Misericórdia de Mogadouro inova no apoio aos idosos;

Prémio Maria José Nogueira Pinto valoriza assistência no domicílio
Misericórdia de Mogadouro inova no apoio aos idosos
Atrasar o internamento dos idosos em lares para melhorar a sua qualidade de vida é o objetivo de um projeto inovador da Santa Casa de Misericórdia de Mogadouro. Esta iniciativa ganhou o Prémio Maria José Nogueira Pinto, promovido pela Merck.
Em entrevista à “Vida Económica”, o Provedor da Misericórdia de Mogadouro destaca a importância no projeto no atual contexto de envelhecimento da população. João Henriques refere que cerca de 75% dos idosos tem demências ou problemas cognitivos que não encontram resposta adequada.
A alternativa encontrada pela Misericórdia de Mogadouro está no apoio especializado nas casas dos idosos que aumenta o nível de bem-estar das famílias e reduz os custos suportados pelo Estado.
Vida Económica – Como surgiu a ideia de lançar este projeto que venceu o Prémio Maria José Nogueira Pinto?
João Henriques - O que deu origem à atribuição deste prémio é o serviço que nós fazemos no apoio domiciliário às demências. Nós prestamos assistência na casa das pessoas que têm esta patologia, apoiando tanto os doentes como os seus familiares porque a demência é algo que afeta todo o agregado familiar. Afeta o doente como afeta aqueles que os rodeiam nomeadamente, os cuidadores informais que ficam condicionados também com a doença do seu familiar. O contexto onde isto aparece tem muito a ver com as características do nosso concelho. Para se perceber o enquadramento, o concelho de Mogadouro tem 756km 2 de área. A dimensão do nosso conceito é 7,5 vezes o tamanho do concelho de Lisboa, e é 18 vezes o tamanho do concelho do Porto.
Temos uma grande dimensão e baixa densidade populacional com 9 mil habitantes. Temos um concelho muito envelhecido, onde o índice de envelhecimento é cerca do triplo do índice do envelhecimento nacional. Se as demências são uma patologia com alterações cognitivas que advém da idade, a demência está relacionada com a idade e se nós temos um índice de envelhecimento que é o triplo do nacional então os problemas de demência também são o triplo da média nacional. Quem trata estas patologias é a neurologia e esta especialidade só existe a 100km de distância, em Bragança. Um utente que tenha que ir ao neurologista tem que fazer pelo menos 200 km para uma consulta, Se juntarmos isto tudo, percebemos qual é que é efetivamente o interesse de ter um serviço como o nosso em que apoiamos com um médico neurologista, com dois enfermeiros, com dois psicólogos clínicos e com um animador. Dando assistência na casa dos doentes de forma totalmente gratuita apoiamos estas pessoas mais debilitadas e mais necessitadas.
VE – Na origem do trabalho desenvolvido também está o facto de o Provedor ter formação na área da saúde?
JH – Não posso fugir a isso. Sou farmacêutico e tenho este “bichinho” de ver sempre o que é possível fazer para melhorar a vida dos utentes mas acima de tudo está aqui uma visão holística do problema de não fácil execução mas de um excelente resultado que é aquele que temos vindo a obter
 
VE – O que é que o júri mais valorizou no projeto para atribuir o prémio? 
JH – Eu julgo que o que é mais considerado é nós estarmos a atuar sobre gente debilitada, num concelho com umas características do nosso.
Podemos fazer uma ação que é replicável no resto do país. Não tem que ser exclusivo de Mogadouro Fomos nós que iniciámos, fomos nós que demos um primeiro passo mas tem que haver sempre alguém que dê o primeiro passo e poderá haver muitos passos. Nós temos sido visitados por muitas IPSS, e várias Misericórdias que se interessam pelo trabalho que fazemos e podem replicá-lo também nas suas áreas de intervenção.
 
