Flexibilidade das normas laborais favorece a criação de emprego;

NUNO CEREJEIRA NAMORA CONSIDERA QUE A LEI PORTUGUESA É DAS MAIS “FECHADAS” DA UNIÃO EUROPEIA
Flexibilidade das normas laborais favorece a criação de emprego
“O legislador nem sempre tem uma atuação pedagógica, produzindo legislação em excesso, com normas que estão em permanente revisão e alteração, sendo tantas vezes confusas e contraditórias”, afirma Nuno Cerejeira Namora.
 
“A nossa legislação laboral é demasiada protecionista do trabalhador e das mais ‘fechadas’ e marxistas da União Europeia”, afirma Nuno Cerejeira Namora, partner da sociedade de advogados Nuno Cerejeira Namora, Pedro Marinho Falcão & Associados.
Em entrevista à “Vida Económica”, o advogado defende uma legislação laboral mais liberal a par de uma atividade inspetiva muito mais competente e eficaz.
Em sua opinião, o direito à reintegração em caso de despedimento ilícito devia ser eliminado, porque cria dificuldades às empresas e pode ser prejudicial aos próprios trabalhadores.
Nuno Cerejeira Namora faz um balanço positivo da aplicação do Código do Trabalho, e considera que modernizou a legislação, compilando centenas de diplomas extravagantes.
 
Vida Económica – A publicação do Código do Trabalho foi muito contestada em 2003 e na revisão de 2009. Que balanço faz da sua aplicação?
Nuno Cerejeira Namora - O Código do Trabalho de 2003 e a revisão de 2009 constituíram marcos positivos no nosso Direito do Trabalho. Modernizaram a legislação deste sector e compilaram, de forma sistemática, centenas de diplomas extravagantes.
Estes códigos e as pequenas reformas que lhe foram sendo introduzidas ate 2015 constituíam um conjunto equilibrado de soluções jurídicas para o mundo laboral português, correspondendo as necessidades dos empregadores, trabalhadores e economia nacional.
O mesmo também direi de todas as quatro revisões ao Código, efetuadas na atual legislatura.
 
VE – Quais foram as principais alterações ao Código do Trabalho na atual legislatura?
NCN - Desde o início da Legislatura (outubro de 2015) ocorreram quatro alterações ao Código do Trabalho:
A Lei n.º 8/2016, de 1 de abril, tratou da reposição dos feriados nacionais obrigatórios do Corpo de Deus, da Implantação da República (05/10), dia de Todos-os-Santos (01/11) e Restauração da Independência 01/12);
A Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto, teve como objeto o combate às “formas modernas de trabalho forçado”, tendo procedido a alterações ao Código do Trabalho, ao Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho e ao Regime Jurídico do Exercício e Licenciamento das Agências Privadas de Colocação e das Empresas de Trabalho Temporário. A alteração do n.º 2 do art.º 174.º do CT teve como principal objetivo reforçar a proteção do trabalhador no caso dos contratos de trabalho temporário, estabelecendo uma responsabilidade subsidiária pelos créditos laborais e encargos sociais a cargo dos utilizadores de trabalho temporário, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com a empresa de trabalho temporário se encontram em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.
Com a Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, procurou-se reforçar o quadro legislativo para a prevenção de assédio no trabalho.
Através da Lei n.º 14/2018, de 19 de Março legislou-se no sentido de a transmissão de empresas não afetar os direitos adquiridos dos trabalhadores, designadamente a retribuição, a antiguidade, a categoria profissional e conteúdo funcionar e os benefícios sociais adquiridos. Mais relevante é, porém, o aditamento do art.º 286.º-A que cria um direito de oposição a favor do trabalhador, que passa, assim, a poder obstar à transmissão da posição de empregador no seu contrato quando essa transmissão possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança (art.º 286.º-A, n.º 1).
São diplomas necessários e importantes, se bem que as alterações legislativas sobre mobbing tenham ficado aquém do desejado.
 
VE – Uma maior flexibilidade das normas poderia favorecer a criação de emprego?
NCN - A resposta é afirmativa. Defendo que a nossa legislação laboral é demasiada protecionista do trabalhador e das mais “fechadas” e marxistas da União Europeia. Gostava de ver uma legislação laboral mais liberal e par de uma atividade inspetiva muito mais competente e eficaz.
O legislador português ainda encara os empregadores como “perigosos capitalistas, exploradores da classe operária”, bandidos sem escrúpulos e sem sensibilidade humana e social, que só visam o lucro á custa do sangue e suor dos explorados. Esse discurso não é atual e verdadeiro, nem corresponde ao atual padrão de patrões portugueses.
A lei tem ser elaborada para o “patrão tipo” e não para “patrão bandido”. Estes últimos, irão sempre incumprir a lei, por mais apertada que ela seja.
A lei também deve ter em conta que a maioria dos trabalhadores são competentes, dedicados e leais; não é destinada aos incompetentes e preguiçosos, pois esses também são a exceção.
 
