Investidores necessitam de cuidados acrescidos na escolha dos veículos de investimento imobiliário
Os investidores devem assumir especiais precauções no que toca à estruturação dos seus veículos de investimentos imobiliários e turísticos. João Ricardo Nóbrega elenca dez fatores essenciais, que são transversais a todo o tipo de investidores. Quanto aos “Golden Visa”, admite que há ainda aspetos a melhorar, sobretudo no sentido de garantir maiores atratividade e competitividade. Neste âmbito, o legislador terá de ter em conta a importância de que se reveste para o país a promoção do investimento estrangeiro.
João Ricardo Nóbrega chama a atenção para “o regime de segregação de patrimónios e incomunicabilidade de dívidas entre participantes/investidores e OII”.
Relativamente aos veículos de investimento para o setor imobiliário, quais as principais referências que devem ser ponderadas pelos Investidores na estruturação dos seus investimentos imobiliários/turísticos?
João Ricardo Nóbrega: Não havendo propriamente um padrão exclusivo em termos dos aspetos fundamentais a considerar pelos investidores aquando da escolha de um determinado veículo de investimento, diria, em função da nossa experiência, que existem diversos “key factors” que são relativamente transversais a todos os investidores. A título exemplificativo, podemos elencar: (i) a natureza jurídica (com ou sem personalidade jurídica), (ii) o regime da responsabilidade dos detentores do capital, (iii) requisitos de capital mínimo, (iv) custos de constituição e manutenção do veículo, (v) prazo de constituição, (vi) composição/estrutura dos órgãos sociais (em particular, responsabilidade pela gestão e fiscalização); (vii) modalidades de autofinanciamento e naturalmente o respetivo (viii) quadro fiscal aplicável. Claro está que a ponderação final sobre o veículo que melhor se adequa ao investimento pretendido deve ter, ainda, em linha de conta o perfil do cliente, a escala do investimento, duração expetável e estratégia de saída, estrutura acionista envolvida, nomeadamente a existência ou não de parceiros (privados ou institucionais).
De acordo com a vossa experiência, em particular no que concerne aos Organismos de Investimento Imobiliário (OII) - Fundos e Sociedades de Investimento Coletivo –, quais são os principais pressupostos/objetivos e vantagens que os investidores identificam ou pretendem alcançar?
João Ricardo Nóbrega: No seguimento da resposta anterior, não pretendendo ser exaustivo nem estabelecer qualquer ordem hierárquica, ao nível dos pressupostos e objetivos, podemos identificar: o valor de investimento, tendencialmente superior a 5 milhões de euros; a natureza dos ativos que integrarão a carteira do OII, em regra, para desenvolvimento e futura alienação e/ou geradores de um rendimento predial – ativos de rendimento; a segurança do investimento, por via da mitigação de riscos decorrentes da existência de regras prudenciais impostas pelo quadro legal e regulamentar aplicável; o acesso a uma gestão mais profissional e eficiente, através da intervenção de uma entidade gestora (excetuando os casos de Sociedades de Investimento Coletivo autogeridas) dotada de uma estrutura sólida de meios humanos, materiais e técnicos, cabendo-lhe a prática de todos os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento e, naturalmente, a rentabilização e otimização do retorno do investimento.
