Para onde nos pode levar o conhecimento tributário;

Para onde nos pode levar o conhecimento tributário
Os sistemas fiscais desempenham duas funções aparentemente contraditórias nas sociedades atuais – serem, ao mesmo tempo, fatores de competitividade e de equidade social. A competitividade pressupõe impostos mais baixos, para que os sistemas fiscais sejam atrativos de investimento e de riqueza para os respetivos países. A equidade social exige um nível de fiscalidade mais elevado, para que o Estado possa exercer a sua função de redistribuição.
A competitividade fiscal é um instrumento antigo de política fiscal, mas intensificou-se com a globalização e a mobilidade dos capitais. Nos países da Zona Euro, esse fenómeno é ainda mais intenso, porque a política fiscal está a ser chamada a funções que anteriormente eram prosseguidas através das políticas aduaneiras, monetária e cambial, entretanto perdidas para a União. Nos anos posteriores à segunda Guerra Mundial, a competitividade fiscal conduziu praticamente ao desaparecimento dos impostos pessoais sobre o património e atualmente é a causa da “corrida para o fundo” das taxas do IRC, como lhe chama o FMI.
A equidade social é essencial à coesão social e esta é um fator essencial ao desenvolvimento económico. Os países com maiores índices de desigualdade são os mais conflituais, tanto a nível social como territorial, e ela é hoje reconhecida na doutrina económica como um fator determinante de atraso económico. Piketty considera a desigualdade a causa das grandes crises económicas, das revoluções e das duas guerras mundiais do século XX.
Como conseguir que um sistema fiscal seja ao mesmo tempo competitivo e capaz de gerar equidade? É esta a equação que desafia os fiscalistas e os governantes de hoje, uma espécie de quadratura do círculo que exige um alto nível de conhecimento e de inteligência tributária. Também neste domínio, como em todos os outros, o conhecimento é o fator determinante do sucesso.
Em Portugal, o sistema fiscal não cumpre nenhum desses objetivos.
Temos a taxa do IRC mais alta da União Europeia. O IRC não é um imposto sobre o capital, mas sobre a criação de riqueza, pelo que, se a nossa taxa é mais alta do que a dos nossos competidores, ela destrói a criação de riqueza e afasta as empresas competitivas e o emprego qualificado do nosso país.
Essa é a explicação para o grande enigma da nossa economia nos últimos vinte anos, que não cresce e nos está encaminhando para sermos, a breve prazo, o país mais pobre da UE. Como podem as nossas empresas competir num espaço económico único se pagam um IRC cuja taxa é o dobro da média daqueles com quem competimos?
Mas também não é redistributivo, o nosso sistema fiscal. A progressividade do nosso IRS, que é a chave da redistribuição, só existe para a metade dos portugueses que auferem rendimentos. Para a outra metade dos que ganham rendimentos e que não pagam IRS, bem como para todo o universo daqueles que não auferem rendimentos, não existe qualquer progressividade. Pelo contrário, para esses, o sistema fiscal é regressivo, o que, além de chocante, é inconstitucional.
Dizemos a estes dois últimos universos de portugueses com menores rendimentos, ou mesmo sem eles, na verdade a imensa maioria de todos nós não pagam IRS e parece que isso nos causa orgulho. Mas essa é uma piedosa mentira. Eles pagam IVA e os restantes impostos sobre o consumo, como todos os restantes portugueses, mas a parte do seu escasso rendimento que serve para pagar esses impostos é a mais alta de todos, em termos proporcionais. Como todos os restantes, esses portugueses têm direito à progressividade, e esse direito, para eles, tem que consistir numa significativa diminuição da carga fiscal que suportam.
É também por isso que Portugal tem um dos indicadores de desigualdade social mais altos da Europa Ocidental, a par de Espanha, Itália e do Reino Unido, em todos os casos, sociedades com problemas internos de populismo e de desintegração territorial. No nosso país, ainda não temos esses problemas, mas as causas estão cá, pelo que não nos devemos admirar quando aparecerem.
É fácil prever para onde nos levará um sistema fiscal não competitivo para toda a economia e regressivo para a maioria dos portugueses. E para onde nos pode levar, se tivermos o conhecimento e a inteligência suficientes para o tornar competitivo e progressivo. Não é preciso muito. Basta um pouco de cultura tributária e aprendermos com os outros países, em especial aqueles que nos ultrapassaram em riqueza e prosperidade.
José Maria Pires, Docente e Coordenador Científico da Pós-Graduação em Fiscalidade Avançada do ISG – Instituto Superior de Gestão, 07/01/2022
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