FUSÃO v. OPA
António Pereira de Almeida
Doutor em Direito pela Faculdade
de Direito de Paris (Paris II - Panthéon). Advogado
O objeto deste tema são as formas jurídicas de aquisição do controlo de uma sociedade, geralmente conhecido em termos internacionais, por “Mergers and acquisitions”.
O tema em análise respeita apenas a sociedades abertas (art.º 13.º/CVM), principalmente com ações admitidas à negociação em mercados regulamentados (Euronext) ou sistemas de negociação multilateral (art.º 200.º/CVM), como o Euronext Access ou Growth.
1) As alternativas
As alternativas são fundamentalmente:
a) Ramassage
b) Fusão
c) OPA
a) Ramassage
A “ramassage” consiste na compra progressiva das ações da sociedade visada, em bolsa ou fora dela.
Não se contempla a compra propriamente dita (acquisition) de uma sociedade, porque a sociedade visada não pode ser comprada, mas apenas se podem adquirir as ações e estas estão, em princípio, dispersas numa sociedade aberta.
Na ramassage há que ter em consideração os deveres de comunicação – à CMVM e à sociedade participada – a partir do momento em que se atinja ou ultrapasse a participação de 10%, 20%, um terço, metade, dois terços e 90%(1) dos direitos de voto correspondentes ao capital social (art.º 16.º/CVM).
Por outro lado, nos termos do art.º 187.º, n.º 1/CVM, logo que se atinja uma participação direta ou indireta – através de imputação de direitos de voto (art.º 20.º/CVM) – igual ou superior a 1/3 ou metade dos direitos de voto, torna-se obrigatório o lançamento de uma OPA geral sobre a totalidade das ações e de outros valores mobiliários que confiram direito à sua subscrição ou a aquisição (futuros e opções).
O limite de 1/3 pode ser suprimido pelos estatutos das sociedades não cotadas e, em qualquer caso, a sociedade pode fazer a prova, perante a CMVM, que não tem o domínio da sociedade visada (art.º 187.º, n.ºs 2 e 4/CVM).
Como decorre do exposto, a compra progressiva de ações é um processo moroso e, para efeitos de domínio, consumar-se-ia sempre com uma OPA obrigatória, nos termos atrás expostos.
Pelo que apenas analisaremos as duas outras formas de aquisição de domínio de uma sociedade: a fusão e a OPA.
b) A fusão
A fusão é a forma mais intensa de integração societária e pode revestir duas modalidades (art.º 97.º, n.º 4/CSC):
- Fusão por dissolução;
- Fusão por incorporação.
No primeiro caso, as duas sociedades envolvidas dissolvem-se e é constituída uma nova sociedade, para a qual se transferem os patrimónios das sociedades fundidas, atribuindo-se aos acionistas destas as ações da nova sociedade, na proporção da relação de troca(2).
No segundo caso – fusão por incorporação – verifica-se a incorporação de uma sociedade noutra, mediante a extinção da sociedade incorporada e transferência global do seu património para a sociedade incorporante, atribuindo-se ações desta aos acionistas da sociedade incorporada, na proporção da relação de troca.
No caso que nos ocupa, apenas interessa a fusão por incorporação(3).
c) A OPA
A OPA ou oferta pública de aquisição, neste caso de ações, é dirigida a todos os titulares de ações da sociedade visada (art.ºs 109.º e 173.º/CVM), mas pode visar a totalidade dessas ações ou só parte (uma percentagem) delas.
A OPA também pode ser condicionada ao atingimento de uma certa percentagem de ações, por exemplo 50%, 75% ou 90% (art.º 124.º, n.ºs 3 e 4/CVM).
A contrapartida da OPA pode consistir em dinheiro ou em valores mobiliários (OPT), como, por exemplo, ações ou obrigações da sociedade oferente, desde que tenham liquidez e sejam suscetíveis de avaliação (art.º 177.º/CVM), mas a também pode ser mista, isto é, parte em dinheiro e parte em valores mobiliários.