No que concerne às principais vantagens, tratando-se de um veículo regulado com reconhecimento internacional, destacaria, desde logo, a credibilidade do veículo, o qual transmite indubitavelmente maior confiança no comércio jurídico. Neste particular, note-se a importância da certificação do valor dos ativos, aferido por regras específicas no que toca a avaliação periódica (anual) obrigatória de todos os imóveis que compõem o portefólio do OII, com intervenção de dois peritos avaliadores independentes, registados na CMVM e, bem assim, às regras de valorimetria aplicáveis ao cálculo das unidades de participação, sendo o respetivo valor divulgado no site da CMVM. Por outro lado, importa trazer à colação o regime de segregação de patrimónios e incomunicabilidade de dívidas entre participantes/investidores e OII e, por seu turno, entre este e demais entidades envolvidas (Sociedade Gestora, Banco Depositário, etc). De salientar, ainda, a responsabilidade exclusiva da Sociedade Gestora pela gestão dos ativos, a maior facilidade de obtenção de crédito, ganhos de escala e maior poder negocial no mercado imobiliário. “Last, but not the least”, temos o estatuto fiscal autónomo, o qual apresenta vantagem competitiva sobre outros veículos que operam no mesmo setor, por via dos benefícios fiscais conferidos na esfera do OII, não ocorrendo tributação sobre os rendimentos de capital, mais-valias e rendimentos prediais e, na esfera dos participantes/acionistas, quando sejam entidades não residentes fiscais, ficam apenas sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10% sobre os rendimentos distribuídos, resgate das unidades de participação/ações e mais-valias decorrentes de transmissão onerosa daquelas. Naturalmente que a vantagem fiscal é mais facilmente mensurável e, nessa perspetiva, confere uma vantagem objetiva, de fácil perceção.
Desde a sua criação, os golden visa foram responsáveis pelo investimento de muitos milhões de euros na aquisição de imóveis, destaca João Ribeiro Pereira.
Ao longo dos anos, foram adotadas várias medidas que visaram simplificar e dar maior celeridade aos processos de Golden Visa. Entende que as medidas adotadas foram suficientes, ou existem ainda aspetos a melhorar?
João Ribeiro Pereira: Ainda que se aplaudam algumas das medidas que têm vindo a ser implementadas no âmbito do procedimento de concessão das Autorizações de Residência para atividade de Investimento (Visto Gold), a verdade é que existem ainda vários aspetos de todo o processo que podem e devem ser melhorados, e que permitirão que o processo corra de forma menos burocrática e mais fluida.
Desde logo, a eficiência e rapidez na análise dos processos submetidos. Atento o hiato temporal (chamemos assim para não dizer atraso) que ocorre desde a submissão online do processo, a validação/pré aprovação online e o agendamento por parte do SEF e a consequente deslocação presencial aos serviços, a validade dos documentos submetidos já expirou. Este lapso temporal entre a submissão online e a entrega presencial faz com que a grande maioria dos investidores tenha que emitir os seus documentos vezes e vezes sem conta, em países que por vezes não têm em seu território representações consulares portuguesas.
Em segundo lugar, e à semelhança do que já está adotado para outros vistos, diminuir as deslocações presenciais e privilegiar a via digital, ou permitir que a entrega presencial dos documentos seja feita por mandatário devidamente constituído, ao invés da obrigatoriedade de o ser feito por parte do requerente/investidor. Creio que, tal como para as renovações de outros títulos de residência, seria profícuo que as renovações de ARI passassem a ser efetuadas por via online, dado que se trata apenas de uma mera submissão de documentos que maioritariamente já foram anteriormente disponibilizados ao SEF aquando da concessão do ARI por forma a aferir a manutenção dos requisitos. Quanto à recolha dos dados biométricos, a mesma torna-se dispensável, uma vez que, à partida, não ocorreram alterações! Estas simplificações seriam mais um passo no processo de transformação digital dos serviços da administração pública, tão almejado pelo Governo, reduzindo as deslocações presenciais aos balcões de atendimento do SEF, permitindo assim uma maximização na alocação dos (já reduzidos) recursos e evitando assim uma potencial propagação e disseminação do agora presente vírus Covid-19.
Ainda mais premente é a clarificação de como e quando o SEF irá dar resposta aos inúmeros processos que se encontram pendentes (em especial as deslocações presenciais aos balcões do SEF que se encontravam agendadas para Março até ao presente para entrega do processo documental), em virtude do fecho do atendimento presencial por consequência da pandemia Covid-19, bem como informar os requerentes/investidores acerca de quando irão abrir vagas para novos agendamentos e para os que foram adiados.
