Estratégia de combate à corrupção é para “ficar na gaveta”
“A estratégia de combate à corrupção apresentada pelo Governo é um documento académico bem elaborado, mas não passa disso. Não apresenta verdadeiramente uma estratégia”, afirma Paulo de Morais, professor universitário e ex-vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, fundador da Associação Cívica Transparência e Integridade.
“É uma teoria que não apresenta estratégias práticas. Fica bem no papel e nas gavetas do Governo”, acrescenta o autor de “O Pequeno Livro Negro da Corrupção”, a sua mais recente publicação.
Vida Económica – Que razões o levaram a escrever “O Pequeno Livro Negro da Corrupção”, num momento em que o Governo avança com a apresentação da estratégia de combate à corrupção?
Paulo de Morais – Este livro pretende explicar e registar, para conhecimento generalizado no presente, mas também para memória futura, quais os mecanismos que mantêm Portugal e os portugueses na pobreza. Aqui se desvendam os modelos e estratagemas de corrupção, na Administração central e local, na política e na finança. Também se explicitam diversos casos e os seus protagonistas, também para que ninguém perca de vista que este fenómeno tem uma dimensão enorme e que atinge vários quadrantes. Se não fosse a corrupção a desviar tanta riqueza, seríamos um país desenvolvido e teríamos muito melhor qualidade de vida. Se queremos sair deste atoleiro, temos de combater eficazmente a corrupção.
VE – Como avalia esta estratégia (pontos fortes e pontos fracos)?
PM - A estratégia de combate à corrupção apresentada pelo Governo é um documento académico bem elaborado, mas não passa disso. Não apresenta verdadeiramente uma estratégia. Não explica como vai o Estado atuar para a corrupção diminuir. O surgimento deste documento é apenas uma forma de adiar o problema e empatar a opinião pública. É uma teoria que não apresenta estratégias práticas. Fica bem no papel e nas gavetas do Governo.
O erro de Francisca Van Dunem
VE – Numa recente intervenção, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, afirmou que “o sistema repressivo, por mais sofisticado que seja, é insuficiente para diminuir seriamente o fenómeno da corrupção”. Concorda com esta afirmação?
PM - Não concordo. Para que a corrupção diminua, é necessário que os criminosos tenham a perceção de que podem ser acusados, condenados e presos – o que raramente acontece em Portugal. É ainda necessário que haja uma capacidade de recuperação rápida e eficaz dos ativos que são subtraídos à sociedade através de mecanismos de corrupção. Sem prisões e sem recuperação massiva dos ativos roubados, não há dissuasão aos crimes de corrupção.
VE – Quais as medidas que considera poderiam ser verdadeiramente eficazes para combater a corrupção?
PM - Para o combate ao fenómeno ser eficaz, há que intervir a todos os níveis. A nível legislativo, simplificando a legislação de maior impacto na vida económica (contratação pública, obras públicas, ordenamento do território, urbanismo, ambiente…) e reduzindo o poder discricionário na aplicação da Lei. A nível da Justiça, constituindo Tribunais especializados que investiguem, acusem, julguem e condenem os corruptos e recuperem todos os recursos desviados. A nível social, criando um ambiente de censura social e até de intolerância face à corrupção. Isto só é possível com uma estratégia global de combate à corrupção dirigida a partir dos atores políticos com maior responsabilidade.
VE – Que mensagem gostaria de transmitir?
PM - Portugal tem depreciado, nos últimos anos, a sua situação em termos de transparência da vida pública, de controlo nos gastos públicos, de respeito pela equidade entre os cidadãos. Esta situação leva-nos à pobreza, ao subdesenvolvimento e à degradação da qualidade de vida. Se queremos melhor futuro para o país, uma sociedade mais justa para as gerações vindouras, temos de extirpar este cancro social que é a corrupção.
“A corrupção mina a democracia”
A corrupção “mina a democracia” e mata a esperança no futuro de Portugal” e “se não houver uma mudança profunda na política em Portugal as consequências perniciosas da corrupção irão sentir-se, dolorosamente, ao longo das gerações”, escreve Paulo de Morais no seu novo livro “O Pequeno Livro Negro da Corrupção”, que a editora Influência acaba de publicar.
No livro, que o autor pretende seja “um registo, para memória futura”, são relatados alguns dos maiores casos verdadeiros de corrupção em Portugal, tais como a corrupção na Expo 98, no Euro 2004, na compra de submarinos alemães, no BPA, no BPN, nas parcerias público-privadas, no BES e no Banif, nas Máfias do Sangue e nos empréstimos que a CGD concedeu sem as correspondentes garantias, apresentados numa sequência de A a Z.
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