2) Montagem da operação
a) Fusão por incorporação
A operação mais crítica do processo de fusão é a determinação da relação de troca, isto é, quantas ações da sociedade incorporante serão atribuídas aos titulares de ações da sociedade incorporada, o que depende, naturalmente, da avaliação recíproca de ambas as empresas.
Para além das ações da sociedade incorporante, podem ser atribuídas aos acionistas da sociedade incorporada quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal das ações que lhes forem atribuídas, nomeadamente para efeito de acertos (art.º 97.º, n.º 5/CSC).
Mas a sociedade incorporante não recebe ações de si própria em troca de ações que detenha na sociedade incorporada (art.º 104.º, n.º 3/CSC).
Para cálculo da relação de troca, como referência para a avaliação, poderão ser utilizados balanços do último exercício de cada uma das sociedades, desde que tenham sido encerrados há menos de 6 meses, ou balanços reportados a uma data que não anteceda o último trimestre (art.º 198.º, n.º 2/CSC).
É, ainda, necessária uma avaliação dos elementos do ativo e do passivo, a transferir para a sociedade incorporante, com indicação dos critérios de avaliação adoptados, bem como as bases da relação de troca [art.º 98.º, n.º 1 al. d) e n.º 2/CSC].
Esta relação de troca tem de ser validada por ROCs independentes, indicados por cada uma das sociedades - ou por um ROC indicado pela Câmara dos ROC, se ambas as sociedades assim optarem -– os quais deverão elaborar um relatório com justificação dos métodos utilizados para apurar a relação de troca (art.º 99.º, n.ºs 2 a 4/CSC).
O projeto de fusão deve ser elaborado, em conjunto, pelas administrações de ambas as sociedades e submetido a parecer do órgão de fiscalização de cada uma delas e deve dar a conhecer a operação visada, tanto no aspeto jurídico como no aspeto económico, os motivos, as condições e os objetivos da fusão, devendo conter, entre outros elementos, as ações a atribuir aos acionistas da sociedade incorporada e as quantias em dinheiro, se a elas houver lugar, especificando-se a relação de troca (art.º 99.º, n.º 1/CSC).
Segue-se o registo na Conservatória do Registo Comercial e a publicação do projeto, bem como a convocatória das assembleias gerais de cada uma das sociedades, com a menção de que o projeto da fusão e respetiva documentação podem ser consultados nas sedes de cada um das sociedades, pelos acionistas e credores, bem como que estes se podem opor à fusão (art.º 100.º/CSC).
Com efeito, no prazo de um mês após a publicação do registo do projeto, os credores das sociedades participantes cujos créditos sejam anteriores a essa publicação podem deduzir oposição judicial à fusão, com fundamento no prejuízo que dela derive para a realização dos seus direitos, desde que tenham solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido (art.º 101-A/CSC).
Finalmente, o projeto de fusão é apresentado às assembleias gerais de cada uma das sociedades, devendo a deliberação ser aprovada pela maioria necessária para alteração dos estatutos (art.º 103.º/CSC). No caso de alguma das sociedades possuir participação no capital de outra, não pode dispor de número de votos superior à soma dos que competem a todos os outros sócios, somando-se, para o efeito, os votos de outras sociedades que com aquela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, bem como os votos de pessoas que atuem em nome próprio, mas por conta de alguma dessas sociedades (art.º 104.º/CSC).
Após as deliberações das assembleias gerais, as administrações de ambas as sociedades deverão redigir e assinar o “contrato de fusão”, nos termos acordados (art.º 106.º/CSC).
Segue-se o registo definitivo da fusão (art.º 111.º/CSC).
Com o registo extingue-se a sociedade incorporada e os seus acionistas tornam-se acionistas da sociedade incorporante, de acordo com a relação de troca (art.º 112.º/CSC).
