Formação deve ser feita à medida das empresas;

Rafael Campos Pereira defende afastamento progressivo do Estado
Formação deve ser feita à medida das empresas
 “A responsabilidade pela formação profissional deve ser cada vez mais confiada às empresas”, afirma Rafael Campos Pereira.
“Não faz sentido que haja tanto peso do Estado na formação profissional. Têm de ser as empresas e as suas associações a ter um papel determinante em tudo o que se passa no edifício da formação”, afirma Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP
Ao nível das exportações no setor metalúrgico/metalomecânico, maio foi melhor mês de sempre, 1,8 mil milhões de euros. O anterior recorde mensal anterior tinha sido de 1,6 milhões. “Caminhamos para um crescimento significativo face aos números extraordinários de 2018”, acrescenta. 
Vida Económica – No setor da metalurgia/metalomecânica continua a haver muita iniciativa em termos de investimento e também de inovação e internacionalização na atividade das empresas?
Rafael Campos Pereira – Sim, claramente. Relativamente à internacionalização, é verdade que as empresas do setor estão cada vez mais presentes no exterior, muitas empresas estão a instalar-se fora do país, realmente internacionalizadas e por isso vão sendo cada vez mais globais, procurando estar próximo de alguns dos seus clientes de referência, como é o caso concreto de um número crescente de empresas por exemplo no México, de empresas a instalar-se noutros países da América do Sul, no Chile, na Colômbia, no próprio Brasil. Também sabemos que há várias empresas nossas que estão em Espanha, algumas inclusivamente também estão na Alemanha, na Europa do Leste. Para além disso, há um número crescente de empresas e também um volume cada vez maior de exportações.
Maio de 2019 foi o melhor mês de sempre das nossas exportações no setor metalúrgico/metalomecânico, exportámos 1,8 mil milhões de euros, quase dois mil milhões de euros num só mês, é o melhor mês de longe. O melhor mês até ao momento tinha sido de 1,6 ou semelhante, houve um crescimento de 11%, portanto quando atingimos os resultados de cinco dos 12 meses do ano, quase metade do ano, caminhamos para um crescimento significativo face aos números extraordinários de 2018. 
Quanto ao investimento, é verdade que também conseguimos e as empresas que cá estão continuam fortemente enraizadas e continuam a fazer investimentos. Neste momento não está a haver uma vaga de novas empresas como houve nos anos mais recentes, mas os que estão investem ou continuam a investir permanentemente. 
 
VE – E quanto à inovação?
RCP – A inovação, neste momento, é um dos pontos fulcrais. A verdade é que estamos num momento disruptivo de necessidade de digitalização e robotização das nossas empresas, isso passa muito por duas vertentes, qualificação dos novos colaboradores daqueles que vão ao quadro dos perfis profissionais e também um forte investimento na inovação que está a ser feito. Aliás, a inovação em qualquer circunstância é decisiva porque nós estamos cada vez mais bem posicionados na cadeia de valores, as nossas empresas estão cada vez mais dirigidas a segmentos de maior valor acrescentado. Nessa medida, precisamos de nos diferenciar e o investimento que está a ser feito em inovação é nesse sentido. Há grandes investimentos nas empresas, mas é sempre difícil caraterizar em termos de valores absolutos ou mesmo evolução, apenas temos a noção e os resultados do ranking apresentado pela Comissão Europeia dos European Innovation Scoreboard. Esses resultados evidenciam que as regiões Norte e Centro do país são, a par de Lisboa, as que estão a revelar a melhor evolução em termos de posicionamento na área da inovação.
A questão da inovação para as empresas é importante para o maior valor acrescentado e poderem posicionar-se em segmentos melhores. De facto, os números do ranking apresentado pelo European Innovation Scoreboard são elucidativos quando evidenciam que as regiões Norte e Centro, aquelas em que há um peso do setor metalúrgico e metalomecânico e das próprias entidades de suporte do setor metalomecânico, são as mais inovadoras da Europa e isto muito graças ao setor metalúrgico e metalomecânico.
 
PME exportam cada vez mais
 
VE – Este ano pode ser o melhor de sempre em termos de exportações?
RCP – Pode ser o melhor de sempre em termos de exportações mais uma vez, tal como foi o anterior, o de 2017 e 2016 também. Nos últimos anos temos crescido sempre e este ano também começa a perspetivar-se uma sólida possibilidade
 
VE – E a contribuição para esses bons números? Existe uma quota maior das PME ou das grandes empresas?
RCP - O nosso setor não é diferente dos outros setores da economia portuguesa. Há um peso muito grande de PME, mais de 90% das empresas são PME, tal como também acontece no nosso setor. É evidente que as médias e grandes empresas, pela sua dimensão e pela sua capacidade exportadora, têm um peso muito relevante nestes números, mas também é verdade que há um número crescente de empresas do nosso setor a exportar. Neste momento, há cada vez mais empresas exportadoras do nosso setor, muitas delas PME.
 
