Mercado das fusões e aquisições surpreende pela positiva
Ao contrário do que seria de esperar, tendo em conta a situação de pandemia que se atravessa, o mercado das fusões e aquisições tem resistido à crise e até se prevê um final de ano com um desempenho acima das melhores expetativas. Para os gabinetes de advogados, os negócios vão depender da área em que operam. Tudo aponta para que nas sociedades que possuem clientes de maior dimensão os resultados sejam promissores, face à propensão para captar o investimento estrangeiro, referiu Jorge Bleck, partner da sociedade de advogados Vieira de Almeida.
Vida Judiciária - Qual o balanço que faz de 2020 relativamente ao mercado de fusões e aquisições e qual o impacto do COVID-19?
JB: O ano de 2020 vem sendo uma surpresa. Na verdade, se é certo que se iniciou muito bem, na continuidade do bom ano de 2019, a crise do Covid-19 fez temer o pior; todavia e para surpresa de muitos, eu incluído, o ano vem revelando-se verdadeiramente promissor no campo das fusões & aquisições, esperando-se mesmo um crescimento significativo. É claro que apenas posso falar com propriedade do que neste campo vem sucedendo com a minha sociedade, contudo, pelo que vou escutando dos meus colegas de outras sociedades similares em termos de dimensão, o cenário não difere. Claro que, por estas sociedades terem como clientes na sua maior parte empresas de dimensão razoável e de no capítulo das fusões & aquisições estarem mais vocacionadas para operações que atraem investidores estrangeiros de significativo porte, estão menos atreitas ao impacto inicial da crise Covid-19.
VJ - Quais são as suas expectativas para o mercado de fusões e aquisições em 2021?
JB: Tenho de admitir que possa não ser um bom barómetro relativamente a indicações quanto ao que esperar do mercado de fusões e aquisições em 2021. Efetivamente, em meados de março augurava sérias dificuldades para o terceiro e último trimestres de 2020 e a realidade vem (felizmente) desmentindo-me.
Não obstante e para não fugir ao desafio que a pergunta coloca ao ser formulada em meados de novembro e ainda nada se saber como vai evoluir a pandemia em 2021 e qual vai ser o verdadeiro impacto no país relativamente ao fim dos regimes especiais de lay-off e das moratórias, sempre arrisco a dizer que esperamos um ano de 2021 não muito diferente de 2020.
Creio, no entanto, que esta minha expetativa possa não corresponder à de todos os advogados. É sabido que o mercado em que cada um de nós atua não se pode dizer que seja todo igual. Daí que as melhores ou piores expetativas dependam do tipo de clientes e de transações em que operamos. Creio, por exemplo, que, num mercado puramente transacional que é aquele que na VdA apostamos em termos de M&A, a crise de algumas empresas possam gerar oportunidades de fusões & aquisições a que o tipo de clientes com que trabalhamos estarão por certo atentos.
Infelizmente e em face da profunda crise de capitalização das empresas portuguesas e do seu acentuado endividamento, o mercado português é sobretudo vendedor e os compradores são, na sua esmagadora maioria, estrangeiros, com especial incidência em empresas gestoras de fundos de private equity. Esta é a consequência inevitável da acentuada falta de crescimento económico que Portugal vem conhecendo nos últimos vinte anos, em que crescemos em média cerca de 0,6% ao ano, do enorme endividamento que o país vem conhecendo, seja público, seja das empresas e mesmo das famílias, seja ainda dos níveis extremamente baixos da poupança.
Como se isto não fosse suficiente, estamos a entrar numa altura em que a propriedade de muitas das nossas empresas e dos nossos grupos económicos que surgiram no pós-25 de Abril estão na fase da transição de gerações, o que leva a que, em face de pontos de vista divergentes entre os sucessores, a venda das respetivas empresas possa ser encarada como uma forma de se encontrar um entendimento, nomeadamente liquefazendo as participações sociais.