Muito se tem falado sobre as restrições ao Golden Visa no investimento imobiliário em Lisboa e no Porto. Qual o futuro do Golden Visa nestas regiões? Em face da situação de pandemia e crise económica, essas restrições continuam a fazer sentido?
João Ribeiro Pereira: Para se ter ideia do real impacto de uma possível limitação do investimento do Golden Visa, na modalidade de aquisição de ativos imobiliários, nas regiões de Lisboa e Porto, é necessário, em primeiro lugar, aferir o volume de investimento preconizado nestas localizações. Note-se que desde a criação do programa foram investidos cerca de €4.908.676.856,49 (correspondente a cerca de 90% do valor total investidos por via do ARI) em aquisição de imóveis, sendo que a grande maioria se centra nas regiões de Lisboa e Porto. Ora, atendendo à crise pandémica e económica que atualmente se vive, e considerando que essas medidas têm repercussões em diversos setores de atividade conexos, (e.g. promotores, empreiteiros, arquitetos, engenheiros gestores de projeto, consultores, mediadores, advogados, notários, etc.), as medidas de restrição e fomento à “deslocalização do investimento imobiliário” devem, para já, “ficar na gaveta”. Com efeito, não cabendo aqui sindicar a bondade da motivação subjacente às pretendidas alterações, designadamente no que respeita à coesão social e tentativa de travar a tendencial “escalada de preços”, sobretudo no mercado residencial dos grandes centros urbanos, deve imperar o bom senso, reconhecendo-se que o setor imobiliário constitui um forte motor da recuperação económica, à semelhança do que sucedeu na anterior crise do subprime e das dívidas soberanas. Importa ainda salientar que a diminuição drástica do valor de investimento estrangeiro no mercado imobiliário, por via do programa Golden Visa, também terá impacto direto na arrecadação de receita fiscal do Estado e câmaras municipais, que veem reduzidas as contribuições/pagamentos de impostos sobre o rendimento (IRS e IRC, ao nível das mais-valias) e impostos sobre o património (IMT, IMI, AIMI, IS) e demais taxas. Fazendo um breve balanço aos números do ano transato, foram concedidos 946 ARI, por via do investimento em imóveis de valor igual ou superior a €500.000,00, correspondendo a um valor total de investimento a rondar os €585.000.000,00. Só a receita fiscal direta oriunda apenas do pagamento de IMT e IS, por referência ao referido montante, ascendeu a €42.000.000,00!
Por outro lado, esta tentativa de “reorientação forçada” do investimento para o interior do país poderá passar a mensagem (errada) para o exterior de que Portugal já não precisa de investimento estrangeiro e acabará por afastar os investidores para outras jurisdições com programas de residência/investimento idênticos, como é o caso dos outros 17 Estados-Membros que operam regimes similares, com destaque para o Chipre, Malta, Espanha, Grécia, Bulgária, etc.
Por fim, devemos promover a seguinte reflexão coletiva: será que o mercado interno tem capacidade para absorver todo o produto residencial que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos e que foi projetado, na sua grande maioria, para o mercado internacional? Em caso negativo, não estaremos a por em causa a solvabilidade de centenas de promotores, empreiteiros e demais setores de atividade conexos, com a inerente subida de desemprego e agravamento do nosso já deficitário sistema de segurança social?
Ana Carla Carvalho admite que numa altura em que a incerteza financeira e económica do país é elevada, foram adotadas medidas para proteger o arrendatário em maior dificuldade.
O setor do arrendamento habitacional e não habitacional sofreu um grande impacto com a Covid-19. Quais foram as principais medidas adotadas?
Ana Carla Carvalho: Numa altura em que a incerteza financeira e económica do país é elevada, foram adotadas várias medidas, destinadas a proteger os arrendatários em maior dificuldade, quer através da concessão de apoios financeiros pelo IHRU, IP, quer pela possibilidade de recurso ao instituto comummente apelidado de “moratória”.
