Empresas têm falta de incentivos e de financiamento para formação profissional;

Teresa Damásio promove Semana Europeia da Formação Profissional
Empresas têm falta de incentivos e de financiamento para formação profissional
A formação profissional é decisiva para a qualificação dos colaboradores no atual contexto de transformação digital. Mas as empresas portuguesas têm falta de incentivos e meios de financiamento para a formação profissional – considera Teresa Damásio. Em entrevista à “Vida Económica”, a gestora, escolhida como embaixadora da Semana Europeia da Formação Profissional, refere que existe um desequilíbrio, com uma forte concentração de recursos na formação de jovens e desempregados, em detrimento da formação dos quadros das empresas. Para Teresa Damásio, o aumento da formação anual obrigatória de 35 para 40 horas é um passo importante mas falta sensibilizar as empresas e os próprios colaboradores para a importância da formação.
Vida Económica - Quais são os principais objetivos da Comissão Europeia com a Semana da Formação Profissional?
Teresa Damásio - A Comissão Europeia tem como principal objetivo criar a noção junto da população, das entidades e em termos globais, em todos os estados-membros, da relevância do ensino profissional e da formação profissional. São duas coisas distintas, mas que são celebradas da mesma forma nesta semana europeia que se realiza todos os anos e que este ano se realiza em Helsínquia, sob a presidência finlandesa.
 
VE - De que forma a formação profissional deve complementar o Ensino e melhorar a qualificação das pessoas?
TD - O ensino profissional existe no sistema educativo de todos os estados-membros a par do chamado ensino científico-humanístico, e é um par do ensino, portanto os seus diplomados, quando qualificados, também terminam o ensino secundário, a única diferença é que eles tiveram um ciclo formativo e completam uma qualificação que está enquadrada dentro do catálogo nacional das qualificações e que lhes dá um acesso preferencial ao mercado de trabalho e, portanto, o capital humano está mais qualificado, premiamos o trabalho digno e valorizamos as remunerações, e essa é a razão pela qual os diplomados do ensino profissional têm remunerações, de acordo com a União Europeia, em média 25% mais elevadas que os diplomados do ensino científico-humanístico e 60% destes alunos conseguem um trabalho na área e conseguem um trabalho sobre o âmbito do contrato de trabalho.
 
VE - Na comparação com outros países europeus, Portugal tem um investimento reduzido em formação profissional?
TD - Portugal efetivamente tem que aumentar a sua formação profissional e nós aqui estamos a falar naturalmente de algo distinto do ensino profissional e claramente ainda na última alteração do Código do Trabalho se aumentou o número de horas da formação profissional, mas é preciso ir mais além, é preciso capacitar os empregadores da necessidade de dar formação aos seus trabalhadores, e também que os trabalhadores percebam a grande mais-valia de usufruir da formação profissional e da formação ao longo da vida, portanto continuando a estudar, mestrados, doutoramentos, pós-graduações, tudo aquilo que há para oferecer no sistema educativo português.
 
VE - O sistema público de Ensino continua a ter um peso preponderante na formação profissional, em detrimento das empresas?
TD - Eu creio que há um esforço cada vez maior das empresas em prestar formação profissional aos seus trabalhadores. Se ao início era efetivamente um imperativo jurídico, em virtude de existir essa norma no Código do Trabalho, eu creio que cada vez mais é comum nós ouvirmos, e faz aliás parte de todos os relatórios de gestão e no balanço social, a inserção do plano de formação, como sabemos e, portanto, eu creio que hoje é uma prática generalizada.
 
VE - Existe um desequilíbrio, com um investimento forte na formação de jovens e desempregados e um investimento fraco na formação de ativos?
TD - Sim, tem que se aumentar efetivamente o investimento na formação de ativos, claramente há um desequilíbrio, ou seja, houve grandes esforços, estou a lembrar-me das Novas Oportunidades, do Qualifica, mas é preciso efetivamente reestruturar novamente esta parte, criando quer programas de incentivo para que os empregadores deem mais formação aos seus trabalhadores e os próprios empregadores também se qualifiquem. Nós estamos sempre a falar do ponto de vista do trabalhador, mas sabemos, pelo último estudo publicado em Fevereiro pela OCDE, que os empregadores, e o nosso tecido empresarial é muito composto por PME também precisam de qualificação.
VE - As empresas e organizações têm falta de incentivos e meios de financiamento da formação profissional?
TD - Têm claramente falta de incentivos e há um reduzidíssimo meio de financiamento e acho que isso devia ser uma clara aposta do próximo Governo, que está para iniciar funções, aumentar os incentivos e programas específicos para premiar até as empresas que mais formação profissional dessem aos seus trabalhadores e isso, aliás, nos Excellence Awards,  será uma das coisas premiadas em Helsínquia, as empresas que mais formação dão aos seus trabalhadores, e isso claramente falta em Portugal.
 
VE - O aumento da formação profissional obrigatória de 35 horas para 40 horas é uma medida positiva?
TD - É uma medida muito positiva e creio que, em sede de concertação social, é algo que está sempre presente, como sabemos, e eu creio que devemos ter como objetivo a médio e a longo prazo aumentar este número de horas, porque ele irá aumentar os índices de qualificação dos recursos humanos em Portugal, irá tornar a nossa economia mais competitiva, e irá dignificar o trabalho e, em última instância, irá aumentar a dignidade da pessoa humana, lembremo-nos que o trabalhador é uma pessoa, que o empregador é uma pessoa e que essa, aliás, foi uma das grandes revoluções no direito de trabalho em Portugal nos últimos tempos, e são pessoas dotadas de direitos de personalidade e a formação é uma condição “sine qua non” para se viver mais feliz dentro da organização.
 
VE - A formação profissional deve ser uma responsabilidade repartida entre as organizações, o Estado e os trabalhadores?
TD - A formação profissional, no contexto empresarial, é naturalmente um dever do empregador. Eu creio que o Estado, nas suas políticas no âmbito do direito do trabalhador e da segurança social, deve encontrar mecanismos para premiar as empresas e, sob a forma de incentivos, podem obviamente revestir um conjunto diversificado de metodologias, deve engajar todo o setor empresarial na formação profissional. Os trabalhadores devem cumprir, devem participar e devem valorizar esta formação e, portanto, é uma responsabilidade tripartida, naturalmente de todos.

Mais informações sobre Ensino e Formação Profissional na Europa
 
• 60% dos formandos de Ensino e Formação Profissional garantem o seu primeiro emprego de longo prazo dentro de um mês após a conclusão dos estudos (um valor que aumenta para os 80% após seis meses);
• 85% dos estudantes de Ensino e Formação Profissional sentem-se concretizados com as competências que adquiriram;
• A expectativa é de que as vagas de emprego para pessoas altamente qualificadas aumentem 21% entre 2015 e 2025, enquanto haverá 17% menos oportunidades para trabalhadores com qualificações baixas;
• Mais de 120 000 alunos de Formação Profissional e cerca de 20 000 funcionários beneficiam, todos os anos, de oportunidades de mobilidade europeia;
• O Fundo Europeu Social investe 6,7 mil milhões de euros em Ensino e Formação Profissional e 7,2 mil milhões de euros em aprendizagem ao longo da vida (2014-2020).

 

 
Susana Almeida, 17/10/2019
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