Empreendedorismo jovem: um caso de sucesso em plena pandemia;

Empreendedorismo jovem: um caso de sucesso em plena pandemia
Aos 20 anos, Ana Catarina Monteiro, estudante de Contabilidade e Administração no ISCAP, juntamente com quatro amigos, fundou a empresa MyCloma. Tendo a sustentabilidade e a preocupação social como principais pilares, esta empresa dedica-se à recolha, valorização e venda de roupa em segunda mão: tudo isto à distância de um clique.
Para os mais céticos no que visa o e-commerce e/ou à compra em segunda mão, esta marca recente dispõe, desde novembro, de um espaço físico que nasceu de uma parceria com a Auchan Portugal. Para além disso, este projeto conta com uma parceria com a Escola de Moda do Porto, onde os alunos são desafiados a criar peças de autor a partir das roupas que não cumprem os requisitos para serem (re)vendidas. Ana acredita que “se há altura para falharmos e depois voltar a renascer, por assim dizer, é quando saímos da faculdade, quando somos jovens. Fica sempre uma aprendizagem de tudo o que fizemos e uma tentativa de construir algo”.

Quando é que surgiu a ideia de criares o teu próprio negócio e, juntamente com isso, a empresa MyCloma?
No ano passado, comecei a vender roupa que já não me servia ou com a qual já não me identificava através das redes sociais. À medida que o perfil ia crescendo, muita gente entrava em contacto comigo a propor-me a comprar o que já não utilizavam para eu voltar a vender.
Reparei que grande parte das pessoas tinha interesse em dar uma nova vida às suas peças de roupa ou tentar rentabilizá-las e não havia uma plataforma portuguesa que fizesse esse trabalho, onde o cliente não se preocupa com nada.
Aliada à falta de resposta do mercado para este problema, há também uma grande preocupação social e ambiental que caracteriza a MyCloma. Na sociedade atual, as pessoas consomem mais e utilizam menos, o que acaba por contribuir em muito para o aumento do desperdício têxtil, que neste momento ronda as 200 mil ton/ano, em Portugal.
Este é o ponto de partida para a MyCloma: dar resposta a esta falha no mercado e ajudar a consciencializar cada vez mais as pessoas para um consumo mais sustentável.

Em 2020, durante os meses de confinamento, houve uma queda na constituição de novas empresas na ordem dos 71% face ao período homólogo de 2019. A MyCloma nasceu em maio do ano passado. Quais foram os principais desafios de criar uma empresa em tempos de pandemia?
Como a MyCloma é uma plataforma de e-commerce, acabámos por não sentir um grande impacto, uma vez que as vendas online até cresceram com o confinamento. Mais, o facto de as pessoas estarem confinadas em casa, a fazer arrumações aos armários, acabou por ser um impulso para tentarem rentabilizar as roupas que já não usavam. Diria que o mais difícil foram mesmo as questões burocráticas na constituição da empresa e arranjar um espaço maior, visto que numa fase inicial estávamos sediados na minha garagem. Outra dificuldade que também sentimos foi em relação aos recursos financeiros. Quando criamos um negócio, por vezes, não temos grandes recursos e sinto que há uma falha no apoio do Estado para com as PME. Existem efetivamente alguns apoios, mas acabam por ter um processo burocrático muito exigente e demorado, o que pode levar a que percamos a motivação nessa fase inicial. No nosso caso, tivemos de investir no espaço onde estamos agora e em recursos humanos, o que representa sempre um risco inicial. Neste momento, numa fase de crescimento muito acentuado, estamos já a investir num sistema informático mais completo para a nossa atividade, que, embora seja dispendioso, será essencial para ganharmos eficiência nos processos e escalabilidade.

Em julho de 2020, a MyCloma passou a ter um espaço físico de vendas. Como é que surgiu a parceria com o grupo Auchan?
A Auchan entrou em contacto connosco em julho do ano passado e ficámos muito entusiasmados e motivados com a proposta. É muito gratificante termos a oportunidade de trabalhar com uma empresa de renome no universo do retalho em Portugal, uma empresa que cada vez mais aposta na sustentabilidade e interessa-se em apoiar projetos locais. Tivemos algumas reuniões e abrimos o nosso primeiro espaço físico, ReUse, no Auchan do Mar Shopping, em Matosinhos, na Black Friday. Num dia caracterizado pelo consumo excessivo, lançámos este projeto para dar uma opção de consumo mais sustentável e consciente. Foi uma conquista conseguirmos tudo tão rápido, de julho para novembro, com muita oferta, tanto para homem como para mulher.

Para além da parceria com a Auchan e com a Escola de Moda do Porto, podemos perceber, através das vossas plataformas, que as influenciadoras digitais têm uma voz muito ativa. Em que medida é que isso é uma mais-valia para a marca e para o cliente?
Sendo a MyCloma um negócio online, consequentemente, o nosso público-alvo acaba por estar também nesse espaço. Trabalhar com influenciadoras ajuda-nos a chegar a mais pessoas com interesse pela sustentabilidade ou por moda que, vendo na MyCloma peças igualmente boas e a preços mais acessíveis, começam a mudar os seus hábitos de consumo.
Para além disso, ao aliarmos o nosso trabalho com várias influenciadoras, por exemplo na criação dos seus “armários”, as pessoas acabam por se sentir mais seguras em comprar em segunda mão porque adquirem algo de alguém que já conhecem e confiam. Conseguimos atingir novos públicos e fidelizar clientes.

Tendo em conta que vários estudos apontam para o crescimento do mercado de roupa em segunda mão, como idealizas a MyCloma a mais longo prazo?
Já temos algumas perspetivas para o futuro. Temos o objetivo de começar a vender para toda a Europa, mas, no curto prazo, o nosso principal foco é Espanha, onde entrámos no  mês passado. Paralelamente, estamos a desenvolver uma solução tecnológica que nos permitirá escalar o negócio rapidamente e abrir novas áreas de negócio e canais de venda. O nosso objetivo é que a marca MyCloma seja uma marca de referência da sustentabilidade e da promoção de hábitos de consumo mais conscientes e isso vai muito além da venda de roupa em segunda mão.

Que conselhos darias a jovens que querem começar um negócio?
Atualmente, há alguma pressão da sociedade para que os jovens terminem o ensino superior, encontrem um emprego estável, criem família e por aí adiante. O espírito empreendedor e vontade de arriscar não é algo que esteja muito incutido, erradamente, na minha opinião. Criar uma empresa é algo excelente para desmistificar os nossos conhecimentos relacionados com várias áreas.
A verdade é que também tive esse exemplo por parte do meu irmão. Ele criou a sua primeira empresa quando terminou a licenciatura. Apesar da nossa diferença de idades de 13 anos, ele sempre esteve muito presente na minha vida. Toda a sua experiência, vontade de arriscar e dinamismo motivaram-me muito a querer aprender, a fazer mais e melhor.
Claro que há sempre um receio associado: se algo não corre como esperado. Mas se há altura para falharmos e depois voltar a renascer, por assim dizer, é quando saímos da faculdade, quando somos jovens. Fica sempre uma aprendizagem de tudo o que fizemos e uma tentativa de construir algo. Conseguimos voltar facilmente ao mercado de trabalho, sem perder o ritmo. Na pior das hipóteses fica sempre uma experiência única e muito enriquecedora.
Rosa Margarida Costa, 10/06/2021
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