Estas regras são aligeiradas no caso de a sociedade incorporante deter, pelo menos, 90% do capital social da sociedade incorporada, não sendo necessária a avaliação pelos peritos, nem a realização das assembleias gerais, salvo se esta for requerida por acionistas detentores de, pelo 5%, do capital social (art.º 116.º/CSC). Neste caso, os acionistas detentores de 10 % ou menos do capital social da sociedade incorporada que tenham votado contra o projeto de fusão podem exonerar-se da sociedade (art.º 116.º, n.º 4/CSC)(4).
b) OPA
O elemento fundamental da OPA é a determinação do valor da contrapartida, que só tem um valor mínimo obrigatório no caso da OPA obrigatória (art.º 188.º/CVM). Mas, se o valor for baixo, a OPA não terá sucesso, podendo, todavia, a sociedade oferente aumentar esse valor, no mínimo em 2%, até 5 dias antes do termo do prazo da oferta (art.º 184.º/CVM).
Por outro lado, uma vez que o que se pretende é o controlo da sociedade visada, será conveniente condicionar a OPA ao atingimento de um certo patamar de direitos de voto – podendo ter-se em conta as ações já detidas – que permita o controlo da sociedade visada.
Porém, a OPA poderá ser hostil, ou realizada com o entendimento ou colaboração da administração da sociedade visada.
De qualquer forma, logo que tome a decisão de lançamento da OPA, o oferente deve enviar anúncio preliminar à CMVM, à sociedade visada e às entidades gestoras dos mercados regulamentados em que os valores mobiliários que são objeto da oferta, ou que integrem a contrapartida a propor, estejam admitidos à negociação, procedendo de imediato à respetiva publicação (art.º 175.º, n.º 1/CVM).
Até esse momento, para evitar o “insider trading”, o oferente, a sociedade visada, os seus acionistas e os titulares de órgãos sociais e, bem assim, todos os que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional devem guardar segredo sobre a preparação da oferta até à publicação do anúncio preliminar. (art.º 174.º/CVM).
O anúncio preliminar, para além da indicação sumária dos objetivos do oferente, deve mencionar, nomeadamente, o valor da contrapartida e se esta consiste em dinheiro ou em valores mobiliários (OPT) ou se é mista, bem como, se for o caso, as condições quanto aos limites mínimos e máximos das ações a adquirir (art.º 176.º/CVM).
Mas há que ter em atenção que a publicação do anúncio obriga o oferente a lançar a oferta no prazo de 20 dias, prorrogável pela CMVM até 60 dias, se for uma OPT.
Contudo, a peça fundamental da OPA é o prospeto, que deve conter informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita que permita aos destinatários formar juízos fundados sobre a oferta, os valores mobiliários que dela são objeto e os direitos que lhe são inerentes, sobre as caraterísticas específicas, a situação patrimonial, económica e financeira e as previsões relativas à evolução da atividade e dos resultados do emitente (135, n.º 1) (art.ºs 134.º, n.º 1, 135.º e 138.º/CVM).
As OPA estão sujeitas à intervenção obrigatória de um intermediário financeiro, que presta, pelo menos, os serviços de assistência a partir do anúncio preliminar e receção das declarações de aceitação (art.º 113.º, n.º 1/CVM).
É importante recordar que, para além do intermediário financeiro, são solidariamente responsáveis pelo conteúdo do projeto, presumindo-se a culpa,
a) O oferente;
b) Os titulares do órgão de administração do oferente;
c) O emitente;
d) Os titulares do órgão de administração do emitente;
e) Os titulares do órgão de fiscalização, as sociedades de revisores oficiais de contas, os revisores oficiais de contas e outras pessoas que tenham certificado ou, de qualquer outro modo, apreciado os documentos de prestação de contas em que o prospeto se baseia;
f) Os intermediários financeiros encarregados da assistência à oferta;
g) As demais pessoas que aceitem ser nomeadas no prospeto como responsáveis por qualquer informação, previsão ou estudo que nele se inclua.” (art.º 149.º, n.º 1/CVM).
Após o anúncio preliminar e dentro do prazo atrás referido, o oferente deve registar a OPA na CMVM, juntando o projeto de prospeto, e comprovar o depósito da contrapartida em dinheiro ou garantia bancária (art.º 179.º/CVM).
