As alterações à Lei da Nacionalidade: alguns pontos e incongruências;

As alterações à Lei da Nacionalidade: alguns pontos e incongruências
No passado dia 10 de Novembro de 2020, foi publicada em Diário da República a Lei Orgânica N.º 2/2020, que alterou a Lei da Nacionalidade. Uma vez que este diploma – estranhamente e ainda por cima, visto tratar-se de uma lei orgânica – não contém nenhum preâmbulo referente às razões e fundamentos conducentes às alterações ora operadas, tentaremos neste pequeno exercício aferir aquelas, bem como analisar alguns pontos relevantes (uns felizes, outros nem tanto) da nova redação.
 
Na sua generalidade, e em concordância com aquilo que vem sendo referido pelas forças políticas que aprovaram as alterações ao diploma, este é dotado de uma muito maior objetividade e imparcialidade de critérios definidores de direitos, bem como de uma maior simplicidade de procedimentos em relação à sua anterior versão. 
No entanto, existem alterações ao diploma que, na opinião deste que aqui se subscreve, vão num sentido contrário, mais restritivo e mesmo parcial, contrário àquilo que à partida seria a intenção ampliadora do legislador.
Veja-se, a título de exemplo, a já muito divulgada atribuição da nacionalidade a netos de portugueses. Ao passo que a anterior redação do diploma aplicar-se-ia apenas a indivíduos nascidos em território estrangeiro, a nova redação abre essa possibilidade para qualquer pessoa, independentemente do local de nascimento. No entanto, a redação do novo texto torna-se mais restritiva, uma vez que agora prevê que os ascendentes devem ter nacionalidade originária. Assim, quer-nos parecer, ficam desde logo aqui excluídos os pedidos de netos de portugueses que tenham adquirido a nacionalidade por efeito da vontade (entre outros, por naturalização, por via do casamento ou da adoção). A mesma situação verifica-se relativamente aos pedidos de naturalização por indivíduos que sejam havidos como descendentes de portugueses.
Encontramos um outro exemplo do acima descrito relativamente à também já muito discutida atribuição da nacionalidade portuguesa aos filhos de cidadãos estrangeiros nascidos em território nacional. Neste caso, a alteração efetuada veio acabar com a distinção entre estrangeiros residentes (inserindo-se aqui aqueles desprovidos de título de residência, aqueles cuja situação ainda esteja a ser regularizada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou mesmo aqueles que nunca regularizaram a sua situação em território nacional) e estrangeiros com residência legal, atribuindo a nacionalidade portuguesa aos filhos nascidos em território nacional, desde que um dos progenitores cá habite há, pelo menos, um ano. Já no caso da aquisição da nacionalidade por filhos de cidadãos estrangeiros nascidos em território nacional por via da naturalização, e em sentido contrário, o legislador decidiu “premiar” os estrangeiros que cá tenham residência legal em detrimento daqueles que não a tenham, porquanto que para os primeiros não prevê qualquer tipo de período temporal de residência que tenha que decorrer para poderem solicitar a naturalização dos filhos nascidos em Portugal; já no que aos segundos toca, terão que esperar pelo menos cinco anos até que o possam fazer.
Uma última nota vai para duas novidades que, em nossa opinião, consubstanciam o assumir de “mea culpa” por parte do Estado Português, porquanto são referentes a duas situações que no passado foram alvo de legislação considerada injusta segundo os parâmetros atuais. Uma primeira, porquanto prevê agora a legislação alterada que poderão ser naturalizados os cidadãos nascidos em território ultramarino tornado independente que não tenham conservado a nacionalidade portuguesa por não residirem em território nacional há mais de cinco anos contados em 25 de Abril de 1974, que cá tenham permanecido, bem como aos seus filhos, nascidos em Portugal, mas a quem, devido à situação dos seus progenitores, não tenha sido atribuída a nacionalidade portuguesa originária. A segunda, referente às mulheres que, tendo casado com um cidadão estrangeiro durante a vigência da Lei N.º 2098, de 29 de Julho de 1959, tenham perdido a nacionalidade portuguesa. Neste caso, não se trata de uma atribuição de direitos, mas sim de um aditamento de carácter procedimental, porquanto a nova redação do diploma prevê que, nestes casos, contrariamente ao que se verificava anteriormente, foi retirada ao Ministério Público a possibilidade de oposição aos pedidos desta natureza por parte das possíveis requerentes. 
Só com o passar do tempo e com o acumular dos pedidos formulados perante as Conservatórias do Registo Civil ao abrigo da presente redação da Lei da Nacionalidade teremos uma verdadeira noção fáctica das consequências das alterações operadas. Para já, e apesar das incongruências que enfermam o diploma, cremos que a nova redação facilita, grosso modo, o acesso à nacionalidade portuguesa a várias pessoas que, até ao momento não teriam qualquer possibilidade de o fazer. Esperemos que as alterações à regulamentação destas medidas, a serem publicadas num futuro próximo, e que muitas vezes são fonte de burocracias e procedimentos que se estendem durante anos, acompanhem o sentido das mesmas.
Gustavo Sousa Advogado Associado na Next-Gali Macedo e Associados, 20/11/2020
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