Receitas de IRC em Portugal estão acima de Espanha, Itália e Suécia;

Dados da OCDE revelam
Receitas de IRC em Portugal estão acima de Espanha, Itália e Suécia
De acordo com os últimos dados da OCDE, as receitas de IRC pagas pelas empresas portuguesas atingem 3,1% do PIB, estando acima da média europeia e da média mundial.
A tributação das empresas nacionais é superior a todos os países do Sul da Europa e também de países como a Alemanha, Suécia ou Dinamarca.

Vários especialistas na matéria, incluindo fiscalistas e dirigentes associativos, consideram que este nível de tributação afeta o investimento nacional e estrangeiro e defendem que seria desejável uma aproximação ao nível de tributação dos países europeus, devendo esta correção privilegiar todas as empresas.
“Naturalmente, este nível elevado de tributação afeta profundamente o investimento, tanto nacional como estrangeiro. Acresce a agravante de que a tributação dirigida às empresas em Portugal é caracterizada por ser imprevisível, instável e opaca. O caso emblemático nesse contexto é o das tributações autónomas. Uma carga fiscal com esta arquitetura desincentiva o investimento das empresas”, afirma Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal.
“ Seria absolutamente desejável tornarmos a tributação mais previsível, mais estável e mais transparente. Para além disso, devermos alinhar o nível de tributação com os países com que competimos mais diretamente (nomeadamente os do Sul da Europa)”, acrescenta.
Segundo o mesmo responsável, “a correção deveria abranger todas as empresas, independentemente da dimensão”.
O economista e gestor Mira Amaral lembra que “o Governo Passos Coelho fez um acordo com o PS para baixar o IRC. Tal dava credibilidade ao país, pois o Governo chegava a acordo com o principal partido da oposição. O PS, ao chegar ao Governo, esqueceu e rasgou tal acordo”.
“O IRC não é a única dimensão do problema em termos de captação do IDE e de estímulo ao investimento produtivo mas é um dos argumentos em termos de concorrência fiscal e devia-se ter respeitado esse acordo e mantido depois a estabilidade fiscal. Não só o nível do IRC é importante, mas os investidores também apreciam a previsibilidade e a estabilidade fiscal, coisa que não temos”, conclui.

Reforma do IRC ficou “na gaveta”

Para a CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, o nível de tributação praticado em Portugal “prejudica o investimento nacional e estrangeiro, conduzindo a que muitas empresas, incluindo as nacionais, optem por escolher outros destinos, sobretudo enquanto não se concretizar o projeto europeu de harmonização fiscal. A CCP apoiou as conclusões do trabalho realizado pela Comissão de Reforma do IRC que já em 2013 previa uma redução progressiva deste imposto, que não se verificou. Ao invés, assistiu-se a um agravamento dos impostos sobre as empresas, nomeadamente através das tributações autónomas”.
Relativamente à aproximação ao nível de tributação dos países europeus, a CCP considera “desejável que o país se posicione de forma a que a carga fiscal não pese desfavoravelmente nas decisões de investimento. Isso significa que Portugal deveria balizar o nível de tributação face ao que são os nossos principais concorrentes na captação de investimento em áreas que consideramos estratégicas”.
“Se eventualmente se optasse por aumentar o montante da matéria colectável a que é aplicável a taxa de 17%, já estaríamos a dar um sinal de apoio às PME. Outro sinal seria o da redução das tributações autónomas que têm um impacto muito significativo nas empresas de menor dimensão”, acrescenta.