Se a contrapartida consistir em valores mobiliários (OPT), o oferente deverá proceder ao seu bloqueio (art.º 179.º al. c)/CVM).
Logo que o prospeto seja aprovado pela CMVM (art.º 118.º/CVM), deverá ser divulgado o anúncio de lançamento da oferta, em meio de comunicação de grande difusão, com indicação das suas caraterísticas essenciais e do local ou forma onde o prospeto pode ser consultado (art.º 183.º-A/CVM).
A partir da publicação do anúncio preliminar e até ao apuramento do resultado da oferta, o oferente e as pessoas que estiverem nas situações de imputação de direitos de voto previstas no art.º 20.º/CVM:
“a) Não podem negociar fora de mercado regulamentado valores mobiliários da categoria dos que são objeto da oferta ou dos que integram a contrapartida, exceto se forem autorizados pela CMVM, com parecer prévio da sociedade visada;
b) Devem informar diariamente a CMVM sobre as transações realizadas por cada uma delas sobre valores mobiliários emitidos pela sociedade visada ou da categoria dos que integram a contrapartida.” (art.º 180.º, n.º 1/CVM).
O órgão de administração da sociedade visada, no prazo de 8 dias a contar do anúncio do lançamento da OPA, deve enviar à CMVM e ao oferente e divulgar ao público um relatório sobre a oportunidade e as condições da oferta (art.º 181.º/CVM).
A partir desse momento e até ao apuramento do resultado da oferta, a administração da sociedade visada fica com os poderes limitados a atos de gestão corrente (art.º 182.º/CVM).
O prazo da oferta pode durar entre 2 e 10 semanas (art.º 183.º/CVM), findo o qual o intermediário financeiro designado deverá proceder imediatamente ao apuramento, ao eventual rateio e à publicação do resultado (art.º 127.º/CVM).
Finalmente, refira-se que, se o oferente, até ao apuramento dos resultados da OPA, alcançar 90 % dos direitos de voto correspondentes ao capital social e 90 % dos direitos de voto abrangidos pela oferta, pode, nos três meses subsequentes, lançar uma aquisição potestativa para adquirir as ações remanescentes, mediante contrapartida justa, em dinheiro, calculada nos termos do art.º 188.º/CVM (art.º 194.º, n.º 1/CVM).
Se a aquisição potestativa se efetivar, as sociedades ficam em relação de grupo (art.ºs 488.º e 489.º/CSC), com todas as consequências (art.ºs 491.º e 501.º a 504.º/CSC)(5).
3) Conclusão
Quer a fusão por incorporação quer a OPA são meios apropriados para alcançar o controlo de uma sociedade.
Só que a fusão pressupõe um acordo entre as administrações de ambas as sociedades, enquanto a OPA pode ser hostil, isto é, sem qualquer entendimento com a administração da sociedade visada.
A fusão não implica qualquer “pagamento” aos acionistas da sociedade incorporada, mas, em contrapartida, a atribuição de ações da sociedade incorporante, de acordo com a relação de troca estabelecida, o que sempre implica alguma diluição do capital social desta.
A OPA pressupõe o pagamento da contrapartida aos acionistas da sociedade visada que aceitarem a oferta, mas esta contrapartida pode ser em dinheiro, em valores mobiliários (OPT) – ações ou obrigações da sociedade oferente – ou mista.
Finalmente, enquanto, na fusão, a sociedade incorporada se extingue, transmitindo-se a totalidade do seu património – ativo e passivo – para a sociedade incorporante, na OPA, a sociedade visada mantém a sua autonomia jurídica, ainda que numa relação de domínio ou de grupo.
NOTAS:
1- 5%, 15% e 25% dos direitos de voto, no caso de se tratar de uma sociedade com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado.
2- Quanto à relação de troca, v. infra.
3- Para maior desenvolvimento, v. António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos financeiros e Mercados, 7.ª ed., vol. I, pág. 693 e seg.s.
4- Os estatutos também podem atribuir o direito de exoneração a todos os accionistas que tiverem votado contra o projeto de fusão (art.º 105.º/CSC).
