Europa exige uma política comum para o setor do Turismo;

João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve, defende
Europa exige uma política comum para o setor do Turismo
O setor do Turismo tem sido fortemente afetado pela crise sanitária. O Governo tem tomado algumas medidas adequadas, as quais têm possibilitado atenuar as consequências. No entanto, João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve, alerta para a necessidade de uma política comum ao nível da União Europeia, sob pena de o mercado funcionar de forma desigual. Ainda assim, acredita que, após o período de pandemia, surjam novas oportunidades, com especial destaque para o turismo residencial.


Quais os impactos imediatos que se estão a sentir no setor turístico, em consequência da pandemia de Covid-19?
A pandemia alterou a ordem mundial e todos os destinos turísticos foram afetados. O impacto mais acentuado verifica-se desde logo na procura, que não existe como em anos anteriores, nomeadamente nos cinco mercados externos para o Algarve (Reino Unido, Alemanha, Holanda, Irlanda e França),  pela instabilidade da indefinição de corredores aéreos e políticas de fronteira nos diferentes países.
Como consequência, isto traduz-se em perdas significativas para as diferentes atividades turísticas, que não são imunes a esta situação e algumas, infelizmente, não vão conseguir evitar a falência, o que terá efeitos sociais e económicos muito negativos.

Considera que a Linha de apoio à tesouraria para microempresas do turismo COVID-19 é suficiente para responder às necessidades imediatas de financiamento das microempresas, tendo em vista salvaguardar a sua atividade plena e os seus recursos humanos?
Creio que tem existido um forte empenho por parte da tutela em conseguir dar resposta às necessidades mais imediatas dos empresários e dos trabalhadores de um setor como o Turismo, que é essencial para a economia do país. No Algarve, unimos esforços em campanhas de informação e de esclarecimento aos empresários sobre o programa de medidas anunciadas e, de acordo com os dados disponíveis em setembro, houve 894 empresas algarvias que se candidataram à linha de apoio à tesouraria para microempresas do turismo – Covid-19, lançada pelo Governo e pelo Turismo de Portugal, tendo sido aprovadas 743 candidaturas e assegurados 2697 postos de trabalho, num investimento de 6,1 milhões de euros. Por tipologia, nota-se que a restauração, o alojamento e as agências de viagens são os principais beneficiários, já que foram estes precisamente os que também mais se candidataram por terem demonstrado reduzida capacidade de reação à forte retração da procura que se registou desde o início da pandemia. De salientar que esta linha teve prazos de resposta rápidos, abrangeu os sócios-gerentes com descontos para a Segurança Social e estava isenta de juros. Não obstante, nesta fase as microempresas (sobretudo) necessitam de apoios com componente não reembolsável.
Adicionalmente, o Turismo do Algarve apresentou propostas à tutela para a criação de medidas específicas para a região e para o setor durante a época baixa. É ainda de louvar o esforço das autarquias na implementação de medidas (redução e isenção de taxas, investimento na requalificação de espaços públicos e apoio a empresas e trabalhadores) para ajudar a mitigar as consequências económicas do novo coronavírus na região.

O turismo residencial é fortemente dependente de mercados estrangeiros emissores que se encontram em diferentes fases e graus da pandemia. Muitos desses mercados emissores impõem a quarentena obrigatória para os seus nacionais no regresso da viagem de turismo a Portugal. O desenvolvimento do setor imobiliário, em especial na vertente do turismo residencial, não terá uma paragem irreversível decorrente dos efeitos causados por estas restrições da Pandemia Covid-19?
Como referi, a Covid-19 atingiu severamente a economia em todos os países e, no caso do turismo, a ausência de políticas comuns para a prevenção e controlo no espaço europeu ainda agravou a falta de confiança e oportunidade para as viagens internacionais. No imediato, assim que Portugal decretou o estado de emergência e implementou novas medidas de saúde pública que paralisaram grande parte da atividade económica do país, também pararam em parte as transações de ativos imobiliários. Recordo-me bem da estimativa que a Associação Portuguesa de Resorts fez logo em março, com base num inquérito aos seus associados: o setor do turismo residencial poderia vir a perder 1,2 milhões por dia de volume de negócios entre abril e dezembro deste ano devido à pandemia. De facto, houve uma contenção na procura mas a verdade é que o capital começa aos poucos a voltar ao mercado, com o aumento do volume de transações. E o que surpreendentemente temos constatado é que o imobiliário é dos setores com melhor comportamento, pelo menos no segmento residencial. Num cenário de maior liquidez, o setor até poderá vir a ter novas oportunidades após esta pandemia. Esperamos mesmo que assim seja, já que o turismo residencial tem um importante papel, por nos permitir responder a fluxos de procura ao longo de todo o ano, por sustentar rotas das companhias aéreas e atenuar a sazonalidade turística.

