“Portugal é um dos países mais centralizados da Europa”;

Nuno Botelho, presidente da Associação Comercial do Porto, afirma
“Portugal é um dos países mais centralizados da Europa”
“Os próximos quatro anos deverão ser de implementação da regionalização e de aprofundamento da descentralização”, afirma Nuno Botelho.
“Regionalização e descentralização são soluções complementares e processos obrigatórios para termos um país mais equilibrado, mais justo, mais moderno e mais rico”, afirma Nuno Botelho, presidente da ACP – Associação Comercial do Porto.
“Portugal é um dos países mais centralizados da Europa”, afirma. E exemplifica: “Metade do valor das compras do Estado é realizada por entidades localizadas na Área Metropolitana de Lisboa. E quase 80% dessas compras são feitas a empresas daquela região”.
“É fundamental rever e solucionar as más opções tomadas ao longo de décadas em termos de política rodoviária”, acrescenta. 
 
Vida Económica - As conclusões do relatório apresentado pela Comissão Independente para a Descentralização parecem coincidir com a posição da Associação Comercial do Porto, nomeadamente com as conclusões do estudo “Assimetrias e Convergência Regional: Implicações para a Descentralização e Regionalização em Portugal”. Em que se assemelham?
Nuno Botelho - A Associação Comercial do Porto revê-se nas conclusões do relatório da Comissão Independente para a Descentralização. É verdade que as conclusões são coincidentes com o estudo que promovemos. Já tive oportunidade de dizer, por diversas ocasiões, que é desnecessário gastar mais dinheiro público em estudos e relatórios. O nosso documento é conclusivo e está ao dispor do Governo, dos partidos e da sociedade civil. O modelo prevê que as futuras regiões administrativas devem dar prioridade à gestão de fundos europeus estruturais e de investimento, desenvolvimento regional, ordenamento do território e cidades, ambiente e cooperação regional transfronteiriça. No relatório, a Comissão sugere ainda a manutenção das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das áreas metropolitanas. Relativamente à localização das futuras Juntas Regionais, o documento considera que estas devem coincidir com a das atuais Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR) e as Assembleias Regionais devem ter em atenção a configuração geográfica de cada região, numa ótica de igualdade territorial. Apoiamos estas conclusões.
 
VE – Num recente jantar de associados da ACP, afirmou: “Acreditamos na regionalização. Acreditamos nas virtudes da descentralização”. Que quis dizer com isso?
NB - O Porto e Norte acreditam na regionalização e na descentralização, nas suas virtudes. Não acreditamos que sejam caminhos alternativos ou opcionais. A descentralização não substitui a criação de regiões políticas. Regionalização e descentralização são soluções complementares e são processos obrigatórios para termos um país mais equilibrado, mais justo, mais moderno e mais rico.
 
VE – Na prática, como podem funcionar a regionalização e a descentralização?
NB - Como respondi anteriormente, a regionalização e a descentralização são caminhos complementares. A regionalização está prevista na Constituição da República Portuguesa deste 1976. O funcionamento das regiões administrativas, pela particularidade de cada uma, deve implicar a transferência de competências, acompanhadas do envelope orçamental respetivo, dotando as regiões de autonomia e capacidade para a tomada de decisões e para a disponibilização de serviços públicos. As regiões devem ter capacidade de implementar estratégias de crescimento e respostas próprias. Há competências prioritárias, como refere o relatório da Comissão e que subscrevo:  a gestão de fundos europeus e de investimento, o desenvolvimento regional, o ordenamento do território e cidades, o ambiente e cooperação transfronteiriça entre regiões. Só desta forma se avançará para uma verdadeira regionalização, descentralização e desconcentração. 
 
Vantagens da regionalização
 
VE – A concentração das políticas económicas em Lisboa é responsável pelo atraso de desenvolvimento do país em relação a outros países da Europa?
NB - Portugal é um dos países mais centralizados da Europa. O estudo que realizámos em 2018 mostra-nos um conjunto vasto de razões que o comprovam. A centralização em Portugal leva a que a administração local apenas represente 10% da despesa pública. Nos últimos anos, as transferências do Estado para os municípios diminuíram 23%. Metade do valor das compras do Estado é realizada por entidades localizadas na Área Metropolitana de Lisboa. E quase 80% dessas compras são feitas a empresas daquela região. Na verdade, a Área Metropolitana de Lisboa especializou-se na produção de bens e serviços em que o Estado é o principal cliente. O problema não está nas empresas, é óbvio. O problema está na assustadora concentração do Estado. 
 
VE – A regionalização melhoraria a eficiência dos gastos públicos e, por consequência, o défice público? De que forma?
NB - Com certeza. A regionalização dotaria as regiões administrativas e os municípios de ferramentas eficazes para a gestão dos dinheiros públicos e de combate ao défice. As receitas próprias dos municípios podem constituir um importante instrumento de política para o aumento da resiliência das regiões a choques externos e também para a implementação de estratégias regionais de desenvolvimento. Devem ser implementadas políticas que visem aumentar a descentralização orçamental em Portugal, via aumento das receitas próprias. O aumento das receitas próprias requer a transferência da responsabilidade de receitas do Governo Central para a Administração Local. Os resultados do estudo da ACP mostram que as regiões que dispõem de mais receitas próprias tiveram um melhor desempenho durante a crise económica e na fase de recuperação. As exportações são o motor de crescimento das regiões e da economia nacional. O crescimento da economia nacional, aproveitando o potencial das diferentes regiões, requer políticas direcionadas às condições específicas das diferentes regiões. O envolvimento das entidades locais, públicas e privadas, é essencial, dada a necessidade de respostas rápidas às exigências dos mercados internacionais, que mudam de forma cada vez mais acelerada. Além de tudo isto, as condições específicas de competitividade das regiões devem ser consideradas nas políticas de qualificação dos trabalhadores e no financiamento da economia. 
 