5- Para maior desenvolvimento, v. António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos financeiros e Mercados, 7.ª ed., vol. II, pág. 187 e seg.s.
O tema em análise respeita apenas a sociedades abertas (art.º 13.º/CVM), principalmente com ações admitidas à negociação em mercados regulamentados (Euronext) ou sistemas de negociação multilateral (art.º 200.º/CVM), como o Euronext Access ou Growth.
1) As alternativas
As alternativas são fundamentalmente:
a) Ramassage
b) Fusão
c) OPA
a) Ramassage
A “ramassage” consiste na compra progressiva das ações da sociedade visada, em bolsa ou fora dela.
Não se contempla a compra propriamente dita (acquisition) de uma sociedade, porque a sociedade visada não pode ser comprada, mas apenas se podem adquirir as ações e estas estão, em princípio, dispersas numa sociedade aberta.
Na ramassage há que ter em consideração os deveres de comunicação – à CMVM e à sociedade participada – a partir do momento em que se atinja ou ultrapasse a participação de 10%, 20%, um terço, metade, dois terços e 90%(1) dos direitos de voto correspondentes ao capital social (art.º 16.º/CVM).
Por outro lado, nos termos do art.º 187.º, n.º 1/CVM, logo que se atinja uma participação direta ou indireta – através de imputação de direitos de voto (art.º 20.º/CVM) – igual ou superior a 1/3 ou metade dos direitos de voto, torna-se obrigatório o lançamento de uma OPA geral sobre a totalidade das ações e de outros valores mobiliários que confiram direito à sua subscrição ou a aquisição (futuros e opções).
O limite de 1/3 pode ser suprimido pelos estatutos das sociedades não cotadas e, em qualquer caso, a sociedade pode fazer a prova, perante a CMVM, que não tem o domínio da sociedade visada (art.º 187.º, n.ºs 2 e 4/CVM).
Como decorre do exposto, a compra progressiva de ações é um processo moroso e, para efeitos de domínio, consumar-se-ia sempre com uma OPA obrigatória, nos termos atrás expostos.
Pelo que apenas analisaremos as duas outras formas de aquisição de domínio de uma sociedade: a fusão e a OPA.
b) A fusão
A fusão é a forma mais intensa de integração societária e pode revestir duas modalidades (art.º 97.º, n.º 4/CSC):
- Fusão por dissolução;
- Fusão por incorporação.
No primeiro caso, as duas sociedades envolvidas dissolvem-se e é constituída uma nova sociedade, para a qual se transferem os patrimónios das sociedades fundidas, atribuindo-se aos acionistas destas as ações da nova sociedade, na proporção da relação de troca(2).
No segundo caso – fusão por incorporação – verifica-se a incorporação de uma sociedade noutra, mediante a extinção da sociedade incorporada e transferência global do seu património para a sociedade incorporante, atribuindo-se ações desta aos acionistas da sociedade incorporada, na proporção da relação de troca.
No caso que nos ocupa, apenas interessa a fusão por incorporação(3).
c) A OPA
A OPA ou oferta pública de aquisição, neste caso de ações, é dirigida a todos os titulares de ações da sociedade visada (art.ºs 109.º e 173.º/CVM), mas pode visar a totalidade dessas ações ou só parte (uma percentagem) delas.
A OPA também pode ser condicionada ao atingimento de uma certa percentagem de ações, por exemplo 50%, 75% ou 90% (art.º 124.º, n.ºs 3 e 4/CVM).
A contrapartida da OPA pode consistir em dinheiro ou em valores mobiliários (OPT), como, por exemplo, ações ou obrigações da sociedade oferente, desde que tenham liquidez e sejam suscetíveis de avaliação (art.º 177.º/CVM), mas a também pode ser mista, isto é, parte em dinheiro e parte em valores mobiliários.
2) Montagem da operação
a) Fusão por incorporação
A operação mais crítica do processo de fusão é a determinação da relação de troca, isto é, quantas ações da sociedade incorporante serão atribuídas aos titulares de ações da sociedade incorporada, o que depende, naturalmente, da avaliação recíproca de ambas as empresas.