Não deveria ser imposta uma redução da tributação sobre o património imobiliário, tendo em vista evitar a insolvência das empresas do setor que se dedicam ao turismo residencial ou alojamento local, incapazes de contrair financiamentos adicionais necessários ao reforço da sua tesouraria?
A extensão dos prazos das moratórias (medida já anunciada), a redução da tributação e a criação de apoios não reembolsáveis às empresas são medidas a considerar para acelerar a retoma do setor neste tempo que ainda é de muita incerteza.

A redução do fluxo de entrada de turistas em Lisboa, Porto ou no Algarve não pode gerar uma concorrência desleal entre o “alojamento local” e “a atividade hoteleira” ou levar ao encerramento de muitas unidades de alojamento local?
O impacto da pandemia no alojamento turístico é transversal às várias unidades de alojamento classificadas. O que podemos afirmar é que, quanto mais a situação pandémica se prolongar, mais os seus efeitos serão significativos e a recuperação mais lenta, para todos. Claro que o aumento da procura pelo alojamento local nos últimos anos veio alterar o cenário da oferta de alojamento em Portugal, mas também há que reconhecer o notável processo de renovação operado na hotelaria tradicional. Para termos uma ideia, em 2019, registaram-se 10 milhões de dormidas só em unidades de alojamento local (com mais de 10 camas), num total de 69,8 milhões de dormidas em território nacional, divulga o INE. Também em 2019, o Registo Nacional do Turismo dava conta da existência de 92 mil unidades de alojamento local no país, sendo o Algarve a região com mais registos (31 mil, numa quota de 37,2%). O surto do novo coronavírus provocou, sem dúvida, quebras da ocupação nesta tipologia de alojamento, mas também nos empreendimentos turísticos. Estamos com uma taxa de ocupação muito inferior à do ano passado, o que leva consequentemente a uma descida das receitas totais geradas. Esta é uma realidade para a hotelaria classificada em geral, e que muito nos preocupa.

Segundo as estimativas do Governo e da Organização Mundial do Turismo, prevê-se um impacto negativo superior a 50% nas receitas turísticas, comparativamente ao ano de 2019. Os últimos 2 meses não foram suficientes para atenuar, em certa medida, a queda abrupta das receitas turísticas para o ano de 2020?
O turismo não tem stocks, as atividades turísticas que não aconteceram ontem não podem ser comercializadas amanhã. Importa ainda salientar que, quando se retrata o crescimento pós-confinamento, estamos sempre a referir-nos a uma recuperação de atividade numa perspetiva em cadeia, mês após mês, e não numa lógica de comparação com períodos homólogos.
A época balnear algarvia é, por tradição, a mais forte na região. Este ano, não será exceção, embora longe dos níveis dos últimos anos, o que será insuficiente para atenuar significativamente os efeitos da pandemia em 2020. Esse foi um período em que se registou uma presença expressiva de hóspedes portugueses, como sucede anualmente, mas que registou um decréscimo expressivo no número de hóspedes estrangeiros no Algarve, quando comparado com o habitual nesta época do ano.
Ainda assim, julho e agosto, de acordo com a AHETA, ficaram marcados por sinais de alguma retoma, com 36,4% e 61,6% de taxa de ocupação/quarto, respetivamente. Contudo, estes números estão bastante aquém do que é esperado no Algarve no verão, altura em que por norma a ocupação ronda os 100%. Isto reflete-se também nos valores do gasto médio por visitante, que foram animadores naqueles meses, mas inferiores ao registado no mesmo período de 2019.
No conjunto, este é um cenário com fortes efeitos socioeconómicos. Somos uma das regiões mais afetadas pelo desemprego… Segundo o Instituto de Emprego e Formação Profissional, no final de agosto tínhamos 20 425 inscritos nos centros de emprego do Algarve, ou seja, mais 13 072 do que no mesmo mês de 2019. Ainda assim, em relação a julho deste ano, verificou-se uma queda, com menos 2425 desempregados inscritos (-10,6%).
É sinal de alguma recuperação, mas, infelizmente, não há ainda consistência na evolução. E perspetivando o quarto trimestre, o cenário é ainda de grande imprevisibilidade e receio.

