Ligações societárias Cabo Verde/Portugal
Carla Monteiro
Carla Monteiro & Associados
– Sociedade de Advogados, RL
Portugal e Cabo Verde são dois países que se encontram historicamente ligados e entre os seus povos há um sentimento comum de amizade e afinidade. Do ponto de vista económico-financeiro, Portugal é um parceiro estratégico e de extrema importância para Cabo Verde, sendo que essa parceria se tem refletido na assinatura de inúmeras parcerias e programas de cooperação.
Estas parcerias ao mais alto nível repercutem indubitavelmente nas ligações societárias existentes entre os dois países tendo em consideração que se criou um ambiente de negócios favorável para que cada vez mais sociedades legalmente constituídas ao abrigo do direito português se instalem e exerçam a sua atividade em Cabo Verde e vice-versa.
Falando em ambiente de negócio favorável, recentemente, o Decreto-legislativo n.º 1/2019, de 23 de julho, aprovou o Código Comercial de Cabo Verde e, por seu turno, o Decreto-legislativo n.º 2/2019, também de 23 de julho, aprovou o Código das Sociedades Comerciais de Cabo Verde. A aprovação desses diplomas veio colmatar uma necessidade premente de reforma da legislação comercial cabo-verdiana que ainda se regia pelo obsoleto Código das Empresas Comerciais aprovado pelo Decreto-legislativo n.º 3/99, de 29 de março, que até então se encontrava em vigor.
A título informativo, podemos destacar que na alteração legislativa operada desapareceu a figura jurídica de sociedades em nome coletivo e sociedades em comandita, consequentemente, deixou de haver a possibilidade de entrada de indústria, bem como a previsão de um regime obrigatório de responsabilidade ilimitada de certas categorias de sócios. A eliminação desses tipos de sociedades não veio alterar a dinâmica societária em Cabo Verde, tendo em consideração que eram praticamente inexistentes.
A alteração legislativa ocorrida teve como pedra angular a adequação da nossa legislação comercial às novas e boas práticas legislativas ocorridas em ordenamentos jurídicos com que Cabo Verde tem relações especiais de parceria, de entre os quais, se não o principal, se encontra Portugal, tendo em consideração a similaridade (por vezes exagerada) existente entre as legislações. A intenção é que Cabo Verde seja cada vez mais atrativo a investidores estrangeiros, tendo em consideração que o país ocupa atualmente a posição 137 no ranking do Doing Business segundo o último relatório do Banco Mundial que mede e regula o ambiente/facilidade para fazer negócios. Cabo Verde é o país africano de língua oficial portuguesa melhor classificado no ranking (Portugal ocupa a posição 39 do ranking). No relatório, é feita referência que o país se encontra a fazer reformas no sentido de facilitar o ambiente de negócio e uma das reformas foi, precisamente, a atualização da legislação comercial.
Cabo Verde é um mercado natural para a internacionalização das empresas portuguesas nas diversas áreas económicas, com ênfase no setor do turismo, e, apesar de não haver estudo estatístico neste sentido, temos deparado que as ligações societárias entre Portugal e Cabo Verde são na sua maioria de empresas portuguesas que se sediam em Cabo Verde do que vice-versa, muito por força da maior capacidade de internacionalização dessas mesmas empresas e pelo fato de a economia de Cabo Verde ser predominantemente no setor terciário com enfase nos serviços não mercantis, ou seja, serviços da administração pública.
Abrimos um parêntesis para realçar que na XXIII Feira Internacional de Cabo Verde, que decorreu entre os dias 13 a 16 de novembro de 2019, sob o lema “Cabo Verde, uma economia de circulação no Atlântico médio”, das empresas expositoras 69% são de direito cabo-verdiano e 29% de direito português, sendo os restantes 2% empresas de direito brasileiro. Para a edição da feira de 2020 que se realizaria entre os dias 18 e 21 de novembro, que por motivos da pandemia da Covid19 foi cancelada, já várias empresas portuguesas haviam assumido o compromisso, ainda no ano de 2019, de marcarem presença.