Assim, numa primeira fase e em pleno estado de emergência, foi aprovada a Lei 4-C/2020, de 6 de abril, que permitia aos arrendatários habitacionais que tivessem sofrido uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar, face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior, e cuja taxa de esforço (definida em portaria) fosse superior a 35%, usufruir do regime de moratória no pagamento das rendas, podendo as mesmas ser pagas no prazo de 12 meses em prestações não inferiores a um duodécimo do montante total, concomitantemente com a renda de cada mês. Previu-se ainda a possibilidade de acesso à linha de crédito aberta pelo IHRU pelos senhorios que tivessem uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar face aos rendimentos do mês anterior ao do início da pandemia ou do período homólogo do ano anterior, em consequência do não pagamento de rendas.
Relativamente ao arrendamento não habitacional, ficaram abrangidos pela moratória os estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou com as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa e os estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio.
Numa segunda fase, prorrogou-se o prazo da moratória no pagamento das rendas até ao dia 1 de Setembro de 2020, retirando-se a possibilidade ao Senhorio de, durante esse período, fazer cessar os contratos de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário, não podendo também ser aplicada a penalidade de 20% pela mora verificada.
Por fim, e mais recentemente, a Lei n.º 45/2020, de 20 de agosto, promoveu um regime de isenção de pagamento do valor fixo da renda por parte dos arrendatários de estabelecimentos integrados em centros comerciais. Por outro lado, estabeleceu-se uma regra de prevalência das condições mais favoráveis ao arrendatário, decorrentes da lei ou de acordo celebrado, ou a celebrar, nomeadamente acordos de perdão de dívida ou acordos de diferimento no pagamento de rendas mais benéficos para o arrendatário.
A equipa considera que foi estabelecido um regime de pagamento de rendas mais benéfico para o arrendatário.
Em que medida é que os contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais estão salvaguardados?
João Ricardo Nóbrega: Como se referiu anteriormente, a Lei n.º 45/2020, de 20 de agosto, alterou substancialmente o regime excecional do arrendamento não habitacional, nomeadamente nos contratos de arrendamento ou outras formas contratuais de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais. Às moratórias ao pagamento das rendas até 1 de setembro de 2020 acrescentou-se a isenção de pagamento da componente fixa do valor da renda até 31 de dezembro de 2020, sendo apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável, calculada sobre as vendas realizadas pelo arrendatário.
Poderemos questionar até que ponto é que estes dois regimes serão compatíveis entre si, uma vez que não é claro se o regime de isenção terá aplicação retroativa para as rendas vencidas anteriormente à entrada da Lei n.º 27-A/2020, ou apenas abrangerá as rendas vencidas após 25 de julho de 2020.
No entanto, estas medidas, sem atender aos critérios legais da distribuição do risco nos contratos, provocarão, certamente, grandes dificuldades na aplicação a situações concretas (existem inúmeros modelos contratuais), poderão aumentar a conflitualidade no setor do imobiliário e, consequentemente, a instabilidade no mercado do arrendamento urbano e cedência de utilização de lojas em centros comerciais.
Qual o impacto nas relações entre promotores e clientes relativamente aos processos de contratação em curso, nomeadamente ao nível dos contratos-promessa de compra e venda assinados pré-Covid?
Ana Carla Carvalho: No âmbito do atual contexto, foi possível colher a experiência de ambos os lados e, sem prejuízo da individualidade do caso concreto, pudemos testemunhar que houve da parte dos compradores e vendedores alguma flexibilidade e, sobretudo, sensatez, tendo em vista o reconhecimento de que em determinadas situações, a atual conjuntura justificou modificações pontuais, por forma a restabelecer o equilíbrio contratual das prestações.
No entanto, na esmagadora maioria dos contratos-promessa de transmissão de imóveis, os contratos mantiveram-se inalterados, tendo sido mais visível a necessidade de negociar alterações nos contratos de arrendamento urbano ou no âmbito de outras formas contratuais de exploração de imóveis.
