, fruto da numerosa formação que frequentam, organizada pela Apeca, sempre atenta às necessidades formativas dos seus associados, e baseados nas informações técnicas do consultório também da Apeca, acabam por estar atentas e instruídos sobre as necessidades desta atividade. Acresce ainda a informação constante dos livros de caráter técnico que a Apeca oferece aos seus associados. A formação e a informação custam muito dinheiro e exigem uma grande disponibilidade de tempo de que os colaboradores das empresas de contabilidade não dispõem, face ao volume e complexidade crescentes das obrigações a que estão sujeitos.
Por outro lado, os programas informáticos das empresas de contabilidade facilmente ficam desatualizados, face às constantes alterações legislativas, o mesmo acontecendo com o hardware, o que implica mais investimento na aquisição de programas adequados à parametrização dos elementos do ficheiro do SAF-T, com os consequentes e avultados gastos, a que acrescem mais custos formativos nesta área, que também não é possível refletir em acréscimo das avenças cobradas aos clientes pelos motivos já indicados.
Trata-se, por isso, de mais um investimento avultado que terá de ser suportado pelas empresas de contabilidade e a que o legislador é insensível.
C&E – E quanto ao SAF-T?
PS - A produção do ficheiro do SAF-T da contabilidade constitui uma profunda alteração de métodos e procedimentos contabilísticos, que implicam uma forte familiarização com as ferramentas informáticas, com os necessários investimentos em software e em formação, traduzindo-os numa verdadeira “revolução contabilística”. Ao contabilista certificado não bastam já os conhecimentos contabilísticos e fiscais, exigindo-se, agora, também vastos conhecimentos informáticos, sob pena de poder cair em inadvertido incumprimento, com as consequências inerentes. Esta “revolução contabilística” exige estudo, formação, familiarização com as ferramentas informáticas e com o sistema, não se compadecendo com uma aplicação global e imediata, que vai implicar erros e incumprimentos desnecessários, causando dúvidas, incertezas e perplexidades a quem quer cumprir mas, involuntariamente, se vê enredado nas malhas do incumprimento.
Alterações são constantes
C&E - Qual a sua opinião relativamente à política fiscal e contabilística que tem sido seguida por este Governo?
PS - Como foi já referido, um dos grandes problemas com que se debatem as empresas de contabilidade é a falta de estabilidade legislativa. Como se já não bastassem as normais alterações legislativas fiscais constantes de cada Orçamento de Estado – não há Orçamento de Estado que se preze que não traga alterações em todos os Códigos Fiscais e em inúmera legislação fiscal e parafiscal —, ocorrem ainda, ao longo do ano, outras alterações avulsas, o que implica uma constante necessidade de mutação de métodos, procedimentos, investimentos e formação, um custo elevado que não tem sido possível repercutir nos honorários pagos pelos clientes, que não compreendem todo este acréscimo declarativo que, no fundo, não o serve, beneficiando apenas o Estado.
Acresce que o legislador, muitas vezes, altera legislação sem ter em conta o tecido empresarial que constitui o seu campo de aplicação, parecendo, por vezes, desconhecer a realidade. Além disso e frequentemente, a legislação é dúbia e confusa, constituindo uma fonte de incerteza na sua aplicação. Quantas vezes a própria AT tem dúvidas na aplicação da lei ou opina num determinado sentido e, mais tarde, através do chamado “Direito circulado”, fixa orientação diferente, sancionando incumprimentos que antes o não eram, deixando os contabilistas e as empresas de contabilidade numa situação difícil perante o cliente, que não compreende esta situação de indefinição e, muito menos, as coimas aplicadas, que repercute na empresa de contabilidade. Se há coima, a culpa é do contabilista, afirmam.
Uma estabilidade fiscal associada a uma mais cuidada legislação, clara e de fácil aplicação traduzir-se-ia num grande benefício para as empresas de contabilidade e para a sua estabilidade organizativa e funcional.
C&E – Voltando ao SAF-T, o mesmo está a causar polémica. Justifica-se este novo regime?
PS - Na minha opinião, nada justifica este novo regime, principalmente nos moldes em que está a ser exigido. O SAF-T já existe há vários anos, embora em moldes diferentes, sendo disponibilizado sempre que solicitado. A submissão do novo SAF-T da contabilidade, criado com o objetivo de simplificação da IES/DA, permitindo o seu pré-preenchimento parcial, longe de alcançar tal finalidade, veio criar um vasto conjunto de dificuldades não só para os sujeitos passivos, que ainda não se aperceberam desta exigência, como sobretudo para as empresas de contabilidade e para os contabilistas certificados (CC) ao seu serviço.