Retomando o tema, as sociedades constituídas ao abrigo do direito português que exercem a sua atividade em Cabo Verde aproveitam dos diversos mecanismos legalmente existentes, que são em todos idênticos aos mecanismos previstos na legislação comercial portuguesa, para a constituição de sociedades ao abrigo do direito cabo-verdiano.
Um dos mecanismos societários mais comuns nos dias de hoje, bastante utilizado pelas sociedades portuguesas em Cabo Verde, é a criação de sucursal que por definição não tem personalidade jurídica própria, sendo uma extensão da sociedade que representa através de um estabelecimento estável ou representação permanente com capacidade plena para celebrar contratos no âmbito da sua atividade.
A possibilidade de criação de sucursais em Cabo Verde encontra-se prevista no artigo 16.º do nosso Código das Sociedades Comerciais sob a epigrafe “formas locais de representação”. O processo de criação de sucursal encontra-se simplificado, sendo que, para tal, é exigido a certidão comercial da empresa-mãe acompanhada do respetivo estatuto, a deliberação social em que se aprovou a criação da sucursal em Cabo Verde no qual deverá constar a identificação da pessoa que será o representante da empresa-mãe em Cabo Verde, bem como os poderes que lhe são atribuídos. Previamente deve ser solicitado o certificado de admissibilidade de firma da sucursal, bem como o número de contribuinte desta e do respetivo representante para posteriormente se realizar o registo na conservatória de registo comercial.
Algumas das empresas, numa fase inicial do investimento, tendo em conta as incertezas de mercado, optam por criar sucursais e, posteriormente, com o conhecimento do mercado e o crescimento das suas atividades, acabam por transformar as sucursais numa sociedade de raiz de direito cabo-verdiano. A transformação de sociedades encontra-se prevista no artigo 132.º do nosso Código das Sociedades Comerciais e prevê que qualquer sociedade comercial pode adotar posteriormente um dos outros tipos legalmente previstos, sendo que essa transformação não implica a dissolução da sociedade anterior, salvo se assim for deliberado pelos sócios, tendo em consideração que a sociedade transformada sucede automática e globalmente à sociedade anterior.
Para além da figura jurídica da sucursal, é bastante comum encontrarmos ligações societárias entre Portugal e Cabo Verde através de sociedades coligadas em que, de todas as formas de coligação legalmente existentes (sociedades em relação de simples participação; sociedades em relação de participações recíprocas, sociedades em relação de domínio e sociedades em relação de grupo), na grande maioria das vezes, há uma relação de domínio da sociedade de direito português para com a sociedade de direito cabo-verdiano. Essa relação de domínio traduz-se, de entre outos aspetos, na detenção de uma participação maioritária da sociedade portuguesa (dominante) no capital social da sociedade cabo-verdiana (dominada). A partir da constituição da relação de domínio, a sociedade dominante fica com o direito de dar à administração da sociedade dominada instruções vinculativas.
Quando houver o que a nossa lei se designa, de aquisições tendentes ao domínio total, ou seja, quando uma sociedade disponha de quotas ou ações correspondentes a, pelo menos, 90% do capital da outra sociedade, deverá propor aos sócios ou acionistas livres da sociedade dominada a compra das suas quotas ou ações e, caso estes se recusem a vender, pode a sociedade dominante requerer a autorização judicial para a amortização dessa participação social.
Para finalizar, a nossa última nota vai para uma figura já enraizada no ordenamento jurídico português, mas relativamente recente no ordenamento jurídico cabo-verdiano e que ainda não se vê com frequência, mas já se denota algum crescendo, as Sociedades Gestoras de Participações Sociais, denominadas «SGPS».
A figura das SGPS foi regulamentada em Cabo Verde pela primeira vez em 2009 através do Decreto-lei n.º 25/2009, de 14 de dezembro e, atualmente, adquiriu um capítulo próprio dentro do Código das Sociedades Comerciais (artigos 419.º a 428.º do CSC) que revogou o diploma legal supramencionado.
Chamamos atenção para esta figura societária tendo em vista que uma SGPS constituída nos termos do direito cabo-verdiana pode adquirir e deter participações em sociedades subordinadas a um direito estrangeiro, nos mesmos termos em que pode adquirir e deter participações em sociedades sujeitas ao direito cabo-verdiano, com salvaguarda das restrições constantes no ordenamento jurídico da sociedade participada.