Sobre os efeitos da situação epidemiológica da Covid-19 na execução dos contratos, promovemos interna e externamente o debate sobre a necessidade de atualizar a interpretação e aplicação de determinados institutos, máxime em matéria de alteração das circunstâncias, causas e eventos de força maior, impossibilidade de cumprimento, reequilibro contratual, entre outros.
Ainda no atual contexto e sobre o tema da formalização dos contratos que envolvem as transações imobiliárias, consideram que o documento particular autenticado por advogado é uma opção que faz agora mais sentido, enquanto alternativa ao modelo clássico dos cartórios notariais?
Ana Carla Carvalho: Importa, desde logo, salientar que a lei reconhece às autenticações, certificações e reconhecimentos efetuados pelos advogados a mesma força probatória que tais atos teriam se tivessem sido realizados com intervenção do notário. Nesse sentido, julgo que poderemos considerar que o atual cenário poderá propiciar um aumento das solicitações da intervenção do advogado para a formalização de tais atos, por documento particular autenticado, em alternativa às escrituras públicas. Com efeito, quer pelo inerente aconselhamento técnico e independência sobre os respetivos negócios, quer pela simplificação, centralização e celeridade na concretização, estamos perante uma alternativa idónea e eficaz a considerar como resposta às necessidades de formalização e efeito jurídico dos contratos que envolvem as transações imobiliárias.
“Na maioria dos contratos-promessa de transmissão de imóveis é mais visível a necessidade de negociar alterações nos contratos de arrendamento urbano”, é a convicção de Ana Cristina Inácio.
Têm-se registado muitas restrições à mobilidade dos agentes económicos, com destaque para os estrangeiros que residem fora do espaço Schengen e pretendem investir em Portugal. É possível formalizar procurações e contratos relativos à transmissão e oneração de bens imóveis sujeitos a registo predial sem ser pela via presencial?
Ana Cristina Inácio: No contexto da declaração do estado de emergência, em resposta e combate à pandemia relacionada com a doença Covid-19, foi aprovado em Conselho de Ministros um conjunto de medidas extraordinárias, em particular o decreto-lei que estabelece um regime experimental para a realização à distância de atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos de assinaturas.
No entanto, no quadro legal atual, não é ainda possível a celebração à distância, designadamente por videoconferência, nem a celebração mediante a aposição da assinatura eletrónica – assinatura digital – dos contratos e respetivas procurações relativos à transmissão e oneração de bens imoveis sujeitos a registo predial – ou seja, para os atos que importem o “reconhecimento, aquisição e modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso de habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis”, uma vez que constitui condição de eficácia do ato a celebração sob a forma de escritura pública ou documento particular autenticado assinados presencialmente pelas partes perante o notário ou perante o advogado autenticador.
Sem prejuízo das futuras alterações legislativas a suceder, considerando as medidas já implementadas no ordenamento jurídico português, em matéria de assinatura eletrónica, em particular a assinatura digital por via do certificado digital associado ao cartão de cidadão ou chave móvel digital (aos quais podem ser, ainda, associadas as qualidades profissionais do outorgante como administrador ou gerente) e cuja respetiva certificação é garantida pelo Estado Português, conjugados com os certificados digitais atribuídos pelas ordens profissionais competentes, poderão estar criadas, em parte, as condições materiais para acomodar a tramitação e formalização de escrituras publicas e documentos particulares autenticados utilizando os meios de comunicação à distância, com a necessária segurança jurídica.
Relativamente ao setor hoteleiro, a procura de empreendimentos turísticos para estadias curtas e temporárias reduziu-se. Existem alternativas para a “sobrevivência” dos empreendimentos em fase de pandemia?
João Ricardo Nóbrega: Segundo o que se tem vindo a apurar, a procura pela segunda habitação em regime turístico ou turismo residencial, apesar de ter abrandado continua a existir e tem vindo, inclusivamente, a ser reforçada a oferta. Poderá ser uma alternativa para algumas unidades turísticas, nos quais seja possível implementar o regime da propriedade plural. Nesses casos, deverão, no entanto, os respetivos proprietários/entidade exploradora do empreendimento munir-se dos documentos contratuais mais relevantes (título constitutivo, um sólido regulamento de administração e um bom contrato de exploração turísticas com os potenciais interessados em assumir a qualidade de compradores). Esta poderá ser uma via de diversificação, sem recurso a “vendas agressivas”, mas com um sistema juridicamente reforçado.