VE – O conceito envolve tecnologia ou apenas uma forma diferente de prestar os cuidados aos utentes?
JH – Temos alguns aparelhos que acabamos por ver que não se adaptam às pessoas com demência. Dispomos de relógios com geolocalização que precisam todos os dias de ser carregados, tiram-se do pulso, colocam-se no pulso. Não nos dão nenhuma garantia absoluta de que podemos localizar uma pessoa que se perde que é algo frequente nas pessoas que têm demência. 
Mas vamos utilizar o valor do Prémio para estudar e equipar este serviço com aparelhos de geolocalização que sejam mais eficazes. Ainda não temos definido qual é que vai ser o tipo de aparelho, onde é que vai estar instalado. Estamos a desafiar inclusivamente as empresas de comunicações para connosco percorrem também este serviço, e para nos proporem as soluções que sejam as mais adequadas a estas pessoas para depois as aplicar.
O nosso objetivo é ter um aparelho de geolocalização em todos os utentes deste serviço que tenham mobilidade, porque se não tiverem mobilidade não faz sentido recorrer ao aparelho. Os que têm mobilidade e por padecerem da patologia não quer dizer que não possam sair de casa, até para ajudar no seu dia a dia. O objetivo é que possam sair de casa mas que nos dêm a segurança de que se a pessoa não souber regressar nós conseguimos e conseguimos localizá-la. 
 
VE – Ao melhorar as condições de vida dos idosos o projeto pode contribuir para a diminuição do consumo de psicofármacos que é muito elevado em Portugal?
JH – O aumento da esperança de vida aumenta também patologias que têm a ver e aparecem com as idades mais avançadas, como é o caso das demências. Hoje temos um maior número de demências porque as pessoas também duram mais anos do que duravam há duas ou três décadas. É o custo que pagamos por também durarmos mais anos. 
Nós sabemos que a demência não tem cura e não temos a veleidade de dizer que com o nosso serviço queremos curar as pessoas. O que nós queremos fazer é diagnosticá-los mais precocemente porque dessa forma conseguimos atrasar a evolução da doença porque quando ela é diagnosticada mais precocemente tanto com tratamento farmacológico como não farmacológico, de estimulação cognitiva das pessoas, é possível obter melhores resultados. Ao atrasar a evolução da doença, conseguimos que as pessoas estejam mais tempo, mais anos no seu ambiente, na sua casa, junto à sua família e atrasamos desta forma a institucionalização destas pessoas em lares.
Os lares de idosos não têm as condições ideais para assistir os utentes com esta patologia. Ainda estamos a anos-luz de ter um serviço que apoie as questões mentais como deve ser. Portanto, toda a gente inventa, faz o seu melhor, esforça-se o possível e o impossível para dar condições de vida às pessoas que estão com demência mas não estamos adaptados para este tipo de patologia. Cerca de 75% das pessoas que estão nos lares ou têm algum tipo de demência ou algum tipo de defeito cognitivo. Se nós olharmos para isto desta maneira, percebemos que temos aqui um caminho enorme para percorrer, para poder prestar melhores cuidados às pessoas que deles necessitam e sofrem destes problemas do conhecimento.
 
Projeto custou 200 mil euros
 
VE – Quanto é que foi necessário investir neste projeto?
JH – O projeto custou 200 mil euros para um período de dois anos, ou seja, o custo anua do projeto são 100 mil euros mas o grosso da coluna são custos com o pessoal, um neurologista, dois enfermeiros, dois psicólogos animador. Depois todos os custos de manutenção. Nós fazemos cerca de 70 mil km para prestar este serviço. São os carros, os quilómetros, as comunicações e tudo mais. 
Durante dois anos tivemos o financiamento do investidor social que foi a Câmara Municipal. Este projeto termina no dia 31 de agosto, é o prazo limite. É óbvio que o nosso serviço está de tal ordem enraizado e faz muita falta às pessoas que a Câmara Municipal já assumiu que o projeto vai ter continuidade. Não fazia sentido nós recebermos o prémio para equipar com GPS os utentes de um projeto que termina em breve. Obviamente que ele vai continuar no terreno mas agora com outro tipo de financiamentos.
 
VE – Considera importante evitar ou pelo menos atrasar o internamento das pessoas em lares?
JH – É importantíssimo atrasar porque ganhamos todos. Ganham as famílias, ganham os utentes obviamente, porque o melhor sítio onde o utente pode estar é na sua casa junto da sua família, seja ele quem for, ganham as instituições porque não estão adaptadas a este tipo de patologia e ganha o Estado porque poupa muito dinheiro ao não ter estas pessoas institucionalizadas. Toda a gente sai a ganhar neste conceito.
 
Teresa Ribeiro, 22/08/2019
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