É pouco compreensível, por ilógica, a quantidade e especificidade da informação que, com a submissão do ficheiro SAF-T, nos termos atualmente exigidos, passa a estar na esfera da AT, sendo certo que se trata de informação muitas vezes sensível e vulnerável, de carácter pessoal, que, sendo indevida ou maliciosamente acedida, para fins não tributários, pode destruir as empresas. E muito embora não se questionem os meios internos da AT de controlo de acesso a tais dados, o certo é que, repetidamente, são noticiados casos de venda de informação de que a AT é depositária, o que deixa muita apreensão e perplexidade aos sujeitos passivos. Daí considerar-se excessivo que do ficheiro SAF-T conste toda a estrutura contabilística (data de ficheiros, diários, contas correntes, clientes), cujo interesse fiscal não se vislumbra, julgando-se serem suficientes apenas os saldos das contas.
Acresce que, presentemente, são muitas e generalizadas as preocupações, dúvidas, incertezas e dificuldades sentidas pelas empresas da contabilidade e pelos contabilistas certificados, que pretendem dar cabal cumprimento à lei mas não sabem ainda como a cumprir. Além de que, neste momento e face à última posição da Assembleia da República sobre o SAF-T, em que a Apeca foi ouvida, aumentou a incerteza sobre as exigências do SAF-T, pelo que se aguarda a publicação de nova legislação.
Ainda há oportunidades
C&E – Ainda que num contexto de dificuldades, quais as oportunidades que se abrem às empresas de contabilidade?
PS - Face ao que acima foi referido, neste momento paira um horizonte sombrio sobre as empresas de contabilidade. A sobrecarga fiscal é tanta que há pouca disponibilidade para aproveitar novas oportunidades. No entanto, há que confiar que a estabilidade fiscal acabará por surgir e com a padronização de certos procedimentos e a consciencialização dos empresários de que a contabilidade é essencial para a gestão e para a rentabilização do negócio, surgirão oportunidades de negócio. As empresas de contabilidade têm futuro muito embora tenham que racionalizar procedimentos e alterar métodos de trabalho, fruto das alterações fiscais ocorridas e a ocorrer no futuro próximo. As empresas de contabilidade terão de estar preparadas para os novos desafios que se avizinham, também fruto da era da digitalização já em curso.
C&E - Qual o papel da APECA e qual a sua estratégia atual?
PS - A apeca foi constituída com o objetivo principal de promover e defender os legítimos interesses e direitos das empresas de contabilidade e administração, o seu prestígio e dignificação, para além do desenvolvimento de um espírito de solidariedade e apoio recíproco entre os seus associados. Este é, e será sempre, o papel da nossa associação. Neste sentido, temos vindo a fazer ouvir a nossa voz, muitas vezes de modo discreto mas com a energia necessária, junto dos poderes instituídos tentando sensibilizá-los para uma realidade que sabemos que desconhecem, só assim se compreendendo algumas alterações legais. A estratégia da APECA passa por fazer ouvir-se junto de quem tem o poder legislativo no sentido de procurar minimizar os efeitos negativos do complexo de obrigações que no dia-a-dia são exigidas aos seus associados.
C&E - Como está a política de honorários?
PS - Continuamos sem ver o nosso trabalho reconhecido pela maioria dos clientes, o que atualmente é mais sentido face a todo o acréscimo de trabalho que temos, fruto das exigências da AT e que não é recompensado.
O contabilista continua a ser visto como aquele que pode esperar para receber, muito embora seja ele o responsável pela justa arrecadação dos impostos, o que também não é reconhecido pela AT. O prestígio da profissão passa também pela dignificação dos honorários. A política de baixos honorários está condenada ao fracasso.
C&E - Qual a vossa opinião sobre a necessidade da administração pública recorrer aos profissionais da contabilidade?
PS - Não se percebe o motivo pelo qual a administração pública não está obrigada a dispor de contabilistas certificados. Se houvesse essa exigência legal, muitos dos problemas que, por vezes, são veiculados na imprensa não aconteceriam. É um facto comummente reconhecido, não se percebendo, por isso, a retração política em avançar com a obrigatoriedade dos profissionais da contabilidade no setor público, tal como acontece com o sector privado.
C&E - Estão satisfeitos com o desempenho da atual direção da OCC, enquanto entidade reguladora da profissão?