Quais os efeitos da pandemia a nível das viagens, para segmentos do mercado como operadores turísticos, agências de viagens, etc.?
João Ricardo Nóbrega: Numa altura em que a “desconfiança” impera e a incerteza quanto à segurança e à saúde são fatores predominantes, é imperioso que estes agentes se adaptem à nova realidade e se reinventem. Ainda que a tendência natural seja para tentar minimizar custos, a médio prazo, essa opção poderá acarretar repercussões bastante negativas. Deverão, do ponto de vista jurídico, assegurar o princípio da plena informação ao consumidor final, não se socorrerem de processos de venda “agressivos” e prestar informação adequada ao cliente no que toca aos seus direitos, nomeadamente, em caso de cancelamentos, reembolsos e alterações e afins. Relativamente aos nossos clientes do setor hoteleiro, pudemos constatar que a reabertura dos respetivos hotéis ocorreu de forma paulatina, com especial preocupação para assegurar o cumprimento de todas as regras sanitárias, incluindo a elaboração e implementação de planos de contingência por forma a garantir confiança e a segurança quer de trabalhadores quer dos clientes.
Bernardo Castro Marques sublinha o facto da pandemia ter impactado severamente no segmento do alojamento local.
E no que concerne ao setor do alojamento local, o qual se encontrava em franca expansão, quais os principais efeitos que a Covid-19 acarretou?
Bernardo Castro Marques: Conforme anteriormente referido, a atual crise pandémica originou severas restrições de entradas e saídas de estrangeiros em Portugal, facto este que impactou severamente no segmento do Alojamento Local. Sem prejuízo de se ter registado no Verão um ténue regresso da atividade turística em Portugal, a verdade é que as perdas registadas irão repercutir-se nos próximos tempos e temos constatado da parte de muito investidores a opção de substituir o “short term rental” pelo modelo convencional do arrendamento de média e longa duração, ocorrendo a transferência de imóvel de atividade empresarial para o património particular. De salientar que este fluxo reveste especial importância quando os proprietários são pessoas singulares, atento o impacto fiscal associado. Ora, é importante que as pessoas percebam que, de acordo com o regime fiscal em vigor, a afetação de um imóvel à atividade de alojamento local pode originar a tributação de mais-valias em dois momentos distintos: o primeiro na fase da afetação do imóvel à atividade profissional, e o segundo no momento da desafetação do imóvel à atividade profissional. Os proprietários deverão previamente aconselhar-se sobre as potenciais consequências fiscais da desafetação do imóvel da atividade profissional e quais as formas de mitigar esses impactos, que, de acordo com a legislação em vigor, passam pela afetação desses imóveis à obtenção de rendimentos prediais (categoria F). Atendendo a que o potencial impacto tributário sobre os proprietários poderá revelar-se demasiado oneroso, especialmente em ambiente de recessão económica, deverá ser ponderada a repristinação da proposta legislativa do Governo de não tributar as mais-valias nos casos de afetação/desafetação de imóveis ao património profissional dos proprietários, e tributar apenas as alienações de imóveis.
“As empresas que operam no setor turístico foram as mais afetadas pela crise pandémica”, refere Luís Freitas.
Quais as principais medidas de apoio às empresas que foram adotadas para o setor turístico em Portugal?
