Orçamento rima com investimento?;

Orçamento rima com investimento?
Num contexto de crescimento previsto do PIB de 4,6% em 2021 e de 5,5% em 2022, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado (OE) para 2022 apresentada esta semana pelo Governo é anunciada como um orçamento “apostado no relançamento da atividade económica com mais investimento”. Em matéria fiscal seria expetável que esta aposta se traduzisse num conjunto significativo de benefícios para as empresas, naturalmente centrados no IRC enquanto imposto que diretamente incide sobre os respetivos lucros.
Constata-se, no entanto, que se dá essencialmente seguimento a algumas medidas conjunturais que foram sendo aprovadas durante a pandemia, apresentando apenas como novidade um “incentivo fiscal à recuperação” (IFR).

Em traços largos, esse incentivo vem criar uma dedução à coleta de IRC das despesas de investimento em ativos afetos à exploração que sejam efetuadas no primeiro semestre de 2022. Estabelece-se uma dedução à coleta de 25% das despesas elegíveis, mas logo se fixam limites quantitativos que circunscrevem em grande medida o efeito útil do benefício. Assim, é fixado um valor máximo das despesas elegíveis de € 5.000.000 e um limite de dedução de 70% da coleta. Por outro lado, na parte em que os investimentos não excedam a média dos realizados nos últimos três anos, a dedução será de apenas 10%. Por último, como vem sendo habitual nos incentivos fiscais aprovados durante a pandemia, a aplicação deste incentivo tem como condição a proibição de cessação de contratos de trabalho durante três anos nas modalidades de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, a que se soma a proibição de distribuição de lucros durante três anos.

Esta medida traduz assim um incentivo ao reinvestimento dos lucros das empresas e uma reedição do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) II, um benefício fiscal aprovado no OE Suplementar para 2020 e que terá permitido uma dedução de IRC no valor de 145 milhões de euros. Não obstante, é expectável que o valor de IRC que deduzido em 2022 ao abrigo do IFR seja inferior ao que resultou do CFEI II na medida em que são estabelecidos limites adicionais (como a proibição de distribuição de lucros) e o valor de dedução é tendencialmente inferior (20% vs. 10%/25%).

Dito isto, há outras medidas fiscais de apoio às empresas que merecem ser destacadas. É finalmente eliminado o pagamento especial por conta que durante anos foi ameaça à tesouraria das empresas, sendo de salientar a aplicação desta medida a todas as empresas, e não apenas às qualificadas como micro, pequenas ou médias. Estas continuam, todavia, a ser positivamente discriminadas uma vez que foi prorrogada a suspensão do agravamento de 10% da tributação autónoma de que atualmente beneficiam.
Por outro lado, as empresas tecnológicas não foram esquecidas, sendo previsto um reforço do benefício no atual regime de patent box, conduzindo a que os rendimentos não tributados passem de 50% para 85%, tributando--se assim apenas 15% e promovendo a competitividade do regime fiscal português face a outros regimes europeus.

Também o tecido empresarial do interior volta a ser referido, tal como sucedeu em 2020 e 2021, no âmbito de autorização legislativa para a criação de um benefício fiscal correspondente a dedução à coleta de IRC de 20% dos gastos resultantes da criação de postos de trabalho. Tratando-se de uma medida que depende de autorização da UE quanto aos auxílios de base regional, é premente que em 2022, um orçamento “apostado no relançamento da atividade económica com mais investimento” possa finalmente dar azo a que esta medida seja implementada, fomentando assim o investimento no interior e tirando por que não partido da nova realidade laboral em matéria de teletrabalho que veio para ficar.

Atendendo ao foco dado na apresentação do OE à questão do investimento e ao contexto de alguma retoma em que a mesma surge, seria expectável que o conjunto de incentivos fiscais ao reinvestimento dos lucros das empresas fosse mais expressivo e inovador. Na verdade, se em 2020 tivemos um OE Suplementar assumidamente vocacionado para o apoio às empresas, esta Proposta parece agora focar-se mais nas famílias e na sua tributação em IRS, deixando para as empresas os incentivos fiscais já existentes e a reedição de um incentivo anterior na esperança de que essas medidas sejam suficientes para atingir as metas de crescimento económico que foram anunciadas. Só que para apostas tímidas, ganhos comedidos. Por isto, o retorno para a economia destas medidas ameaça ser marginal.
Ana Helena Farinha Advogada, Associada Sénior da Cuatrecasas anahelena.farinha@cuatrecasas.com, 14/10/2021
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