VE – No setor há espaço para novos projetos empresariais ou mesmo startups?
RCP – Há espaço, mas temos que resolver alguns problemas e constrangimentos que ainda temos. Um deles é a capacidade, temos de ter uma maior capacidade na indústria em geral para atrair jovens. Outro é conseguirmos resolver problemas de formação, porque a dificuldade que nós temos neste momento para crescer é a dificuldade de contratação, para podermos contratar precisamos de investir mais e melhor na área da formação, temos que apoiar devidamente o (?) e temos que tornar as nossas empresas mais atrativas para os jovens. Isto passa por várias coisas, entre as quais a de tornar o nosso setor mais sedutor, dar maior interesse aos jovens para trabalhar no nosso setor, que passa também naturalmente por melhores condições, melhores condições de trabalho, tentar fazer ajustamentos nos salários, tentar estimular mais os jovens a estarem nas nossas empresas. Isso parece-me importante para podermos continuar a crescer e a desenvolver novos projetos no nosso setor.
 
Formação profissional 
 
VE – A formação profissional continua nacionalizada?
RCP – A responsabilidade pela formação profissional deve ser cada vez mais confiada às empresas. Temos de resolver os problemas. Alguns têm sido resolvidos, pelo menos já não há tantos constrangimentos ao financiamento neste momento da formação. Mas não faz sentido que haja tanto peso do Estado na formação profissional. Têm de ser as empresas e as suas associações a ter um papel determinante em tudo o que se passa no edifício da formação, na definição dos cursos, no ajustamento da necessidade ou no ajustamento da oferta às necessidades. Não pode ser o Estado a tentar condicionar isto, temos de ser nós a definir os conteúdos programáticos, temos de ser nós a intervir diretamente em tudo o que diz respeito à formação e qualificação dos trabalhadores para as nossas empresas. Não faz sentido que isso seja feito por quem não tem vocação para tratar desses assuntos, o Estado não tem vocação para tratar desses assuntos. O Ministério da Educação não tem, de todo, qualquer vocação para participar na definição das políticas de formação, porque o Ministério da Educação, quando intervém, é apenas para tentar resolver os seus problemas e os problemas da sua pesadíssima máquina e portanto, quer fazer formação à medida dos interesses e das conveniências da sua máquina. Nós precisamos que a formação seja feita à medida das necessidades das empresas; na nossa perspetiva, o Estado deve afastar-se progressivamente disto, a responsabilidade tem de ser das empresas, das associações e dos seus centros de formação, até porque grande parte do dinheiro e das verbas da fundação são emergentes das empresas e dos trabalhadores. 
 
VE – Em relação aos trabalhos desenvolvidos pelas PME e aos resultados que se estão a obter, isso também se deve ao trabalho desenvolvido pela AIMMAP ao agregar as empresas todas e estimular a internacionalização e inovação?
RCP – Nós entendemos, sem falsas modéstias ou excesso de vaidade, que temos um papel muito importante na promoção da internacionalização e das exportações das nossas empresas. Fazemos isso através da realização de missões empresariais, de organização de participações coletivas em feiras importantes mas também na formação dos empresários, na partilha de boas práticas, no benchmarking e criámos inclusivamente e desenvolvemos uma academia de internacionalização para ajudar as empresas a focar-se na internacionalização, a saber mais e melhor sobre essa matéria. Estamos também a desenvolver cursos mais específicos e mais especializados nessa área, e por isso, promovemos e incrementamos as exportações e a internacionalização. Damos também nota e fazemos eco público dos bons resultados atingidos pelas nossas empresas, temos um papel agregador e catalisador nesse âmbito. Quanto à inovação, entendemos que temos também uma responsabilidade semelhante e temos feito um trabalho muito parecido nesse âmbito. Incentivamos as nossas empresas a investir em inovação, em acrescentar cada vez mais valor, investir em investigação de desenvolvimento, posicionar-se melhor na cadeia de valor e temos feito muito bem esse trabalho. Além do mais, também, procuramos estimular a procuração entre as empresas. É importante que ganhem massa crítica e que possam apresentar-se em conjunto ao mercado. Cada vez mais há propostas de chave na mão que o nosso setor apresenta ao mercado, seja cá, seja no exterior, e nós tentamos estimular a cooperação entre as empresas e também entendemos que o passo subsequente ao das ações de cooperação poderá ser até a promoção das fusões entre as empresas para que haja cada vez empresas com mais massa crítica, com mais músculo e com mais capacidade de concorrer nos mercados globais.
 