VE – Ainda faz sentido a manutenção do direito à reintegração em caso de despedimentos ilícito, nos moldes em que foi criado em 1975 no governo de Vasco Gonçalves?
NCN - A experiência dos tribunais vem-nos dizendo que na maioria das situações os trabalhadores optam pela indemnização em lugar da reintegração, embora o direito à reintegração na mesma empresa e na mesma categoria e antiguidade estejam consagrados no Código do Trabalho.
A este propósito, aliás, observa-se uma diferença de regimes, isto porque, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador pode sempre optar pela chamada “indemnização de antiguidade” em substituição da reintegração, o empregador só o pode fazer em duas situações: tratando-se de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de direção ou administração.
Salvo melhor opinião, este regime não tem em conta o grau de conflituosidade que se gera entre entidade empregadora e trabalhadora durante um processo que termine com o reconhecimento da ilicitude do despedimento.
Nestas situações é normal que a normalidade de relações entre as partes se tenha rompido em definitivo, não mais sendo possível restabelecer. Assim sendo, e como se tem assistido recentemente em alguns casos concretos onde os tribunais têm forçado os empregadores à reintegração, esta acaba por poder redundar em prejuízo sério psicológico, emocional e físico do trabalhador, o que certamente não será a intenção do legislador.
Assim sendo, faz sentido rever este regime e entendo que a reintegração deveria ser eliminada.
Bem sei que há quem entenda que tal só é possível depois de uma revisão constitucional. Não concordo pois a lei já não prevê a reintegração no caso de despedimento ilícito de trabalhadores do serviço domestico. Está aberta a porta para uma alteração legislativa, o que porém, só pode ocorrer se os partidos de esquerda perderem a maioria parlamentar.
 
Vida Económica – O desafio da transformação digital que as organizações enfrentam está a ter reflexos sobre as normas laborais?
NCN - Nos últimos 30 anos assistimos a uma revolução tecnológica, por muitos aclamada como Terceira Revolução Industrial, ou até mesmo Revolução Tecnológica, que se traduziu no desenvolvimento da tecnologia e de novos processos informativos.
Esta nova era tecnológica é responsável não só pelo progresso e melhoria das condições de vida, modo de viver e trabalhar como também pela coartação da autonomia privada, assumindo elevada importâncias no seio das relações laborais.
Estas relações laborais vêm a sua estrutura alterada, nomeadamente a típica equação “trabalho = subordinação”, em função de um trabalho intrusivo, através do recurso às novas tecnologias, que cada vez mais desbota a linha entre vida pessoal e vida profissional.
O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação tem vindo a criar novas modalidades de prolongamento dos horários de trabalho. Assiste-se a uma intensificação dos ritmos de trabalho, a uma desregulação e utilização desproporcionada das horas extraordinárias, bem como ao prolongamento dos horários de trabalho.
Cada vez mais trabalhadores veem o seu tempo informalmente prolongado ou invadido pelo empregador. As novas tecnologias foram apresentadas como uma fonte de autonomia, que rapidamente se transformaram em mecanismos poderosos que o empregador utiliza para abusar dos limites impostos pela lei ao tempo de trabalho. É a chamada “coleira eletrónica”.
 
VE – Deve o Código do Trabalho dispor sobre essa matéria?
NCN - Ao direito do trabalho compete também, mas não só, defender o trabalhador garantindo que este não esgota totalmente o seu tempo de vida no trabalho. Impondo-se a questão de saber se o legislador deverá ter um papel mais interventivo, no sentido de agilizar as normas laborais.
A verdade é que a dignidade da pessoa humana dos trabalhadores, o livre desenvolvimento da sua personalidade, são direitos que estão constitucionalmente consagrados, nomeadamente todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar, ao repouso, aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas.
E o próprio Código do Trabalho já protege o trabalhador quanto a estes abusos, nomeadamente através da aplicação de contra-ordenações quando há violação do direito ao descanso. Por isso, a matéria já tem solução jurídica no atual Código do Trabalho.
Isto posto, e uma vez que as intervenções legislativas devem ser preparadas de forma muito cuidada, este tipo de agilização no mundo do Direito do Trabalho face à tecnologia deve ser concretizado aprofundando as suas consequências a nível de contratação coletiva e também no âmbito do próprio regulamento interno das empresas, devendo estas ser educadas/instruídas quanto à proliferação dos novos meios tecnológicos.
Em jeito sinóptico, o Código do Trabalho não pode pura e simplesmente proibir o empregador de agilizar o trabalho mediante meios tecnológicos, assumindo-se fulcral a distinção entre a imposição pela entidade patronal e a vontade do próprio trabalhador.
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