Luis Freitas: Com a crise pandémica e económica provocada pela Covid-19 e a contração do fluxo de passageiros, as empresas que operam no setor turístico foram as mais afetadas pela crise pandémica. Neste momento, para além das medidas gerais de apoio aprovadas para as empresas portuguesas, como a concessão de moratórias no pagamento de rendas, a possibilidade de recurso a linhas de crédito do Estado, ou o diferimento de pagamento de obrigações fiscais, acrescem as medidas específicas adotadas pelo Turismo de Portugal, das quais destacamos: i) PEES – Programa de Estabilização Económica e Social, o qual tem como horizonte temporal o final de 2020 e que prevê, entre outros, a Linha de Apoio à Economia Covid-19 destinada a micro e pequenas empresas, em vigor desde agosto 2020, e a Opencall 2020, gerido pela Turismo Fundos, através da qual as empresas podem recorrer a operações de “sale & lease back” de imóveis afetos à atividade turística e industrial, em vigor desde junho de 2020; ii) Medidas Financiar – prevê uma linha de apoio à tesouraria destinada a microempresas do turismo, bem como medidas exclusivamente dirigidas a “startups” (startup RH Covid-19, Startup Voucher, Vale Incubação, entre outras); iii) Medidas Flexibilizar – prevê a flexibilização do cumprimento das obrigações perante o Turismo de Portugal, ao nível de apoios próprios deste, bem como de apoios de quadros comunitários (QCAIII, QREN, PT2020), moratórias de créditos, bem como um regime específico da relação entre empresas do setor relativo a reservas de serviços de alojamento situados em Portugal.
De que modo é que a fiscalidade pode auxiliar as empresas e pessoas com maior dificuldade de tesouraria?
Bernardo Castro Marques: Atendendo à difícil conjuntura económica que atualmente se vive, a fiscalidade, não podendo funcionar como um “bote salva-vidas” para as empresas em dificuldade, não pode nem deve constituir um “fardo” demasiado pesado para estas empresas. Nesse sentido, deverá ponderar-se a adoção de medidas, ainda que a título excecional e temporário, que permitam às empresas suavizar a pressão constante sobre a tesouraria, eliminando-se as obrigações fiscais “excessivas”. A título de exemplo, e atendendo às medidas adotadas para mitigar os efeitos da pandemia, poder-se-ia acabar com a obrigatoriedade do pagamento por conta e pagamentos especiais por conta, indo-se mais longe do que a simples suspensão do pagamento até 15 de Dezembro (data limite do terceiro pagamento por conta), conforme previsto.
Por outro lado, atendendo à forte adesão do regime de moratórias no pagamento das rendas, deveria equilibrar-se a falta de receita e liquidez dos senhorios com suspensões na tributação de IMI para os proprietários que tenham imóveis arrendados.
No setor do Turismo, e atendendo ao momento especialmente delicado, uma das medidas de apoio ao setor poderá também passar pela repristinação dos benefícios fiscais aos Ii móveis a que seja atribuída a Declaração de Utilidade Turística (“DUT”).
Poderão ser adotados incentivos fiscais ao setor da construção civil que permitam uma reanimação da respetiva atividade, como por exemplo a redução da taxa de IVA na construção, e sublinhe-se em toda a construção e não apenas a reabilitação urbana, para a taxa mínima de 6%. Poderá ainda ser equacionada a prorrogação dos incentivos fiscais à reabilitação urbana, com caducidade prevista para o dia 31 de Dezembro deste ano, permitindo assim que se continue com a renovação do tecido urbano no centro das cidades iniciada em meados da década passada.
“O imobiliário tem sido um fator de grande fortalecimento da imagem de Portugal como um destino de investimento seguro”, defende Pedro Gonçalves Paes.
Será que os investidores estrangeiros deixaram de considerar que Portugal tem um setor imobiliário favorável? Ou seja, os investidores deixaram de acreditar no mercado português nestes tempos de pós-Covid-19?
Pedro Gonçalves Paes: Não concordo com essa ideia. Como os números assim o demonstram, o imobiliário tem sido um fator de grande fortalecimento da imagem de Portugal como um destino de investimento seguro.
A boa imagem e a qualidade do “produto Portugal” no estrageiro tem aumentando substancialmente o investimento internacional em imobiliário (e não só). Este investimento ajudou e ajudará a “alavancar” outras atividades económicas, tais como os serviços e a indústria associados ao imobiliário e suas atividades conexas.