PS - A atual direção da OCC tem feito o papel que lhe cabe, na medida em que se empenha na regulamentação da profissão. A APECA é uma associação empresarial, que sempre fez questão de manter a sua identidade na prossecução dos seus fins, trilhando o seu caminho e tendo a sua própria voz. Obviamente que todas as instituições privadas com ligação à contabilidade e à fiscalidade partilham dos mesmos problemas e angústias e, por isso, a APECA não vive isolada. Pelo contrário, está ao lado dos seus parceiros na defesa daquilo que considera ser o interesse dos seus Associados, que se reveem na sua Associação, a que voluntariamente aderiram e que nela permanecem por reconhecerem o seu mérito.
Paula Santos - O mercado atual das empresas de contabilidade está caótico. As alterações legislativas constantes, que implicam novas exigências informáticas, estão a conduzir as empresas de contabilidade a alterações profundas na sua organização e estrutura, o que não é suportável para muitas delas, que vivem de pequenas avenças de empresários em nome individual e de microempresas para quem a contabilidade se reduz ao cumprimento de obrigações fiscais e parafiscais. Estamos a viver uma verdadeira revolução contabilística, que cria um horizonte muito incerto sobre o futuro das empresas de contabilidade. E isto deve-se, essencialmente, à falta de um mínimo de estabilidade legislativa, que conduz a uma incerteza permanente que não permite uma gestão sequer de curto prazo, implicando um periclitante navegar à vista.
C&E – Em termos mais concretos, quais os principais problemas que se colocam à vossa atividade?
PS - As empresas de contabilidade vivem em permanente sobressalto com o cumprimento dos prazos declarativos, fruto de um calendário fiscal apertado, que mal permite um apertado período de gozo de férias, com a duplicação de informação que lhes é exigida, e com sobrecarga de obrigações fiscais que, nos últimos anos, conheceu um acentuado aumento. Atualmente, as empresas de contabilidade e os contabilistas certificados ao seu serviço estão, essencialmente, ao serviço da AT e não dos seus clientes, conforme deveria ser, com a agravante de não serem remunerados por todo o trabalho que é prestado ao Estado que, assim, dispensa funcionários e, como corolário de tudo isto, sobrecarrega cada vez mais as empresas de contabilidade, além de amordaçar os contabilistas certificados com responsabilidades inexplicáveis, inexistentes em qualquer outra atividade profissional, o que se traduz no não reconhecimento do mérito do nosso relevante trabalho em prol do Estado.
Acresce que os nossos clientes não estão sensíveis a estas exigências, não se mostrando dispostos à atualização das avenças face ao volumoso acréscimo de obrigações declarativas, com todo o trabalho e investimento que lhe está subjacente, mas que, na realidade, em nada os beneficia, mas apenas o Estado e, concretamente, a Autoridade Tributária.
C&E - A concorrência não é excessiva?
PS - A concorrência, além de excessiva, é muitas vezes desleal, não havendo união entre os profissionais, o que contribui para uma certa desregulação do mercado da contabilidade, nomeadamente em termos de honorários praticados que, por vezes, aviltam a profissão. Pior ainda quando os honorários aviltantes são praticados por associações empresariais que, incumprindo as normas legais e vulgarizando procedimentos que deveriam ser exigentes, não dignificam a contabilidade. Honorários indignos não podem dignificar a profissão, até porque não permitem exercê-la com o zelo, a competência e o rigoroso cumprimentos das normas contabilísticas, legais, estatutárias e deontológicas.
Formação é essencial
C&E - As empresas de contabilidade têm conseguido adaptar-se às novas exigências legislativas e informáticas?
PS - Os colaboradores das empresas de contabilidade, fruto da numerosa formação que frequentam, organizada pela Apeca, sempre atenta às necessidades formativas dos seus associados, e baseados nas informações técnicas do consultório também da Apeca, acabam por estar atentas e instruídos sobre as necessidades desta atividade. Acresce ainda a informação constante dos livros de caráter técnico que a Apeca oferece aos seus associados. A formação e a informação custam muito dinheiro e exigem uma grande disponibilidade de tempo de que os colaboradores das empresas de contabilidade não dispõem, face ao volume e complexidade crescentes das obrigações a que estão sujeitos.