Para além das ações da sociedade incorporante, podem ser atribuídas aos acionistas da sociedade incorporada quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal das ações que lhes forem atribuídas, nomeadamente para efeito de acertos (art.º 97.º, n.º 5/CSC).
Mas a sociedade incorporante não recebe ações de si própria em troca de ações que detenha na sociedade incorporada (art.º 104.º, n.º 3/CSC).
Para cálculo da relação de troca, como referência para a avaliação, poderão ser utilizados balanços do último exercício de cada uma das sociedades, desde que tenham sido encerrados há menos de 6 meses, ou balanços reportados a uma data que não anteceda o último trimestre (art.º 198.º, n.º 2/CSC).
É, ainda, necessária uma avaliação dos elementos do ativo e do passivo, a transferir para a sociedade incorporante, com indicação dos critérios de avaliação adoptados, bem como as bases da relação de troca [art.º 98.º, n.º 1 al. d) e n.º 2/CSC].
Esta relação de troca tem de ser validada por ROCs independentes, indicados por cada uma das sociedades - ou por um ROC indicado pela Câmara dos ROC, se ambas as sociedades assim optarem -– os quais deverão elaborar um relatório com justificação dos métodos utilizados para apurar a relação de troca (art.º 99.º, n.ºs 2 a 4/CSC).
O projeto de fusão deve ser elaborado, em conjunto, pelas administrações de ambas as sociedades e submetido a parecer do órgão de fiscalização de cada uma delas e deve dar a conhecer a operação visada, tanto no aspeto jurídico como no aspeto económico, os motivos, as condições e os objetivos da fusão, devendo conter, entre outros elementos, as ações a atribuir aos acionistas da sociedade incorporada e as quantias em dinheiro, se a elas houver lugar, especificando-se a relação de troca (art.º 99.º, n.º 1/CSC).
Segue-se o registo na Conservatória do Registo Comercial e a publicação do projeto, bem como a convocatória das assembleias gerais de cada uma das sociedades, com a menção de que o projeto da fusão e respetiva documentação podem ser consultados nas sedes de cada um das sociedades, pelos acionistas e credores, bem como que estes se podem opor à fusão (art.º 100.º/CSC).
Com efeito, no prazo de um mês após a publicação do registo do projeto, os credores das sociedades participantes cujos créditos sejam anteriores a essa publicação podem deduzir oposição judicial à fusão, com fundamento no prejuízo que dela derive para a realização dos seus direitos, desde que tenham solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido (art.º 101-A/CSC).
Finalmente, o projeto de fusão é apresentado às assembleias gerais de cada uma das sociedades, devendo a deliberação ser aprovada pela maioria necessária para alteração dos estatutos (art.º 103.º/CSC). No caso de alguma das sociedades possuir participação no capital de outra, não pode dispor de número de votos superior à soma dos que competem a todos os outros sócios, somando-se, para o efeito, os votos de outras sociedades que com aquela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, bem como os votos de pessoas que atuem em nome próprio, mas por conta de alguma dessas sociedades (art.º 104.º/CSC).
Após as deliberações das assembleias gerais, as administrações de ambas as sociedades deverão redigir e assinar o “contrato de fusão”, nos termos acordados (art.º 106.º/CSC).
Segue-se o registo definitivo da fusão (art.º 111.º/CSC).
Com o registo extingue-se a sociedade incorporada e os seus acionistas tornam-se acionistas da sociedade incorporante, de acordo com a relação de troca (art.º 112.º/CSC).
