Banca e políticos não aprenderam e quem sabe se irão alguma vez aprender;

Banca e políticos não aprenderam e quem sabe se irão alguma vez aprender
Estamos novamente a ver os media inundados por notícias pouco abonatórias sobre “a banca” e, em Portugal, particularmente sobre “os banqueiros”. Como quase todas as generalizações são injustas, eu prefiro que o amigo leitor entenda que tudo aquilo que eu escrevo sobre o tema, título do meu artigo incluído, seja interpretado como “alguma banca”, precisamente aquela banca gerida por gestores mercenários e sem escrúpulos, sob preceitos de ganância desmedida.
Manipular diariamente grandes quantidades de dinheiro, em que o ganho está na diferença entre a taxa que o banco paga por depósitos, e a taxa que o banco recebe por empréstimos, em termos muito básicos e simplórios a essência do modelo de negócios deste setor de atividade, desperta numa respeitável maioria dos gestores dessa área de negócios, os com pouca formação moral e poucos escrúpulos, a tentação de encurtar o caminho para a obtenção de lucros feitos de qualquer maneira, que maximizem o seu bónus pessoal de fim de ano.
Por muito que o setor bancário esteja a ser “esmagado” por regras estritas de “compliance”, por apertada vigilância regulatória (já vimos pelo caso escabroso do Credit Suisse, que até na Suíça, muito à semelhança do Banco de Portugal, o regulador suíço tem uma excessiva  reverência pelos banqueiros, preferindo provavelmente almoçar com eles, a ter de os “chamar à pedra”, e controlar eficazmente), por estipulações apertadas de “corporate governance” emanadas do BCE, por “oversight boards”, por auditoria interna, por auditoria externa, por pressão da opinião pública, dos media ou de comissões parlamentares, os casos de más práticas predatórias sucedem-se a um ritmo alucinante (veja-se o que aconteceu em Portugal, BPN, BPP, BANIF, BES, falidos, Barclays, Popular, Deutsche Bank, retirados do mercado….), em intervalos de tempo cada vez mais curtos.
Ainda estamos a lamber as feridas deixadas pela terrível crise de 2008, e já estamos novamente na expectativa de que uma nova voragem de falências no setor bancário provoque uma crise sistémica que rebente uma vez mais com as poupanças de milhões de aforradores, depositantes e contribuintes.
No Credit Suisse, banco sistémico a nível mundial, envolvido em escândalos maiúsculos de lavagem de dinheiro a criminosos internacionais, e afetado financeiramente por falências fraudulentas, das quais a mais relevante foi a da Archegos, 16 mil milhões de euros de obrigações subordinadas (CoCos, ou Contingent Convertibles, um acrónimo que não deixa de ser curioso em português, por apropriado neste caso…) foram levadas a zero, arrasando as poupanças de milhões de aforradores em todo o mundo. A praça financeira Suíça nunca mais será a mesma depois disto.
Os acionistas (exceções confirmam a regra) lá vão sendo salvos pelo “Estado” (contribuintes), e os gestores, mesmo sendo os primeiríssimos responsáveis pelo descalabro que assola regularmente o setor, lá se vão locupletando com os seus bónus e pacotes remuneratórios a raiar a indecência e o escândalo. Não pelo montante em si, mas porque não o merecem. O seu real desempenho, a destruir valor sobretudo para os clientes, só tem provocado desgraças sucessivas. Por isso mesmo os pacotes remuneratórios dos banqueiros, em vez de desenhados em função da criação de valor para o acionista, o que os leva a ser criativos na formulação de produtos exóticos, e no trilhar de atalhos muito pouco ortodoxos para chegar a “lucros” muitas vezes irreais, deveriam ser medidos exclusivamente pela criação de valor de longo prazo para o cliente.
Fica para a história anedótica do setor financeiro a escandaleira que os gestores da AIG, de facto falida na crise de 2008, mas salva com uma injeção maciça de dinheiro do Estado (nos EUA foi a título de empréstimo, e não a fundo perdido como cá…), montaram para receber os bónus a que “tinham direito”. O montante que o Estado lá meteu para os salvar da falência era quase o equivalente ao PIB anual de um país como Portugal. Na China possivelmente tinham passado essa inenarrável tropa pelas armas, quer pela falência em si, quer pela falta de vergonha de ainda assim pretenderem receber bónus.
Para além dos problemas do setor financeiro, estamos a viver tempos muito conturbados, que estão a levar ao eclodir de movimentos revolucionários de protesto verdadeiramente violentos na Europa (França). Noutras latitudes mundiais já há guerra, mortes e destruição a atingir civis inocentes, e não são num continente longínquo e exótico, mas em solo europeu (Ucrânia).  As tensões acumulam-se em vários pontos do globo. O conflito entre Israel e os palestinos a subir de tom, o conflito latente entre a China e Taiwan, a redefinição de blocos de influência e poder, com a “amizade” improvável da China e da Rússia cimentada apenas por espúrios interesses conjunturais, e não por “amor” e identidade cultural (necessidade de petróleo por parte da China, e necessidade de dinheiro por parte da Rússia) para se oporem aos EUA e à Nato, enfim, enfrentamos uma afiadíssima espada de Dâmocles mundial que se materializa numa série de caldeirões (espero que a insanidade não os faça vir a ser atómicos) prestes a explodir.
Se analisarmos a fundo a verdadeira raiz do problema, somos rapidamente levados a concluir que enfrentamos um caldo de cultivo perigosíssimo: uma profunda crise de valores, de princípios norteadores de comportamentos éticos, de falta de bom senso sem precedentes, tudo num contexto que Teresa Violante, uma jurista e investigadora do Instituto Max Planck e da Universidade de Frankfurt, numa entrevista brilhante dada ao Público a 18 de março deste ano, define em relação à Europa como “democracia agrilhoada”.
Permito-me, com a devida vénia, citar a seguinte passagem: “A alternância democrática neste momento não é muito evidente. O eleitorado é hoje chamado a escolher entre um programa Pepsi-Cola e um programa Coca-Cola, sobretudo no espaço da zona euro. As escolhas democráticas dos governos nacionais estão muito condicionadas por um espaço de decisão que é predeterminado por atuação de órgãos que não são democráticos, a saber o ramo dos independentes: o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia, e o Tribunal de Justiça da União Europeia”.
Se não se chegar rapidamente a uma catarse depuradora, isto tem tudo para acabar muito mal, porque o setor financeiro, sobretudo alguma banca (curiosamente a palavra que no Norte de Portugal se utiliza para caracterizar a pia de lavar a louça suja…), está regido por Cavaleiros do Apocalipse sem escrúpulos, e os políticos, que os deveriam regular inteligentemente de maneira a impedir os excessos (e não os negócios sãos), são reverentes e submissos, deixam-se embalar no mavioso e melódico canto de sereia do dinheiro, que precisam para ser reeleitos, achando que o setor está suficientemente maduro para auto-regular-se, enquanto eles se dedicam aos jogos geopolíticos no plano internacional, e a “lixar o mexilhão” no plano nacional.
Tic-tac, tic-tac, “the clock is ticking”.
José António de Sousa - Economista, Gestor e Investidor, 24/03/2023
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