O mercado já sente os efeitos da quebra da procura turística. Para o próximo ano, qual é a perspetiva para a evolução da procura turística e, consequentemente, dos preços praticados no turismo residencial ou no alojamento local?
Neste momento é prematuro fazer previsões, pois tudo dependerá da evolução da pandemia e da criação de instrumentos eficazes de terapêutica ou vacinação que possibilitem o regresso da confiança em viajar, uma vez que uma das principais preocupações é a segurança, mas também do nível de rendimento dos turistas, considerando o impacto económico e social desta situação. Certo é que teremos de conviver com este vírus e creio que se continuará a assistir a uma consequente adaptação dos diversos serviços associados ao setor, no sentido de responderem adequadamente às novas tendências e comportamentos dos turistas. Se atendêssemos apenas às reservas que vão sendo sucessivamente adiadas, e por isso acumuladas no próximo ano, estaríamos a considerar um ano de retoma significativo…

Acredita que Portugal se manterá na linha de interesse dos principais mercados turísticos estrangeiros emissores?
Acredito que sim. Portugal é um país com um património riquíssimo, onde se cruza uma enorme diversidade cultural e natural, que não só fideliza como tem potencial para captar novos turistas de diferentes segmentos, tendo inclusive sido distinguido como melhor destino turístico do mundo nos últimos três anos. O Algarve é, há 40 anos seguidos, o principal destino turístico para portugueses e estrangeiros, sendo repetidamente reconhecido como melhor destino europeu de praia e melhor destino do mundo. A região tem ainda conseguido nos últimos anos diversificar motivações de visita, com resultados assinaláveis no turismo de natureza, náutico, desportivo e de negócios. Adicionalmente, tem existido uma atuação mais concertada por parte do Governo e da tutela e, portanto, mais eficaz, numa realidade que conjuga opções estratégicas específicas por região quanto a mercados externos emissores e à aposta na diversificação dos produtos turísticos. Creio que este caminho de cooperação entre os agentes económicos e turísticos só tem a beneficiar o país para que se mantenha no “top of mind” dos turistas estrangeiros, mas também portugueses.

Quais as oportunidades que esta crise poderá trazer ao setor turístico português?
Vivemos um momento muito desafiante, que nos obriga a atuar num curto prazo para não perdermos o que conquistámos, mas que também deve ser encarado como uma oportunidade para consolidarmos e consensualizarmos apostas estratégicas na sustentabilidade e na construção de um destino inteligente. Temos de conseguir sair desta crise mais fortes e competitivos. Como já referi, ao nível da “governance”, será essencial continuarmos o trabalho cooperante entre todos os agentes associados ao turismo, por forma a otimizarmos a execução do envelope financeiro europeu. Perante uma crise como esta, é fundamental pensarmos cada vez mais num desenvolvimento que tenha em conta o bem-estar dos visitantes e dos residentes, das atuais e das futuras gerações. Um modelo que valorize o património natural e cultural, o que nos permitirá uma maior diferenciação face aos destinos concorrentes e uma maior competitividade face a uma procura cada vez mais consciente e exigente. É esse o caminho que estamos a seguir na região, com a revisão do Plano de Marketing Estratégico para o Turismo do Algarve, no sentido de continuarmos a promover o património, a identidade e a nossa cultura, trabalhando de forma próxima com as autarquias, os agentes culturais e as empresas do setor do turismo. Outra aposta fundamental é a qualificação dos recursos humanos, com vista à melhoria da qualidade do serviço, e o estímulo ao empreendedorismo. Considerando que os eixos estratégicos definidos pela União Europeia no âmbito do “Green Deal”, a aposta nas energias renováveis, na economia circular, na mobilidade elétrica e na eficiência hídrica, energética e dos resíduos são não só uma forma de mitigar alterações climáticas como de otimizar custos. A maior competitividade passará também, obrigatoriamente, por uma forte transição digital, que não se refere apenas à aquisição de software e hardware, mas antes à capacitação das empresas e ao reforço de competências dos trabalhadores.
13/10/2020
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