Tributações autónomas agravam carga fiscal sobre as empresas

Para Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP, “a elevada carga fiscal é um sério constrangimento que as empresas têm reportado nos inquéritos que a AEP realiza regularmente junto dos seus associados”.
“De facto, Portugal tem um peso das receitas de IRC no PIB acima da média da OCDE. Acresce que o nosso país tem a maior taxa máxima de IRC combinada (isto é, incluindo derramas nacionais e regionais) entre os países da OCDE, de 31,5%, valor que se reparte entre 21% de taxa base de IRC, 9% da derrama estadual no escalão máximo (acima de um rendimento tributável de 35 milhões de euros) e 1,5% de valor máximo de derrama municipal. De assinalar que nestas contas não estão contabilizadas as tributações autónomas que se verificam em Portugal e que agravam este imposto.”
“Acresce ainda que Portugal é um dos países europeus onde se demora mais tempo para lidar com as burocracias relacionadas com o cumprimento de obrigações fiscais, como mostram os sucessivos Relatórios Doing Business, do Banco Mundial.”
“Toda esta situação é inibidora na atração e retenção de investimento nacional e estrangeiro no nosso país.”
“Por isso, a AEP tem alertado ao longo do tempo para o peso excessivo da carga fiscal sobre as empresas como um fator muito penalizador para o investimento, tendo feito várias sugestões a esse nível, designadamente a de acabar com a derrama estadual e retomar a trajetória gradual de descida da taxa base que chegou a estar prevista na reforma deste imposto que entrou em vigor em 2014, mas que acabou por não se concretizar”, acrescenta o presidente da AEP.
Segundo o mesmo responsável, “ Portugal deveria usar a fiscalidade como um instrumento para atrair investimento, pelo que a resposta é clara quanto à necessidade de baixarmos a carga fiscal sobre as empresas”.
“Na verdade, a carga fiscal no seu conjunto é penalizadora da atratividade do investimento, não apenas a componente do IRC referida”, conclui.

Fiscalidade influencia decisões
de investimento

A fiscalidade sempre foi considerada um fator com influência nas decisões de investimento, mas não o único nem sequer o preponderante. Haverá também que atender a muitas outras circunstâncias, nomeadamente a estabilidade dos sistemas legais, judiciais e fiscais e ao contexto regulatório favorável ao investimento estrangeiro, defende Anabela Santos, consultora da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC).
Ao retirar o elemento de concorrência pela taxa, os países abdicam de soberania fiscal em troca de um potencial aumento da receita fiscal. “Não há um propósito de harmonização da tributação direta na UE, mas cada vez mais uma tendência para essa aproximação. São escolhas que têm em conta a incapacidade dos Estados para lidarem com o poder das grandes multinacionais e o reconhecimento de um projeto de governance fiscal mais harmonizado, que vai evoluindo em função da agenda política fiscal mundial.” Por sua vez, a responsável da OCC é de opinião que o nível de tributação das PME face às grandes empresas, em Portugal, não é significativamente inferior, pois aquelas até contribuem menos para a receita fiscal que as grandes empresas. “Na PME, o fator fiscal tem mais peso, sem dúvida, mas não são estas as que mais contribuem para a receita fiscal.”
O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira considera, que muito embora a receita de IRC possa representar, em Portugal, uma fatia superior do PIB em comparação com outros países da Europa e do Mundo, os incentivos fiscais ao investimento consagrados na nossa lei têm permitido o crescimento regular do investimento interno. “Em paralelo, regimes atrativos, incluindo o da Zona Franca da Madeira, continuam a assegurar que o nosso país possa ser um polo de investimento estrangeiro, tendência que a crise pandémica abrandou, mas que não conseguiu travar.” Quanto a uma eventual aproximação ao nível de tributação dos países europeus, “apesar de os sinais relativos aos últimos anos serem positivos, a verdade é que a economia portuguesa não atingiu ainda um nível de robustez equivalente ao de outros países europeus. Ainda que a tributação global passasse a ser mais baixa, uma tentativa de nivelação com esses países poderia ter o efeito perverso de introduzir limitações aos incentivos vigentes, representando, assim, perda de competitividade pela via fiscal, a qual tem sido, a meu ver, estratégica.”
O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais admite que as PME não têm sido desprezadas pelo legislador fiscal, que tem vindo a consagrar medidas tendentes a aliviar a sua tributação. “Cumpre recordar que as PME estão hoje sujeitas a uma taxa de IRC reduzida de 17% por referência aos primeiros 15 mil euros de lucro tributável e existem incentivos ao investimento que lhes são exclusivos, como é o caso da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos . Tendo as PME sido assumidas por sucessivos governos como estratégicas para o crescimento económico em Portugal, acredito que num cenário de eventual redução da tributação global se possa manter a tendência de privilegiar estas entidades.”