Estas regras são aligeiradas no caso de a sociedade incorporante deter, pelo menos, 90% do capital social da sociedade incorporada, não sendo necessária a avaliação pelos peritos, nem a realização das assembleias gerais, salvo se esta for requerida por acionistas detentores de, pelo 5%, do capital social (art.º 116.º/CSC). Neste caso, os acionistas detentores de 10 % ou menos do capital social da sociedade incorporada que tenham votado contra o projeto de fusão podem exonerar-se da sociedade (art.º 116.º, n.º 4/CSC)(4).
b) OPA
O elemento fundamental da OPA é a determinação do valor da contrapartida, que só tem um valor mínimo obrigatório no caso da OPA obrigatória (art.º 188.º/CVM). Mas, se o valor for baixo, a OPA não terá sucesso, podendo, todavia, a sociedade oferente aumentar esse valor, no mínimo em 2%, até 5 dias antes do termo do prazo da oferta (art.º 184.º/CVM).
Por outro lado, uma vez que o que se pretende é o controlo da sociedade visada, será conveniente condicionar a OPA ao atingimento de um certo patamar de direitos de voto – podendo ter-se em conta as ações já detidas – que permita o controlo da sociedade visada.
Porém, a OPA poderá ser hostil, ou realizada com o entendimento ou colaboração da administração da sociedade visada.
De qualquer forma, logo que tome a decisão de lançamento da OPA, o oferente deve enviar anúncio preliminar à CMVM, à sociedade visada e às entidades gestoras dos mercados regulamentados em que os valores mobiliários que são objeto da oferta, ou que integrem a contrapartida a propor, estejam admitidos à negociação, procedendo de imediato à respetiva publicação (art.º 175.º, n.º 1/CVM).
Até esse momento, para evitar o “insider trading”, o oferente, a sociedade visada, os seus acionistas e os titulares de órgãos sociais e, bem assim, todos os que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional devem guardar segredo sobre a preparação da oferta até à publicação do anúncio preliminar. (art.º 174.º/CVM).
O anúncio preliminar, para além da indicação sumária dos objetivos do oferente, deve mencionar, nomeadamente, o valor da contrapartida e se esta consiste em dinheiro ou em valores mobiliários (OPT) ou se é mista, bem como, se for o caso, as condições quanto aos limites mínimos e máximos das ações a adquirir (art.º 176.º/CVM).
Mas há que ter em atenção que a publicação do anúncio obriga o oferente a lançar a oferta no prazo de 20 dias, prorrogável pela CMVM até 60 dias, se for uma OPT.
Contudo, a peça fundamental da OPA é o prospeto, que deve conter informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita que permita aos destinatários formar juízos fundados sobre a oferta, os valores mobiliários que dela são objeto e os direitos que lhe são inerentes, sobre as caraterísticas específicas, a situação patrimonial, económica e financeira e as previsões relativas à evolução da atividade e dos resultados do emitente (135, n.º 1) (art.ºs 134.º, n.º 1, 135.º e 138.º/CVM).
As OPA estão sujeitas à intervenção obrigatória de um intermediário financeiro, que presta, pelo menos, os serviços de assistência a partir do anúncio preliminar e receção das declarações de aceitação (art.º 113.º, n.º 1/CVM).
É importante recordar que, para além do intermediário financeiro, são solidariamente responsáveis pelo conteúdo do projeto, presumindo-se a culpa,
a) O oferente;
b) Os titulares do órgão de administração do oferente;
c) O emitente;
d) Os titulares do órgão de administração do emitente;
e) Os titulares do órgão de fiscalização, as sociedades de revisores oficiais de contas, os revisores oficiais de contas e outras pessoas que tenham certificado ou, de qualquer outro modo, apreciado os documentos de prestação de contas em que o prospeto se baseia;
f) Os intermediários financeiros encarregados da assistência à oferta;
g) As demais pessoas que aceitem ser nomeadas no prospeto como responsáveis por qualquer informação, previsão ou estudo que nele se inclua.” (art.º 149.º, n.º 1/CVM).
Após o anúncio preliminar e dentro do prazo atrás referido, o oferente deve registar a OPA na CMVM, juntando o projeto de prospeto, e comprovar o depósito da contrapartida em dinheiro ou garantia bancária (art.º 179.º/CVM).
Se a contrapartida consistir em valores mobiliários (OPT), o oferente deverá proceder ao seu bloqueio (art.º 179.º al. c)/CVM).
