“Valores fundamentais na banca não são os resultados financeiros”;

Presidente da Caixa de Crédito Agrícola da Costa Azul, Jorge Nunes, salienta importância da responsabilidade e do lado humano
“Valores fundamentais na banca não são os resultados financeiros”
Jorge Nunes considera que a tecnologia é importante na relação do cliente com a banca, mas salienta a importância das ligações humanas.
Tem 79 anos de idade, 64 de descontos para a Segurança Social e 50 de ligação profissional à mesma instituição bancária. Para Jorge Nunes, presidente da Caixa de Crédito Agrícola da Costa Azul, a ideia de parar leva semáforo vermelho. Em entrevista à “Vida Económica”, este banqueiro que recusa esse título e fica-se por bancário diz que a explicação para continuar a trabalhar é simples: “Gosto do que faço, continuo a abraçar novos desafios, e, principalmente, trabalho com gosto porque essa é a lição que os meus pais me ensinaram, e continuo a estar-lhes muito agradecido”. Sobre o setor bancário português ao longo dos 50 anos que leva de carreira, Jorge Nunes tem sobretudo elogios, mas não deixa de criticar a ausência de “travões” na concessão de crédito na viragem de século. Como refere na entrevista, os resultados de exploração positivos são importantes, mas “os valores fundamentais não são os resultados financeiros”.
 
Vida Económica – Cumpre, em 2016, meio século de carreira no Crédito Agrícola. O balanço é positivo?
Jorge Nunes – Quanto a mim, é bastante positivo, gosto do que faço e sinto-me realizado, embora não tenha feito tudo o que desejava e ainda tenha muito por fazer, não sei se outros pensarão o mesmo mas, a mim, o que me importa mais é o que me vai na consciência, e essa está muito leve.
 
VE – Hoje fazia algo de forma diferente?
JN – Fazia sim, dedicava mais tempo à família, que tanto me entusiasmou e continua a entusiasmar. 
 
VE – Todos os setores mudaram de 1966 para cá. Mas a banca foi dos que mais mudou. O setor soube adaptar-se?
JN – Penso que sim. Se pensarmos bem, durante boa parte desse tempo eram muito poucas as empresas ou empresários que tinham acesso ao crédito e sem crédito não há desenvolvimento. Quantas empresas não terão ficado pelo caminho, ou aquém do seu potencial por dificuldades na banca? O setor abriu-se à economia.
 
VE – A mudança do setor foi para melhor, mas também teve aspetos negativos?
JN – Sem dúvida alguma que, fazendo um balanço do setor, a mudança foi para melhor. Agora, não podemos deixar de reconhecer que na parte final do século XX e início deste se caiu no exagero. Costumo dizer que esses anos foram para a banca como um camião embalado e sem travões. Depois de um período longo de falta de crédito à economia, passou-se a financiar tudo e qualquer coisa sem olhar aos fins e caímos nos excessos. Hoje, todos estamos a pagar por isso. E os custos não são só financeiros, por muito que esses nos custem. Os custos reputacionais, do bom nome dos bancos e da sua imagem, são também pesados, e vão levar muito mais tempo a recuperar.
 
VE – O setor tornou-se mais tecnológico. Corre-se o risco de retirar importância às pessoas?
JN – As tecnologias são indispensáveis aos dias de hoje, sem elas não conseguimos acompanhar a concorrência e o desenvolvimento, mas também aqui estamos a cair nos exageros, dispensando os contactos pessoais importantes no ser humano. Como alentejano que sou, e dos meios rurais, faz-me confusão as pessoas passarem umas pelas outras e não se cumprimentarem. As tecnologias em nada contribuem para aproximar as pessoas. A tecnologia ajuda-nos, e muito, a simplificar procedimentos, na abertura de uma conta, na gestão de processos. Mas não podemos esquecer que do outro lado do balcão ou mesa está uma pessoa, uma empresa, e não apenas um IBAN.
 
VE – A avidez de obter resultados para os operadores levou a banca a cometer alguns erros em termos de venda de produtos (de poupança ou de crédito)?
JN – Foram os exageros que referi anteriormente, e eram de tal forma que havia bancos que financiavam o investimento a 100%, e ainda davam um cheque.
 
VE – Como é que a instituição Crédito Agrícola acompanhou a metamorfose do sector bancário ao longo desses 50 anos?
JN – Era inevitável acompanhar - até porque se o não fizesse ficava pelo caminho. No entanto, foi sempre política interna não cair em grandes exageros, manter os pés no chão. Os resultados estão bem à vista. Felizmente temos sobrevivido aos efeitos de toda esta crise e ainda não necessitámos de qualquer ajuda, estatal ou qualquer outra, para resolvermos os nossos problemas. A nossa postura de prudência vem do conhecimento grande que temos de outras fragilidades, que os restantes bancos desconhecem: os maus anos agrícolas, por exemplo do início dos anos 90, a que as Caixas Agrícolas estão particularmente expostas, pelo crédito à agricultura. Com a crise recente, os rácios de solvabilidade e produtividade continuaram bem acima dos valores recomendados, constituindo uma base segura para a inevitável recuperação. 
Na Caixa de Crédito Agrícola da Costa Azul, 2015 já foi um ano de expressivo resultado positivo.
 
VE – O sr. Jorge Nunes é banqueiro, mas recusa o título: fica-se por bancário. Porquê?
JN – Considero que banqueiro é aquele que sendo administrador de um banco tira dele os respetivos dividendos. A minha preocupação como administrador visa, naturalmente, a obtenção de resultados de exploração positivos, mas reconheço que os valores fundamentais não são os resultados financeiros, mas sim outros.
 
VE – Foi condecorado, em 2014, como Oficial da Ordem de Mérito Empresarial, pelo então Presidente da República, Cavaco Silva. Foi o ponto alto da sua carreira?
JN – Mais do que o enaltecimento da minha carreira, creio que a condecoração pelo sr. Presidente da República representa o reconhecimento das equipas por mim lideradas ao serviço do Crédito Agrícola durante todos estes anos, e que têm dado bons frutos ao serviço do desenvolvimento deste país.
 
VE – O  sr. Jorge Nunes tem 79 anos e ainda não se reformou. É porque se diverte a trabalhar?
JN – Tenho 79 anos, desconto para a Segurança Social há cerca de 64 anos e sinto-me bem a trabalhar. A explicação é simples: gosto do que faço, continuo a abraçar novos desafios, e, principalmente, trabalho com gosto porque essa é a lição que os meus pais me ensinaram, e continuo a estar-lhes muito agradecido. 
 
VE – Além do Crédito Agrícola, leva a cabo várias outras atividades, com destaque para o projeto, em conjunto com o presidente da Câmara de Santiago do Cacém, para conseguir uma Loja do Cidadão para a cidade. Como consegue?
JN – Para além do Crédito Agrícola, são inúmeras as atividades que tenho desenvolvido e desenvolvo ainda ao serviço das comunidades. Desde os 23 anos de idade que sempre tenho tido em paralelo com a atividade profissional uma outra que muito me orgulha, o voluntariado. A proposta da Loja do Cidadão surge do reconhecimento de uma necessidade por parte da população. Se posso ajudar, porque não?
Aquiles Pinto aquilespinto@vidaeconomica.pt, 08/06/2016
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