Na perspetiva de Isabel Cipriano, diretora da APOTEC
Taxa mínima internacional poderá representar reequilíbrio da receita fiscal

Portugal tem condições pouco atrativas para o investimento estrangeiro, tendo em conta sobretudo o efeito progressivo da tributação em sede de IRC. No entanto, a possibilidade de uma taxa mínima de 15% sobre as empresas multinacionais poderá representar um reequilíbrio da receita fiscal e passar a verificar-se uma maior captação de investimento estrangeiro, admite Isabel Cipriano, diretora da Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade (APOTEC).
O nível de tributação que existe atualmente afeta o investimento nacional e estrangeiro. “Os desafios de uma união fiscal europeia são históricos e Portugal tem a desvantagem da pequena dimensão do tecido empresarial e mesmo as grandes multinacionais portuguesas não são assim tão grandes, quando comparadas com as estrangeiras. No caso nacional, a derrama estadual tem o efeito progressivo na tributação do IRC, que pode ser visto como um fator não atrativo do investimento estrangeiro e que tem levantado algumas críticas”, adianta Isabel Cipriano. Quanto à possibilidade de uma aproximação ao nível da tributação dos países europeus, há uma grande expetativa com o recente acordo histórico dos ministros das Finanças do G7 para implementar um IRC mínimo de 15% sobre os lucros das empresas multinacionais, que poderá contribuir para um reequilíbrio da receita fiscal e, por conseguinte, atraírem-se para Portugal empresas que estão neste momento sediadas em países que são mais vantajosos em termos de tributação de IRC.
Isabel Cipriano lembra que nada está ainda operacionalizado nem se sabem detalhes, sendo que há muitas diferenças em termos de tributação a nível europeu e internacional que será necessário suprir. “Há ainda um aspeto que é importante considerar, uma taxa elevada não significa necessariamente mais receita fiscal e Portugal é um exemplo disso, com uma taxa elevada de IRC, mas que não significa que o Estado arrecade uma grande receita por essa via.” A responsável da APOTEC destaca ainda que a correção deveria privilegiar as PME. Refere a este propósito: “Qualquer alteração a nível do IRC tem impacto direto, pois maioritariamente somos uma economia de micro e pequenas empresas e importa analisar o contributo por setor de atividade, região e não somente pela classificação económica.”



 

UE tem carga fiscal superior à das restantes economias desenvolvidas

A União Europeia continua a registar um nível de receitas claramente superior ao das restantes economias avançadas, dá conta um estudo de tendências da Comissão Europeia em matéria de fiscalidade. Em 2019, as receitas fiscais foram de 40,1% do PIB. No ano passado, ter-se-á registado uma descida de 4%, em termos nominais, mas aumentaram em percentagem do PIB. As receitas fiscais baixaram menos que o PIB.
Para muitos Estados-Membros, as receitas fiscais em percentagem do PIB não deverão crescer antes de vários anos, mesmo que tal dependa, em grande medida, da rapidez com que acontecer a retoma. O estudo conclui ainda que a estrutura da fiscalidade europeia se tem mantido estável. As receitas resultam, praticamente em partes iguais, dos impostos indiretos, diretos e das contribuições sociais. A repartição das receitas por base tributária – consumo, trabalho e capital – tem sido similar ao longo dos anos, com 52% para o trabalho, 28% para o consumo e 20% para o capital.
Relativamente ao PIB, os dados de 2019 revelam que as receitas fiscais provenientes do consumo representaram 11%, um valor ligeiramente inferior ao do exercício anterior. Os impostos sobre o trabalho, que são responsáveis pela maior parte da receita, mantiveram-se inalterados, com 20,7% do PIB. Quanto às receitas dos impostos sobre o capital, também se mantiveram estáveis, com 8,2% do PIB.
No conjunto da União Europeia, as taxas ambientais mantiveram um nível globalmente equivalente no ano em análise. No entanto, a nível nacional, houve alterações consideráveis ao longo da última década. Com efeito, ao longo deste período, vários países aumentaram substancialmente as suas receitas ambientais, com especial destaque para os rendimentos ligados à energia.

Susana Almeida, 15/07/2021
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