Neste sentido, estamos perante uma figura jurídica que é mais um mecanismo ao dispor dos investidores e que pode ser aproveitada para se estreitar ainda mais as ligações societárias entre Portugal e Cabo Verde.
Estas parcerias ao mais alto nível repercutem indubitavelmente nas ligações societárias existentes entre os dois países tendo em consideração que se criou um ambiente de negócios favorável para que cada vez mais sociedades legalmente constituídas ao abrigo do direito português se instalem e exerçam a sua atividade em Cabo Verde e vice-versa.
Falando em ambiente de negócio favorável, recentemente, o Decreto-legislativo n.º 1/2019, de 23 de julho, aprovou o Código Comercial de Cabo Verde e, por seu turno, o Decreto-legislativo n.º 2/2019, também de 23 de julho, aprovou o Código das Sociedades Comerciais de Cabo Verde. A aprovação desses diplomas veio colmatar uma necessidade premente de reforma da legislação comercial cabo-verdiana que ainda se regia pelo obsoleto Código das Empresas Comerciais aprovado pelo Decreto-legislativo n.º 3/99, de 29 de março, que até então se encontrava em vigor.
A título informativo, podemos destacar que na alteração legislativa operada desapareceu a figura jurídica de sociedades em nome coletivo e sociedades em comandita, consequentemente, deixou de haver a possibilidade de entrada de indústria, bem como a previsão de um regime obrigatório de responsabilidade ilimitada de certas categorias de sócios. A eliminação desses tipos de sociedades não veio alterar a dinâmica societária em Cabo Verde, tendo em consideração que eram praticamente inexistentes.
A alteração legislativa ocorrida teve como pedra angular a adequação da nossa legislação comercial às novas e boas práticas legislativas ocorridas em ordenamentos jurídicos com que Cabo Verde tem relações especiais de parceria, de entre os quais, se não o principal, se encontra Portugal, tendo em consideração a similaridade (por vezes exagerada) existente entre as legislações. A intenção é que Cabo Verde seja cada vez mais atrativo a investidores estrangeiros, tendo em consideração que o país ocupa atualmente a posição 137 no ranking do Doing Business segundo o último relatório do Banco Mundial que mede e regula o ambiente/facilidade para fazer negócios. Cabo Verde é o país africano de língua oficial portuguesa melhor classificado no ranking (Portugal ocupa a posição 39 do ranking). No relatório, é feita referência que o país se encontra a fazer reformas no sentido de facilitar o ambiente de negócio e uma das reformas foi, precisamente, a atualização da legislação comercial.
Cabo Verde é um mercado natural para a internacionalização das empresas portuguesas nas diversas áreas económicas, com ênfase no setor do turismo, e, apesar de não haver estudo estatístico neste sentido, temos deparado que as ligações societárias entre Portugal e Cabo Verde são na sua maioria de empresas portuguesas que se sediam em Cabo Verde do que vice-versa, muito por força da maior capacidade de internacionalização dessas mesmas empresas e pelo fato de a economia de Cabo Verde ser predominantemente no setor terciário com enfase nos serviços não mercantis, ou seja, serviços da administração pública.
Abrimos um parêntesis para realçar que na XXIII Feira Internacional de Cabo Verde, que decorreu entre os dias 13 a 16 de novembro de 2019, sob o lema “Cabo Verde, uma economia de circulação no Atlântico médio”, das empresas expositoras 69% são de direito cabo-verdiano e 29% de direito português, sendo os restantes 2% empresas de direito brasileiro. Para a edição da feira de 2020 que se realizaria entre os dias 18 e 21 de novembro, que por motivos da pandemia da Covid19 foi cancelada, já várias empresas portuguesas haviam assumido o compromisso, ainda no ano de 2019, de marcarem presença.
Retomando o tema, as sociedades constituídas ao abrigo do direito português que exercem a sua atividade em Cabo Verde aproveitam dos diversos mecanismos legalmente existentes, que são em todos idênticos aos mecanismos previstos na legislação comercial portuguesa, para a constituição de sociedades ao abrigo do direito cabo-verdiano.