Regiões devem gerir os fundos europeus
 
VE – Como avalia a gestão dos cinco quadros comunitários de apoio durante 30 anos? Com a regionalização, como poderia ser melhorada essa gestão?
NB - Como já referi ao longo da entrevista, a gestão de fundos europeus estruturais deve ser uma das competências prioritárias a serem transferidas para as regiões com a regionalização. Cada região tem a suas especificidades e os seus projetos. Só faz sentido que sejam elas a gerir esses quadros. Aliás, na Associação Comercial sempre criticámos e combatemos fortemente a gestão centralizada, a partir de Lisboa, dos fundos comunitários destinados ao desenvolvimento regional e à promoção económica. Se há comissões de coordenação, devem ser elas a dispor de autonomia para a gestão dos fundos. Como, futuramente, havendo regiões, devem ser estas, com certeza em articulação com o Governo, a definir as prioridades em matéria de investimento e de aplicação destas ferramentas comunitárias para a redução de assimetrias e desigualdades. A subsidiariedade é um princípio que não deve ser válido apenas à escala europeia. Antes deve ser aplicado e seguido por cada país no seu próprio território. Portugal não faz, nunca fez, isso. Temos que rapidamente mudar este estado de coisas e não podemos hesitar nesta matéria. Não admito que o nosso país continue a ser o Estado mais centralista da Europa.
 
VE – Com a regionalização, que poderia ser melhorado no Norte em termos de desenvolvimento económico? 
NB - A região Norte representa mais de metade das exportações nacionais. Um estudo do Banco de Portugal revela que a autonomia financeira das empresas da região é mais elevada quando comparada com o total nacional. Um terço das empresas nacionais estão no Norte do país, empregando um terço da população ativa em Portugal. É necessário acautelar as condições de financiamento das regiões, em particular das regiões com mais vocação exportadora, como é o caso do Norte, que mostram ser o motor da economia nacional. Assim, com a aplicação desta reforma, a região seria dotada de autonomia e de conjunto de instrumentos e competências que lhe permitiriam crescer e atrair recursos externos, recorrendo a novos métodos de promoção do investimento, que se refletirão na criação de postos de trabalho e na atração e no crescimento das empresas.
 
Impacto positivo no turismo
 
VE – Como vê o crescimento do turismo nos últimos anos e que respostas é preciso dar no futuro? Com a regionalização as respostas seriam mais eficazes?
NB - O turismo é um fator essencial para o crescimento da região. Podemos sempre melhorar e fazer mais, é certo, mas os bons resultados estão à vista de todos. A região tem investimento estrangeiro como nunca, tem pujança do ponto de vista turístico e da atração de novos negócios e de novos mercados. A comunidade estrangeira está a aumentar e isso é positivo para a região. A transferência de competências e de autonomia seria um passo fundamental para a região planear o turismo que quer no futuro, a curto e longo prazo, para desenvolver e implementar políticas estratégicas de crescimento e para canalizar investimentos nas suas infraestruturas de entrada, saída e atração turística. 
 
VE – Que infraestruturas seria necessário criar ou desenvolver para que o Porto e o Norte pudessem expandir o seu desenvolvimento económico? 
NB - A Associação Comercial do Porto tem sido umas das vozes mais ativas na reivindicação de investimento nas infraestruturas cruciais para a região. O Aeroporto do Porto é uma das preocupações. As obras e o investimento anunciados recentemente pela ANA são um pequeno passo que não vão resolver a totalidade dos problemas de uma infraestrutura que está já próxima da sua capacidade máxima. É preciso ter visão de longo alcance e não pensar apenas em remedeios. O Porto de Leixões é outra infraestrutura em franco crescimento, pelo que é fundamental adaptar-se às exigências do mercado. É necessário aumentar o envelope de investimentos. A rede rodoviária nacional que serve esta região, com especial destaque para a VCI e para a CREP, é também outras das nossas batalhas. Infelizmente, como vivemos num país fortemente centralizado, o estudo que promovemos sobre o tema continua numa série de gavetas. Mas não nos vamos calar. É fundamental rever e solucionar as más opções tomadas ao longo de décadas em termos de política rodoviária. 
 
VE – Que mensagem gostaria de transmitir?
NB - Os portugueses estão cansados de slogans políticos, de diagnósticos e de ilusões sobre a regionalização e sobre a descentralização. Estamos em campanha eleitoral para as eleições legislativas de outubro e os partidos políticos têm de ter a coragem de se pronunciar e de se posicionar claramente quanto a este tema. Esta é a agenda do país. Não é a agenda do Porto e do Norte. Este é o momento de escutarmos propostas, soluções e calendários. Os próximos quatro anos deverão ser de implementação da regionalização e de aprofundamento da descentralização.  
 
virgilio Ferreira virgilio@vidaeconomica.pt, 05/09/2019
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