Logo que o prospeto seja aprovado pela CMVM (art.º 118.º/CVM), deverá ser divulgado o anúncio de lançamento da oferta, em meio de comunicação de grande difusão, com indicação das suas caraterísticas essenciais e do local ou forma onde o prospeto pode ser consultado (art.º 183.º-A/CVM).
A partir da publicação do anúncio preliminar e até ao apuramento do resultado da oferta, o oferente e as pessoas que estiverem nas situações de imputação de direitos de voto previstas no art.º 20.º/CVM:
“a) Não podem negociar fora de mercado regulamentado valores mobiliários da categoria dos que são objeto da oferta ou dos que integram a contrapartida, exceto se forem autorizados pela CMVM, com parecer prévio da sociedade visada;
b) Devem informar diariamente a CMVM sobre as transações realizadas por cada uma delas sobre valores mobiliários emitidos pela sociedade visada ou da categoria dos que integram a contrapartida.” (art.º 180.º, n.º 1/CVM).
O órgão de administração da sociedade visada, no prazo de 8 dias a contar do anúncio do lançamento da OPA, deve enviar à CMVM e ao oferente e divulgar ao público um relatório sobre a oportunidade e as condições da oferta (art.º 181.º/CVM).
A partir desse momento e até ao apuramento do resultado da oferta, a administração da sociedade visada fica com os poderes limitados a atos de gestão corrente (art.º 182.º/CVM).
O prazo da oferta pode durar entre 2 e 10 semanas (art.º 183.º/CVM), findo o qual o intermediário financeiro designado deverá proceder imediatamente ao apuramento, ao eventual rateio e à publicação do resultado (art.º 127.º/CVM).
Finalmente, refira-se que, se o oferente, até ao apuramento dos resultados da OPA, alcançar 90 % dos direitos de voto correspondentes ao capital social e 90 % dos direitos de voto abrangidos pela oferta, pode, nos três meses subsequentes, lançar uma aquisição potestativa para adquirir as ações remanescentes, mediante contrapartida justa, em dinheiro, calculada nos termos do art.º 188.º/CVM (art.º 194.º, n.º 1/CVM).
Se a aquisição potestativa se efetivar, as sociedades ficam em relação de grupo (art.ºs 488.º e 489.º/CSC), com todas as consequências (art.ºs 491.º e 501.º a 504.º/CSC)(5).
3) Conclusão
Quer a fusão por incorporação quer a OPA são meios apropriados para alcançar o controlo de uma sociedade.
Só que a fusão pressupõe um acordo entre as administrações de ambas as sociedades, enquanto a OPA pode ser hostil, isto é, sem qualquer entendimento com a administração da sociedade visada.
A fusão não implica qualquer “pagamento” aos acionistas da sociedade incorporada, mas, em contrapartida, a atribuição de ações da sociedade incorporante, de acordo com a relação de troca estabelecida, o que sempre implica alguma diluição do capital social desta.
A OPA pressupõe o pagamento da contrapartida aos acionistas da sociedade visada que aceitarem a oferta, mas esta contrapartida pode ser em dinheiro, em valores mobiliários (OPT) – ações ou obrigações da sociedade oferente – ou mista.
Finalmente, enquanto, na fusão, a sociedade incorporada se extingue, transmitindo-se a totalidade do seu património – ativo e passivo – para a sociedade incorporante, na OPA, a sociedade visada mantém a sua autonomia jurídica, ainda que numa relação de domínio ou de grupo.
NOTAS:
1- 5%, 15% e 25% dos direitos de voto, no caso de se tratar de uma sociedade com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado.
2- Quanto à relação de troca, v. infra.
3- Para maior desenvolvimento, v. António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos financeiros e Mercados, 7.ª ed., vol. I, pág. 693 e seg.s.
4- Os estatutos também podem atribuir o direito de exoneração a todos os accionistas que tiverem votado contra o projeto de fusão (art.º 105.º/CSC).
5- Para maior desenvolvimento, v. António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos financeiros e Mercados, 7.ª ed., vol. II, pág. 187 e seg.s.