Por isso e porque, ao contrário do que sucede em Portugal, há muita poupança no resto do mundo e excessiva liquidez que desespera por aplicações de retorno minimamente atrativo num mundo de taxas de juro negativas, haverá oportunidades de investimento em Portugal suficientes para manter o volume e o valor de fusões & aquisições em níveis pelo menos iguais aos dos anos anteriores. Oxalá não me engane desta vez.
Elevada liquidez para aplicar
VJ - Que setores de atividade deverão mostrar mais dinamismo?
JB: Pelas razões que acabei e expor, estou em crer que vamos ver muito dinamismo por parte dos fundos de private equity, mas não só. Fundos de infraestruturas, fundos de pensões e mesmo family offices, sobretudo estrangeiros, vão estar muito ativos. Falamos de instituições que estão com excessos de dinheiro para aplicar com retornos atrativos que lhes permita remunerar de forma adequada os respetivos participantes ou beneficiários e que por isso irão por certo exercer pressão significativa sobre as respetivas sociedades gestoras para que encontrem aplicações condignas para os meios financeiros que alocaram a tais fundos.
Creio que também iremos ver atividade significativa em R&I (restruturações e insolvências) em face da fragilidade provocada pelo excessivo endividamento das nossas empresas. Infelizmente, os meios disponibilizados pelo Estado por efeito da pandemia são escassos, revestindo na sua maioria a natureza de linhas de crédito ou garantias. Ora o que as empresas precisariam não era de mais crédito, mas sim de meios a fundo perdido. Mais dívida aliviará seguramente a tesouraria, mas significará apenas o adiar do problema, agravando um nível de endividamento que antes já era excessivo. São as consequências de o país não ter conseguido no tempo das “vacas gordas” diminuído a dívida publica.
VJ - Quais as vantagens de recorrer a uma sociedade de advogados na mediação do negócio?
JB: Em face dessa pergunta terei em primeiro lugar que dizer que um advogado é mau juiz em causa própria. Em segundo lugar não deixar de dizer que um advogado não intermedeia negócios; um advogado, pelo menos os que sejam dignos desse nome, são assessores de um cliente num negócio, pondo ao dispor deste os seus conhecimentos e experiência, com vista a que ele possa concluir o dito negócio nas condições jurídicas que lhe sejam mais favoráveis, dentro da lei.
Na chamada advocacia de negócios – termo que não gosto de usar em português pois tem uma tendência para ser lido como “advocacia das negociatas”, que repudio veementemente – as transações com que um cliente usualmente se depara têm já um nível de complexidade e de sofisticação que, mesmo tratando-se de clientes sofisticados, aconselha, diria que vivamente, uma assessoria especializada, quer na vertente jurídica, quer noutras vertentes, como sejam as de natureza financeira e comercial ou de ambiente.
O grau de especialização que todas estas vertentes da assessoria de empresas atingiu hoje fazem com que seja muito arriscado um cliente abalançar-se para uma operação de valor significativo sem cuidar de estar aconselhado por profissionais que o possam como que guiar pelas malhas da legislação e da regulamentação de cada área, assim lhe permitindo que possa, na medida máxima possível, fazer um juízo fiel sobre a empresa que está a comprar (ou a vender) e das condições a que ficará vinculado. Creio que o papel dos advogados hoje em dia é, no seguimento do que se vem passando há várias décadas nos países de economias mais desenvolvidas do que a nossa, insubstituível no conforto que propiciam e na segurança que asseguram quanto aos direitos em presença.
VJ - Na sua opinião, no que respeita a uma ótica de investimentos, quais os setores de economia mais ativos?
JB: Do que tenho visto creio que um dos setores que em Portugal vem atraindo mais investimento é o da energia, com especial destaque para as energias renováveis. Tendo Portugal optado nos últimos vinte anos por uma política de forte incentivo ao investimento em energias renováveis, primeiro eólica e agora solar, conferindo generosos benefícios com vista a captar investidores num setor então ainda na sua infância, nomeadamente por via de tarifas mínimas garantidas aos produtores, é raro passar um mês sem que se veja anunciada alguma transação de grande dimensão (para os standards portugueses) no setor das renováveis. Os investidores sabem bem detetar boas oportunidades e bons retornos.
