“Não estamos a criar carga fiscal para o futuro”;

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais considera
“Não estamos a criar carga fiscal para o futuro”
António Mendonça Mendes justifica o aumento de receita fiscal com “a fase do ciclo económico em que nos encontramos”.
 
“Não estamos, como no passado, a criar carga fiscal para o futuro, que condiciona a capacidade de escolha das futuras gerações”, afirma António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em entrevista à “Vida Económica” e revista “Contabilidade & Empresas”.
Relativamente ao SAF-T da contabilidade, afirma que “não iremos aceder a mais informação do que aquela que já hoje acedemos ou que é pública”, mantendo o objetivo da meta orçamental da receita fiscal para 2019 em 45,6 mil milhões de euros. 
Vida Económica - Justifica-se, no atual contexto, uma carga fiscal tão elevada? Este não seria o momento de um alívio, face ao equilíbrio do défice orçamental?
António Mendonça Mendes - O indicador da carga fiscal é altamente influenciado pela fase do ciclo económico em que nos encontramos. O Banco de Portugal estimou, inclusivamente, que entre 2016 e 2018 as medidas legislativas, resultantes da aplicação da política do Governo, tiveram um contributo para a redução da carga fiscal, tendo sido superadas pelo aumento da receita em resultado do crescimento da economia. De facto, foi-nos possível eliminar a sobretaxa de IRS, aumentar a progressividade deste, reduzindo o imposto a pagar para milhões de contribuintes, garantir a possibilidade de dispensa do PEC, reduzir o IVA da restauração, aumentar a dedução por lucros retidos e reinvestidos, só para dar alguns exemplos. Nos três principais impostos nacionais, a política fiscal do Governo foi no sentido de reduzir taxas, o que não implicou que tenha havido redução de receita nestes mesmos impostos. Portugal tem, com este Governo, uma política orçamental que cumpre metas, que devolve rendimentos e que não coloca em causa a trajetória de redução do défice e da dívida. Hoje não estamos, como no passado, a criar carga fiscal para o futuro, que condiciona a capacidade de escolha das futuras gerações. Essa é uma grande diferença.
 
VE – Com o SAF-T a informação sobre o contribuinte não fica demasiado exposta? 
AMM - A entrega do SAF-T da contabilidade configura uma alteração muito relevante na forma como se organiza a relação entre a empresa e os contribuintes e entre estes e a AT. Não iremos aceder a mais informação do que aquela que já hoje acedemos ou que é pública. Trata-se de criar condições para diminuir as obrigações declarativas das empresas. Só com informação podemos assegurar esse propósito. Foi assim com as famílias e hoje disponibilizamos o IRS Automático. É assim que queremos — toda a sociedade — no futuro com as empresas. Percebemos que o assunto requer muita informação e muito esclarecimento.
 
VE - O que vai ser feito quanto à IES?
AMM - O Decreto-Lei n.º 87/2018, de 31 de outubro, concretiza uma medida de redução de custos de contexto, através da qual se pretende simplificar o preenchimento dos Anexos A e I desta declaração IES/DA (Informação Empresarial Simplificada/Declaração Anual), relativos aos elementos contabilísticos das empresas (Anexo A) e pessoas singulares com contabilidade organizada (Anexo I). Tendo sido detetada a necessidade de simplificar o cumprimento das obrigações fiscais, foi identificada uma oportunidade de, por um lado, simplificar a declaração, eliminando cerca de metade dos quadros e, por outro lado, garantir a coerência e fiabilidade dos dados através do pré-preenchimento do Anexos A e I das IES/DA. Este pré-preenchimento é realizado através da prévia submissão do ficheiro SAF-T da contabilidade, ou seja, através de uma obrigação já existente no sistema fiscal. O ficheiro SAF-T da contabilidade apenas contém informação relativa a registos contabilísticos, não contendo qualquer informação relativa ao detalhe das faturas ou contas bancárias. Trata-se, assim, de mais uma mudança de paradigma no âmbito da transformação digital, auxiliando e promovendo o cumprimento adequado e atempado das obrigações fiscais.
 
VE - O que está a ser feito para tornar o portal das Finanças menos permeável a falhas?
AMM - O Portal das Finanças teve, em 2018, 338 574 000 de acessos, mais cerca de 100 milhões que no ano anterior. As falhas do Portal das Finanças são pontuais e ocorrem em momentos de elevado pico de acessos, sendo prontamente resolvidas pelos excelentes técnicos informáticos com que conta a Autoridade Tributária e Aduaneira. Em média, em 2017, cerca 96% das vezes em que houve exigência de resposta por parte de qualquer aplicação informática, externa ou interna, da AT (incluindo Portal das Finanças), houve resposta positiva.
Sobre o processo negocial das carreiras especiais da AT, adianta que chegarão “a bom porto”.
 
VE – Em que ponto está o diferendo entre trabalhadores dos impostos e AT relativamente às carreiras especiais?
AMM - O processo negocial das carreiras especiais da AT encontra-se em curso. Naturalmente, as estruturas sindicais nem sempre partilham da visão do Governo. Mas o trabalho que temos desenvolvido é muito positivo e estou certo que chegaremos, em breve, a bom porto. A AT é uma instituição de excelência e são os seus trabalhadores e dirigentes a sua espinha dorsal e um capital humano muito valioso.
 
VE - O parque informático, as instalações, as condições dos inspetores de Finanças têm sido alvo de fortes críticas. Que mudanças estão previstas?
AMM - As condições de trabalho são sempre uma preocupação que devemos ter, e por muitos números que possa aqui dar, haverá sempre muito para fazer. Quero, no entanto, assegurar que o processo de trabalho nesta área é constante e que o investimento no parque informático e em instalações é assegurado com os constrangimentos próprios de uma organização que está e quer continuar a estar em todos os concelhos do país.
 
Dispensa de pagamento de custas processuais
 
VE - Haverá um reforço dos tribunais fiscais arbitrais? Os resultados têm sido positivos.
AMM - O Governo aprovou recentemente um diploma (Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro), com vista à recuperação de pendências nos tribunais administrativos e fiscais. Entre as normas aprovadas, encontram-se duas importantes medidas que permitem um reforço dos processos submetidos à apreciação do tribunal arbitral, quer através da isenção de custas processuais pela desistência de pedidos nos processos administrativos e tributários pendentes, até ao final de 2019, quer pela possibilidade de os sujeitos passivos submeterem as suas pretensões impugnatórias aos tribunais arbitrais em matéria tributária, com dispensa de pagamento de custas processuais, relativamente a processos tributários pendentes que tenham dado entrada nos tribunais tributários até 31 de dezembro de 2016.
 
VE - Que espera em termos de arrecadação fiscal e ao nível orçamental?
AMM - O objetivo para 2019, no que respeita à receita fiscal do Estado, em contabilidade pública, é de 45,6 mil milhões de euros, como consta do Orçamento do Estado para 2019.
 
Nota de Redação – A entrevista é publicada na sua versão integral no próximo número da “Contabilidade & Empresas”.
 
Susana Almeida, 23/05/2019
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