Fintech prometem revolucionar banca tradicional;

Fintech prometem revolucionar banca tradicional
Durante um ano “abandonámos” a banca tradicional e usámos para (praticamente) tudo as contas oferecidas pelas fintech, sobretudo no N26 e Revolut. Depois de alguns calafrios e rostos corados por ‘cartão rejeitado’, a britânica Revolut foi sem dúvida aquela que nos proporcionou a melhor experiência. E já não vivemos sem ela.
O ano passado, publicámos uma reportagem sobre o ‘Dinheiro nas Nuvens’, dedicado às fintech, um segmento dinâmico que está na intersecção dos sectores de serviços financeiros e tecnológicos. Aqui, há startups focadas em tecnologia, novos players que estão a trazer inovação aos produtos e serviços atualmente fornecidos pela indústria tradicional. Além disso, não têm qualquer espaço físico onde nos podemos deslocar para depositar dinheiro ou até reclamar.
Nesse trabalho, explicámos o que eram as fintech, fornecemos algumas estimativas de mercado e demos a visão de três meses de experiência, então apenas dos produtos da britânica Revolut e da alemã N26. Mas três meses é uma janela de tempo muito pequena para poder afirmar com alguma certeza qual a fintech que proporciona a melhor experiência. Resolvemos então ampliar a experiência a um ano, tentando usar ao mínimo a banca “tradicional” portuguesa. Houve agradáveis surpresas (muitas), calafrios (alguns) e alguma vergonha à mistura.
 
A fazer, que seja em grande
 
Quando começámos a “desenhar” a reportagem, resolvemos tornar a experiência o mais “real” possível, não olhando para tudo isto como um trabalho, mas como fazendo parte do nosso dia a dia financeiro. Assim, durante os últimos doze meses, a banca tradicional não nos serviu para mais que “recolher” o vencimento e fazer alguns débitos diretos que dariam demasiado trabalho para serem alterados. “Se vão fazer uma coisa a sério, então o dinheiro que forem colocar nos produtos das fintech também tem de ser ‘sério’ senão não tem o mesmo efeito”, explicava Daniel Marinho, psicólogo e investigador na área da neurociência. 
O que este profissional nos tentava explicar é que, se usássemos cinquenta euros na experiência e se corresse alguma coisa mal, mesmo inconscientemente, não iríamos fazer todos os esforços para perceber o que realmente se tinha passado. Entendemos a mensagem e usámos dois mil euros, o que já nos faria amaldiçoar fosse que nuvem fosse caso alguma coisa corresse mal.
 
O medo
 
Questionámos Daniel Marinho sobre o porquê de naturalmente nos mostrarmos desconfiados quando nos apresentam um produto totalmente grátis – todas as fintech que mencionamos acima têm uma versão sem qualquer custo associado, desde cartão de débito a despesas de gestão. “Não é por acaso que existe o provérbio ‘quando a esmola é grande o pobre desconfia’. Além de que estamos a falar de algo altamente sensível como as finanças pessoais. Estes produtos, por muito bons que até possam ser, por muita segurança que até possam prometer, são basicamente virtuais. Se alguma coisa correr mal, não posso ir lá, olhar uma pessoa nos olhos e dizer o que penso. Não é que provavelmente isso fosse adiantar alguma coisa, mas o impacto que tem em nós é distinto”. 
Aliás, Daniel Marinho dá um exemplo: ainda hoje, fora dos grandes centros urbanos, ainda há quem guarde quantidades “insanas” de dinheiro em casa com medo que aconteça alguma coisa ao banco. “Estamos claramente num período de transição. Provavelmente, daqui a um par de anos, todos estes receios deixam de fazer sentido e outros tomam o seu lugar. Neste momento, o importante é que haja boas experiências que validem a confiança no sistema, como de resto aconteceu com a banca tradicional”. 
 
Transferir dinheiro
 
A primeira coisa que havia então a fazer era transferir dinheiro para as contas, sendo que a gestão de todas elas é feita através de uma app. Nas versões gratuitas, apenas a Revolut permite uma alternativa à transferência internacional, o denominado ‘top up’, sendo que mais recentemente, e após a disponibilização da app em português, a opção se chama ‘adicionar dinheiro’. Basicamente, adicionamos um ou vários cartões de débito (funciona igualmente com MB Way) e o dinheiro é ao milésimo de segundo puxado para a conta Revolut, ficando automaticamente disponível para ser usado. Não convém usar cartões de crédito, já que é entendido como ‘cash advance’ e por isso passível de serem aplicadas taxas.
Os britânicos destacam-se assim dos restantes produtos em termos de eficiência e custos, já que, apesar de todos se apresentarem particularmente rápidos nas operações – várias vezes, com o N26, no próprio dia o dinheiro estava disponível – não deixa de ser uma transferência internacional, com os custos que lhe estão associados e que dependem de banco para banco. Com dinheiro nas contas, apenas nos restava começar a gastar.
 