Outro dos setores que irão conhecer interesse particular, creio, será o setor do turismo, no que concerne à hotelaria e resorts. Infelizmente temo que vá haver muitos ativos para venda e a bom preço. Poucos serão os industriais que irão conseguir resistir a uma crise do setor que só deve ter paralelo em situação de guerra.
Portugal “está na moda”
VJ - No que diz respeito aos investidores estrangeiros em Portugal, quais as principais alterações verificadas neste último ano e como prevê o panorama em 2021?
JB: Portugal está na moda, no turismo (fazendo votos de que a pandemia seja um mero interlúdio) mas não só. Fala-se de Portugal por boas razões. Reconhece-se que Portugal tem bons argumentos para atrair investimento; desde as infraestruturas rodoviárias, às telecomunicações, à disponibilização de quadros bem formados até à facilidade de domínio de línguas estrangeiras, isto para além da reconhecida afabilidade de Portugal para com os estrangeiros. Felizmente que estes fatores ainda sobrepesam a muitos dos aspetos que ainda temos negativos e que muitos dos investidores só conhecem quando já cá estão. Falo sobretudo dos elevados custos de contexto, de que destaco uma doentia burocracia, uma administração pública avessa ao investimento, devota do “não” e obcecada com a fuga à assunção de qualquer responsabilidade, de um clima político e dos media com uma reação epidérmica ao lucro, à riqueza e à iniciativa privada, isto aliado a um sistema fiscal que compara mal, muito mal, com os países nossos principais concorrentes.
Neste particular o que estava bem ainda continua bem, mas lamentavelmente o que estava mal está, a meu ver, pior. E isso a prazo pagar-se-á caro. Portugal e os seus decisores políticos, independentemente da sua cor, na sua maior parte ainda não perceberam as consequências da queda do muro de Berlim e do quanto isso acentuou o nosso cariz periférico e simultaneamente fez nascer na Europa do mercado livre concorrentes de uma dinâmica impressionante, que rivalizam – quando não nos ultrapassam – na definição e implementação de mecanismos e de culturas altamente atrativas ao investimento direto estrangeiro (IDE).
Não estamos sozinhos no Mundo e ainda menos na Europa. Acresce que a nossa dimensão e a nossa localização periférica em relação à Europa não ajudam. Estas deveriam ser compensadas com uma agressiva política de apoio ao investimento e ao acolhimento de investidores. Neste capítulo, também há muita coisa ainda por fazer. Não obstante, não mudou o interesse por Portugal e a nossa capacidade de atrair IDE vai continuando a evoluir. Pelas razões que já aqui referi, em Portugal os ativos estão baratos e há boas oportunidades que os investidores atentos sabem aproveitar bem. Temos por isso sido destino de IDE sobretudo de private equities, mas também e felizmente de alguns industriais. Esperemos que em 2021 novas oportunidades surjam e que o capital estrangeiro continue a vir em crescendo. Entretanto, deveríamos atacar a sério os custos de contexto, preocupação essa que sei estar nas preocupações do Ministro da Economia. Assim os seus pares o oiçam.
VJ - Qual a importância de assessoria financeira numa operação de M&A?
JB: Numa operação de M&A, o assessor financeiro é, no conjunto dos assessores, o mais importante. Não apenas porque muitas das vezes, em paralelo com a assessoria, asseguram o financiamento à aquisição, como muitas das vezes é o assessor financeiro que descobriu – quando não é ele que cria – a oportunidade que subjaz à própria operação. Neste particular, as consultoras e a banca de investimento são, enquanto assessores financeiros, agentes fundamentais na prospeção e na criação do mercado de M&A.
Todavia, os tempos estão a mudar. Também aqui as private equity são cada vez mais elas próprias prospetores e criadoras de mercado, quando não também financiadores, começando a rivalizar nesse particular com a banca de investimentos. Contudo, a criatividade e capacidade inventiva de estruturas complexas, aliada à sua capacidade de financiamento, ainda fazem com que a assessoria financeira seja uma peça essencial na estruturação, negociação e implementação de uma operação de M&A, sobretudo nas de maior dimensão.