O nosso país, tal como todo o mundo globalizado, sofrerá com a crise gerada pela Covid-19, mas a segurança e outros fatores (qualidade dos serviços, ambiente cultural, clima, etc) que sustentam o investimento em Portugal continuarão ser as principais razões para investir no período pós-Covid-19. Nestes tempos de crise é certo que diversas oportunidades surgirão e a captação de investimento internacional assumirá o lugar de destaque no regresso ao crescimento económico do nosso país.
O ordenamento jurídico português, em especial, o direito do imobiliário, é facilmente entendido pelos investidores internacionais?
Pedro Gonçalves Paes: Considero que sim, pois os dados bastante positivos que temos relativos ao investimento em Portugal assim o demonstram. O nosso ordenamento jurídico tem uma raiz romano-germânica e é bastante influenciado pelas normas comunitárias, logo, alguns dos investidores estão devidamente familiarizados com sistemas similares.
Por outro lado, nota-se uma grande prática de “standard“ internacional nos “players” jurídicos que assessoram tais investimentos. Alguns conceitos e modos de trabalhar, como, por exemplo, o domínio da língua inglesa e a sua aplicação corrente nas negociações e na formalização contratual (com contratos bilingues, etc.) por advogados e pelos seus clientes tem ajudado e facilitado o entendimento fluente do sistema jurídico português em todas as fases dos projetos e investimentos imobiliários que ocorrem no nosso país.
Qual a principal área de atuação nos domínios do Direito Imobiliário?
João Ricardo Nóbrega: Relativamente ao âmbito de atuação, importa considerar que a assessoria é global e multidisciplinar, constituindo a base de intervenção que terá que assegurar o acompanhamento de todas as fases de um projeto imobiliário, desde a definição de modelo estratégico, seleção e constituição do veículo de investimento mais apropriado, auditoria legal aos ativos “target”, negociação e execução dos respetivos contratos imobiliários, aconselhamento do “project finance” e assessoria permanente posterior à aquisição. Daí que, em 2007, tenhamos já promovido a publicação de um Guia do Direito Imobiliário e que constava com uma estrutura abrangente (Volume I - Aquisição do Direito de Propriedade; Volume II - Contratos Relativos aos Direitos de Uso e Gozo; Volume III - Formas de Financiamento e Garantias; Volume IV - Urbanização, Propriedade Horizontal e Condomínios; Volume V - Veículos de Investimento Imobiliário; Volume VI - Procedimentos Judiciais Especiais).
Quais os desafios e soluções encontrados para enfrentar a crise pandémica que atualmente se vive no que respeita à intervenção como advogados?
João Ricardo Nóbrega: A atual crise sanitária alterou naturalmente o paradigma das organizações e as sociedades de advogados não fugiram à regra. O maior desafio consistiu, num primeiro momento, aquando da declaração do estado de emergência, readaptar e implementar procedimentos internos por forma a garantir, desde logo, a segurança de todos os colaboradores e clientes e, concomitantemente, assegurar que não havia quaisquer interrupções na atividade. Assim, continuámos a assegurar o acompanhamento presencial em todos os atos notariais que, entretanto, foram agendados, designadamente outorga de escrituras públicas de compra e venda de imóveis. De realçar, ainda, que o escritório manteve sempre a porta aberta, naturalmente cumprindo com os planos e medidas de segurança que foram adotados de acordo com as orientações da DGS.
Por fim, procurámos compreender os desafios que a atual crise acarretou para os nossos clientes, sentindo que seria imprescindível promover o acesso célere à informação sobre a produção legislativa e medidas extraordinárias com impacto direto e indireto no setor imobiliário. Por outro lado, reforçámos a aposta na advocacia preventiva, por forma a melhorar a capacidade de resposta, antecipando alternativas e mitigando riscos. Neste particular, atenta a indefinição do cenário macroeconómico, os processos de “due diligence” assumem especial relevância, por forma a robustecer as tomadas de decisão.