Por outro lado, os programas informáticos das empresas de contabilidade facilmente ficam desatualizados, face às constantes alterações legislativas, o mesmo acontecendo com o hardware, o que implica mais investimento na aquisição de programas adequados à parametrização dos elementos do ficheiro do SAF-T, com os consequentes e avultados gastos, a que acrescem mais custos formativos nesta área, que também não é possível refletir em acréscimo das avenças cobradas aos clientes pelos motivos já indicados.
Trata-se, por isso, de mais um investimento avultado que terá de ser suportado pelas empresas de contabilidade e a que o legislador é insensível.
C&E – E quanto ao SAF-T?
PS - A produção do ficheiro do SAF-T da contabilidade constitui uma profunda alteração de métodos e procedimentos contabilísticos, que implicam uma forte familiarização com as ferramentas informáticas, com os necessários investimentos em software e em formação, traduzindo-os numa verdadeira “revolução contabilística”. Ao contabilista certificado não bastam já os conhecimentos contabilísticos e fiscais, exigindo-se, agora, também vastos conhecimentos informáticos, sob pena de poder cair em inadvertido incumprimento, com as consequências inerentes. Esta “revolução contabilística” exige estudo, formação, familiarização com as ferramentas informáticas e com o sistema, não se compadecendo com uma aplicação global e imediata, que vai implicar erros e incumprimentos desnecessários, causando dúvidas, incertezas e perplexidades a quem quer cumprir mas, involuntariamente, se vê enredado nas malhas do incumprimento.
Alterações são constantes
C&E - Qual a sua opinião relativamente à política fiscal e contabilística que tem sido seguida por este Governo?
PS - Como foi já referido, um dos grandes problemas com que se debatem as empresas de contabilidade é a falta de estabilidade legislativa. Como se já não bastassem as normais alterações legislativas fiscais constantes de cada Orçamento de Estado – não há Orçamento de Estado que se preze que não traga alterações em todos os Códigos Fiscais e em inúmera legislação fiscal e parafiscal —, ocorrem ainda, ao longo do ano, outras alterações avulsas, o que implica uma constante necessidade de mutação de métodos, procedimentos, investimentos e formação, um custo elevado que não tem sido possível repercutir nos honorários pagos pelos clientes, que não compreendem todo este acréscimo declarativo que, no fundo, não o serve, beneficiando apenas o Estado.
Acresce que o legislador, muitas vezes, altera legislação sem ter em conta o tecido empresarial que constitui o seu campo de aplicação, parecendo, por vezes, desconhecer a realidade. Além disso e frequentemente, a legislação é dúbia e confusa, constituindo uma fonte de incerteza na sua aplicação. Quantas vezes a própria AT tem dúvidas na aplicação da lei ou opina num determinado sentido e, mais tarde, através do chamado “Direito circulado”, fixa orientação diferente, sancionando incumprimentos que antes o não eram, deixando os contabilistas e as empresas de contabilidade numa situação difícil perante o cliente, que não compreende esta situação de indefinição e, muito menos, as coimas aplicadas, que repercute na empresa de contabilidade. Se há coima, a culpa é do contabilista, afirmam.
Uma estabilidade fiscal associada a uma mais cuidada legislação, clara e de fácil aplicação traduzir-se-ia num grande benefício para as empresas de contabilidade e para a sua estabilidade organizativa e funcional.
C&E – Voltando ao SAF-T, o mesmo está a causar polémica. Justifica-se este novo regime?
PS - Na minha opinião, nada justifica este novo regime, principalmente nos moldes em que está a ser exigido. O SAF-T já existe há vários anos, embora em moldes diferentes, sendo disponibilizado sempre que solicitado. A submissão do novo SAF-T da contabilidade, criado com o objetivo de simplificação da IES/DA, permitindo o seu pré-preenchimento parcial, longe de alcançar tal finalidade, veio criar um vasto conjunto de dificuldades não só para os sujeitos passivos, que ainda não se aperceberam desta exigência, como sobretudo para as empresas de contabilidade e para os contabilistas certificados (CC) ao seu serviço.
É pouco compreensível, por ilógica, a quantidade e especificidade da informação que, com a submissão do ficheiro SAF-T, nos termos atualmente exigidos, passa a estar na esfera da AT, sendo certo que se trata de informação muitas vezes sensível e vulnerável, de carácter pessoal, que, sendo indevida ou maliciosamente acedida, para fins não tributários, pode destruir as empresas. E muito embora não se questionem os meios internos da AT de controlo de acesso a tais dados, o certo é que, repetidamente, são noticiados casos de venda de informação de que a AT é depositária, o que deixa muita apreensão e perplexidade aos sujeitos passivos. Daí considerar-se excessivo que do ficheiro SAF-T conste toda a estrutura contabilística (data de ficheiros, diários, contas correntes, clientes), cujo interesse fiscal não se vislumbra, julgando-se serem suficientes apenas os saldos das contas.