Em Portugal há que andar com dinheiro
 
E aqui começa a grande questão e que numa primeira fase pode causar algum “mal-estar” entre os clientes, sobretudo portugueses. Nenhuma destas fintech está associada, pelo menos para já, à rede Multibanco, uma marca de referência da SIBS criada em 1985 e que constitui um verdadeiro caso de estudo internacional. 
Acontece que, por cá, a grande maioria dos negócios, nomeadamente comércio e restauração, tem contrato apenas com esta rede, deixando de lado sistemas como Visa, Mastercard ou American Express, uma vez que acarretam custos que em estruturas pequenas são considerados elevados. 
Trocando isto por miúdos, a probabilidade de ir fazer uma compra e o cartão destas fintech dar a mensagem “sem contrato TPA” é bastante grande. E não tem nada que ver com o facto de ser Revolut ou N26, mas sim com os contratos que os comerciantes estabelecem. Assim, no nosso caso, e porque na maioria das vezes deixávamos inclusivamente o cartão português em casa, havia que levantar dinheiro e então pagar. 
Claro que já há um ano o tínhamos referido: pelo facto de não estarem associadas à rede Multibanco, fazer um pagamento de serviços ou ao Estado numa ATM está completamente fora de causa.
Saindo de Portugal, nomeadamente para Europa e Estados Unidos, as geografias que mais “frequentámos”, a experiência não podia ser mais satisfatória. Os cartões funcionam em praticamente todo o lado, desde transportes públicos a caixas para levantamento de dinheiro, sendo que na maioria das vezes não há, nos quatro casos que testámos, custos associados. 
A gestão da conta pelas app é altamente cómoda – Revolut e N26 são muito intuitivas e completas – e a questão de podermos gerir a segurança dos cartões ao momento - pode-se bloquear totalmente, ou só bloquear os pagamentos online, ou só os levantamentos - é um conforto e um descanso.
 
N26 e a importância 
do atendimento ao cliente
 
Tínhamos a alemã N26, uma das mais conhecidas fintech mundiais, em alta conta. A app é minimalista mas supereficiente, muito ao “estilo” de design da Apple. Não tínhamos qualquer razão de queixa e até chegámos a ter um problema em Espanha, no qual uma ATM não nos entregou o dinheiro mas este foi descontado da nossa conta, tendo o problema sido prontamente resolvido. Na altura, o atendimento ao cliente – e foi num fim de semana – foi rápido, a resposta eficaz e a resolução numa janela de tempo mais que aceitável, o que, mês após mês, nos levou a cada vez mais usar esta solução a par da Revolut. 
Mas houve algo que nos desiludiu, não querendo isso dizer que não recomendemos, e muito, esta fintech. Não sabemos ainda muito bem como, mas foi feito, quer para o nosso Revolut quer para o N26, um pagamento à Amazon Prime na República Checa. A Revolut automaticamente classificou a operação como ‘fraudulenta’ e perguntou se fomos nós que a tínhamos feito. Como a resposta foi negativa, bloqueou-a e sugeriu o pedido de um novo cartão. Ou seja, em menos de um minuto, detetou e resolveu o problema sem qualquer prejuízo para o cliente.
Já no caso do N26, foi um bocadinho diferente. Fomos nós que tivemos de dar a operação como fraudulenta, no apoio ao cliente, que desta vez já não foi tão rápido como da outra – não nos conseguiram resolver o problema, pelo que a nossa reclamação teve de ser feita por email… cujas respostas demoraram dias a chegar. Resumindo: o mesmo problema, ocorrido a 22 de Julho, na Revolut foi automaticamente resolvido, enquanto na N26 tivemos de esperar por 1 de Agosto para que o dinheiro tivesse sido reposto na conta. Neste caso, o valor foi pequeno, de 5,46 euros… mas e se tivesse sido um valor superior? Da última vez que contactámos o apoio ao cliente a perguntar quanto mais tempo iriam levar a responder, e depois de explicarmos precisamente que estávamos desconfortáveis com a ideia de que isto poderia um dia acontecer com valores superiores, a resposta foi: «Pode sempre optar por soluções de outras empresas». Não gostámos da resposta mas continuámos a sugerir fortemente o uso do N26, até porque nunca esteve em causa ficarmos sem o dinheiro que identificámos na transação fraudulenta – a questão era saber apenas quanto tempo demoraria a tê-lo de volta na conta.
 
Revolut(ão)
 
Assim, não é que o N26 seja mau, pelo contrário. O “problema” é que a Revolut é melhor. Nos catorze meses em que usámos o produto – e que vamos continuar a usar, na verdade ­– não tivemos qualquer contratempo. Em parte, isto também se deveu a um grupo não oficial que a Revolut tem no Facebook e que vai dando aos internautas informações sobre tudo o que se vai passando, como as alturas em que o sistema está “em baixo” ou esclarecendo os cada vez mais adeptos desta nova forma de estar na banca. 
Mas o cartão faz sentido para quem não viaja, já que as taxas, ou a isenção delas, são uma mais-valia do produto? Faz. E damos apenas este exemplo: precisávamos de fazer um pagamento online em libras, havendo por isso lugar a uma taxa de conversão. Se tivéssemos usado o PayPal, pagaríamos 191,59 euros, mas na Revolut o valor final foi de 180,35 euros, uma poupança de onze euros, o que em tão “pouco” dinheiro é uma percentagem muito grande.
 
Susana Almeida, 10/10/2019
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