VE – Entre os fatores que influenciam positivamente a expansão da atividade inclui o diálogo social e o relacionamento que existe com os sindicatos do setor e a AIMMAP?
RCP – A contratação coletiva foi um dos pilares do processo de reestruturação que o setor fez. Conforme é sabido, na crise, o setor perdeu postos de trabalho, reduziu as exportações, baixou substancialmente o volume de negócios nos anos de 2008-2009. A partir de 2010, o setor cresceu muitíssimo, particularmente nos mercados de exportação. Para esse efeito, entendemos que houve alguns pilares verdadeiramente decisivos. Por um lado, houve uma estratégia concebida e a seguir implementada com o contributo da AIMMAP e das grandes empresas, mas alargada à generalidade das PME, nos termos da qual as nossas empresas e o nosso setor deixou praticamente de competir, tirando alguns nichos e algumas ilhas, com mais preços baixos, passando a competir com base na diferenciação. Nos segmentos mais mais especializados e de maior valor acrescentado, essa estratégia de aposta na diferenciação foi um dos pilares. Outro extremamente importante foi a ousadia de internacionalizar. Ainda também uma aposta muito grande na qualificação e formação dos colaboradores. E, finalmente, a questão do diálogo social, a contratação coletiva e o entendimento que conseguimos com o sindicato da UGT, o Sindel. Foi verdadeiramente decisivo termos conseguido fazer um novo contrato coletivo que foi benéfico tanto para os trabalhadores como para as empresas. Só quando há ganhos para as duas partes é que podemos dizer que se trata de bons acordos. Nesse caso concreto, houve sucessivos acordos ao longo destes anos que têm sido ajustados e que tanto a AIMMAP como o Sindel reveem-se neles e entendem que têm ajudado as empresas neste processo de reestruturação permanente, de ajuda às empresas a competirem com cada vez maior assertividade, nos mercados mais exigentes e nesta vocação, suporta bem a vocação exportadora das nossas empresas, ao mesmo tempo que vai criando cada vez melhores condições para que os trabalhadores se sintam confortáveis nas nossas empresas. 
Consideramos que há muito trabalho ainda a fazer, mas foi muito importante o que fizemos para que o setor se tenha reestruturado e modernizado. Queremos continuar atentos às macrotendências do futuro e dessa forma permitir que o nosso setor continue a crescer. Para isso é absolutamente decisivo que quem trabalha nas nossas empresas goste de lá trabalhar e se sinta confortável para continuar a trabalhar. A concorrência é cada vez maior também mesmo ao nível do emprego e as nossas empresas têm de estar atentas a isto, têm de estar sensibilizadas para tratar, acarinhar e estimular bem os seus colaboradores.
 
Setor com oportunidades de emprego
 
VE – Há muitas oportunidades de emprego qualificado no setor...
RCP – Há muitas oportunidades e nesse âmbito até estamos a conseguir de facto preencher grande parte das vagas, mas é importante que as pessoas e os trabalhadores se sintam acarinhados e estimulados nas nossas empresas. Temos em consideração que para isso é decisivo que haja um bom relacionamento entre a associação e o sindicato e que o contrato coletivo, que no fundo são as normas autor reveladoras do setor, o contrato coletivo tenha as disposições que potenciem exatamente o bom relacionamento, depois a cada empresa, entre empresas e entre a entidade de empregadores e trabalhadores. Nós estamos no século XXI, temos de acompanhar as tendências atuais e do futuro, é muito importante que tudo isso seja alicerçado num diálogo social construtivo.
 
VE – Um reparo que tem sido feito é a falta de medidas de estímulo e apoio à economia, mas, de certa forma, os resultados do setor contrariam a falta de uma envolvente favorável. Apesar desta conjuntura económica e política, estas têm sido favoráveis para as empresas?
RCP – A conjuntura europeia e as políticas do Banco Central Europeu têm sido importantes. Considero que há no atual Governo ministros e secretários de estado capazes e bem intencionados, que ajudam e procuram ajudar a economia a desenvolver. Também tenho a noção de que cada vez mais, nós temos de contar connosco e não estar à espera do que os governos possam fazer por nós. Apesar de tudo, acho que este Governo não tem atrapalhado e essa é a principal preocupação, é que os Governos não atrapalhem, não interfiram excessivamente. Consideramos que a carga fiscal é excessivamente pesada, que há ainda custos de contexto, que há constrangimentos que têm de ser ultrapassados, contudo, nós não podemos estar à espera daquilo que o Governo vai fazer por nós. Agora, é, para nós importante fugirmos a esta imagem de um país e isso prejudicou nesta legislatura, em que o governo está de algum modo dependente de partidos populistas e radicais. Partidos que manifestamente não gostam da iniciativa privada e não gostam das empresas, essa parte, para nós, é negativa apesar disso, entendemos que na legislatura o Governo no essencial e na maioria das coisas conseguiu gerir bem esse relacionamento, conseguiu de algum modo, em muitas matérias e bem, ignorar a chantagem da extrema esquerda, a bem do país.
TERESA RIBEIRO E JOÃO LUÍS DE SOUSA agenda@vidaeconomica.pt, 18/07/2019
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