Acresce que, presentemente, são muitas e generalizadas as preocupações, dúvidas, incertezas e dificuldades sentidas pelas empresas da contabilidade e pelos contabilistas certificados, que pretendem dar cabal cumprimento à lei mas não sabem ainda como a cumprir. Além de que, neste momento e face à última posição da Assembleia da República sobre o SAF-T, em que a Apeca foi ouvida, aumentou a incerteza sobre as exigências do SAF-T, pelo que se aguarda a publicação de nova legislação.
Ainda há oportunidades
C&E – Ainda que num contexto de dificuldades, quais as oportunidades que se abrem às empresas de contabilidade?
PS - Face ao que acima foi referido, neste momento paira um horizonte sombrio sobre as empresas de contabilidade. A sobrecarga fiscal é tanta que há pouca disponibilidade para aproveitar novas oportunidades. No entanto, há que confiar que a estabilidade fiscal acabará por surgir e com a padronização de certos procedimentos e a consciencialização dos empresários de que a contabilidade é essencial para a gestão e para a rentabilização do negócio, surgirão oportunidades de negócio. As empresas de contabilidade têm futuro muito embora tenham que racionalizar procedimentos e alterar métodos de trabalho, fruto das alterações fiscais ocorridas e a ocorrer no futuro próximo. As empresas de contabilidade terão de estar preparadas para os novos desafios que se avizinham, também fruto da era da digitalização já em curso.
C&E - Qual o papel da APECA e qual a sua estratégia atual?
PS - A apeca foi constituída com o objetivo principal de promover e defender os legítimos interesses e direitos das empresas de contabilidade e administração, o seu prestígio e dignificação, para além do desenvolvimento de um espírito de solidariedade e apoio recíproco entre os seus associados. Este é, e será sempre, o papel da nossa associação. Neste sentido, temos vindo a fazer ouvir a nossa voz, muitas vezes de modo discreto mas com a energia necessária, junto dos poderes instituídos tentando sensibilizá-los para uma realidade que sabemos que desconhecem, só assim se compreendendo algumas alterações legais. A estratégia da APECA passa por fazer ouvir-se junto de quem tem o poder legislativo no sentido de procurar minimizar os efeitos negativos do complexo de obrigações que no dia-a-dia são exigidas aos seus associados.
C&E - Como está a política de honorários?
PS - Continuamos sem ver o nosso trabalho reconhecido pela maioria dos clientes, o que atualmente é mais sentido face a todo o acréscimo de trabalho que temos, fruto das exigências da AT e que não é recompensado.
O contabilista continua a ser visto como aquele que pode esperar para receber, muito embora seja ele o responsável pela justa arrecadação dos impostos, o que também não é reconhecido pela AT. O prestígio da profissão passa também pela dignificação dos honorários. A política de baixos honorários está condenada ao fracasso.
C&E - Qual a vossa opinião sobre a necessidade da administração pública recorrer aos profissionais da contabilidade?
PS - Não se percebe o motivo pelo qual a administração pública não está obrigada a dispor de contabilistas certificados. Se houvesse essa exigência legal, muitos dos problemas que, por vezes, são veiculados na imprensa não aconteceriam. É um facto comummente reconhecido, não se percebendo, por isso, a retração política em avançar com a obrigatoriedade dos profissionais da contabilidade no setor público, tal como acontece com o sector privado.
C&E - Estão satisfeitos com o desempenho da atual direção da OCC, enquanto entidade reguladora da profissão?
PS - A atual direção da OCC tem feito o papel que lhe cabe, na medida em que se empenha na regulamentação da profissão. A APECA é uma associação empresarial, que sempre fez questão de manter a sua identidade na prossecução dos seus fins, trilhando o seu caminho e tendo a sua própria voz. Obviamente que todas as instituições privadas com ligação à contabilidade e à fiscalidade partilham dos mesmos problemas e angústias e, por isso, a APECA não vive isolada. Pelo contrário, está ao lado dos seus parceiros na defesa daquilo que considera ser o interesse dos seus Associados, que se reveem na sua Associação, a que voluntariamente aderiram e que nela permanecem por reconhecerem o seu mérito.