Um dos mecanismos societários mais comuns nos dias de hoje, bastante utilizado pelas sociedades portuguesas em Cabo Verde, é a criação de sucursal que por definição não tem personalidade jurídica própria, sendo uma extensão da sociedade que representa através de um estabelecimento estável ou representação permanente com capacidade plena para celebrar contratos no âmbito da sua atividade.
A possibilidade de criação de sucursais em Cabo Verde encontra-se prevista no artigo 16.º do nosso Código das Sociedades Comerciais sob a epigrafe “formas locais de representação”. O processo de criação de sucursal encontra-se simplificado, sendo que, para tal, é exigido a certidão comercial da empresa-mãe acompanhada do respetivo estatuto, a deliberação social em que se aprovou a criação da sucursal em Cabo Verde no qual deverá constar a identificação da pessoa que será o representante da empresa-mãe em Cabo Verde, bem como os poderes que lhe são atribuídos. Previamente deve ser solicitado o certificado de admissibilidade de firma da sucursal, bem como o número de contribuinte desta e do respetivo representante para posteriormente se realizar o registo na conservatória de registo comercial.
Algumas das empresas, numa fase inicial do investimento, tendo em conta as incertezas de mercado, optam por criar sucursais e, posteriormente, com o conhecimento do mercado e o crescimento das suas atividades, acabam por transformar as sucursais numa sociedade de raiz de direito cabo-verdiano. A transformação de sociedades encontra-se prevista no artigo 132.º do nosso Código das Sociedades Comerciais e prevê que qualquer sociedade comercial pode adotar posteriormente um dos outros tipos legalmente previstos, sendo que essa transformação não implica a dissolução da sociedade anterior, salvo se assim for deliberado pelos sócios, tendo em consideração que a sociedade transformada sucede automática e globalmente à sociedade anterior.
Para além da figura jurídica da sucursal, é bastante comum encontrarmos ligações societárias entre Portugal e Cabo Verde através de sociedades coligadas em que, de todas as formas de coligação legalmente existentes (sociedades em relação de simples participação; sociedades em relação de participações recíprocas, sociedades em relação de domínio e sociedades em relação de grupo), na grande maioria das vezes, há uma relação de domínio da sociedade de direito português para com a sociedade de direito cabo-verdiano. Essa relação de domínio traduz-se, de entre outos aspetos, na detenção de uma participação maioritária da sociedade portuguesa (dominante) no capital social da sociedade cabo-verdiana (dominada). A partir da constituição da relação de domínio, a sociedade dominante fica com o direito de dar à administração da sociedade dominada instruções vinculativas.
Quando houver o que a nossa lei se designa, de aquisições tendentes ao domínio total, ou seja, quando uma sociedade disponha de quotas ou ações correspondentes a, pelo menos, 90% do capital da outra sociedade, deverá propor aos sócios ou acionistas livres da sociedade dominada a compra das suas quotas ou ações e, caso estes se recusem a vender, pode a sociedade dominante requerer a autorização judicial para a amortização dessa participação social.
Para finalizar, a nossa última nota vai para uma figura já enraizada no ordenamento jurídico português, mas relativamente recente no ordenamento jurídico cabo-verdiano e que ainda não se vê com frequência, mas já se denota algum crescendo, as Sociedades Gestoras de Participações Sociais, denominadas «SGPS».
A figura das SGPS foi regulamentada em Cabo Verde pela primeira vez em 2009 através do Decreto-lei n.º 25/2009, de 14 de dezembro e, atualmente, adquiriu um capítulo próprio dentro do Código das Sociedades Comerciais (artigos 419.º a 428.º do CSC) que revogou o diploma legal supramencionado.
Chamamos atenção para esta figura societária tendo em vista que uma SGPS constituída nos termos do direito cabo-verdiana pode adquirir e deter participações em sociedades subordinadas a um direito estrangeiro, nos mesmos termos em que pode adquirir e deter participações em sociedades sujeitas ao direito cabo-verdiano, com salvaguarda das restrições constantes no ordenamento jurídico da sociedade participada.
Neste sentido, estamos perante uma figura jurídica que é mais um mecanismo ao dispor dos investidores e que pode ser aproveitada para se estreitar ainda mais as ligações societárias entre Portugal e Cabo Verde.