Produto Individual de Reforma Pan-Europeu: flexibilidade e bom senso;

Produto Individual de Reforma Pan-Europeu: flexibilidade e bom senso


Ana Sofia Silva

Advogada, consultora da área de Serviços Financeiros
e Seguros da Cuatrecasas
Enquadramento

A Europa é hoje um continente envelhecido em que uma parte substancial das pensões de velhice provém de regimes públicos de que os Estados são o último garante.
De acordo com o “The 2021 Ageing Report” da Comissão Europeia, em 2060, para cada reformado haverá, em média, apenas duas pessoas em idade activa, em comparação com as quatro actuais. Como resultado, apesar das importantes reformas realizadas por muitos Estados Membros, a sustentabilidade e a adequação dos sistemas de pensões a nível europeu estarão sob tensão crescente, sendo necessárias mais poupanças para complementar os rendimentos de reforma dos sistemas de pensões tradicionais.
De acordo com os dados da Autoridade Europeia de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (EIOPA), em 2019, de entre 243 milhões de cidadãos na UE com idades compreendidas entre os 25 e os 59 anos, apenas 67 milhões (cerca de 27%) possuíam um plano complementar de pensões individual.

O Regulamento PEPP estabelece as bases para um mercado pan-europeu de pensões pessoais


É neste contexto que, sob proposta da Comissão Europeia, surge o Produto Individual de Reforma Pan-Europeu (PEPP, do inglês pan-European Personal Pension Product), regulado pelo Regulamento (EU) 2019/1238 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019 (Regulamento PEPP), com vista à canalização de poupanças para produtos individuais de reforma a longo prazo.
O Regulamento PEPP estabelece as bases para um mercado pan-europeu de pensões pessoais, oferecendo aos consumidores uma opção adicional para poupar para a reforma, com efeitos positivos quer a nível individual (beneficiando de uma rentabilidade mais elevada e sendo, nessa medida, gerador de reformas mais adequadas), quer para a economia em geral (estabelecendo a ligação entre aforradores e oportunidades de investimento de longo prazo, melhorando a mobilização de fundos para investidores institucionais e a realização de investimentos na economia real).

Principais características

O PEPP é um produto individual de reforma não profissional, subscrito voluntariamente por um aforrador em PEPP ou por uma associação independente de aforradores em PEPP em nome dos seus membros, com vista à reforma. A possibilidade de mobilização antecipada de capital é limitada e poderá ser penalizada.
Quanto aos prestadores de PEPP, apenas as seguintes instituições financeiras autorizadas ou registadas nos termos do direito da UE podem apresentar um pedido de registo de PEPP: instituições de crédito, empresas de seguros que exercem atividades no ramo Vida, instituições de realização de planos de pensões profisionais (IRPPP) autorizadas a fornecer produtos individuais de reforma e sujeitas a supervisão relativamente a esta atividade, empresas de investimento que prestem serviços de gestão de carteiras, empresas de investimento ou de gestão em organismos de investimento coletivo em valores mobiliários e gestores de fundos de investimento alternativos.
Os prestadores de PEPP deverão ter acesso à totalidade do mercado da União com um único registo do produto (registo público central ao nível da EIOPA) que deve ser concedido com base num único conjunto de normas.
Quanto à distribuição, os PEPP podem ser distribuídos pelos prestadores de PEPP, por empresas de investimento que prestem aconselhamento em matéria de investimento ou por mediadores de seguros.
Seja como for, os distribuidores de PEPP só deverão distribuir os produtos para os quais possuem o conhecimento e a competência adequados, nos termos do direito sectorial aplicável. Por outro lado, deverá ser sempre fornecido aconselhamento aos potenciais aforradores em PEPP, ou seja, a oferta de um PEPP deverá ser sempre precedida de uma recomendação pessoal feita pelo prestador ou distribuidor de modo a permitir uma tomada de decisão informada. Tendo em conta a natureza de reforma a longo prazo, as exigências e necessidades pessoais do aforrador e as possibilidades limitadas de reembolso, o aconselhamento deverá ter por objetivo em especial informar o aforrador sobre as características das opções de investimento, o nível de proteção do capital e as formas de pagamento do benefício.
A fim de garantir a mais elevada transparência, os prestadores de PEPP devem elaborar um documento de informação fundamental (DIF PEPP), que deverá ser claramente distinto e separado dos elementos de promoção comercial, oferecer uma comparabilidade ótima entre as diferentes opções de investimento e conter informações específicas relativas às condições aplicáveis na fase de acumulação e na fase de pagamento em cada Estado-Membro em que o PEPP é distribuído.

Opções de investimento

Cada PEPP pode disponibilizar até seis opções de investimento, em função da apetência pelo risco do aforrador. Uma dessas opções será sempre o PEPP Base, opção de investimento padrão, que pode assumir a forma de uma técnica de redução de risco compatível com o objetivo de permitir ao aforrador recuperar o capital ou de uma garantia do capital investido.
Após a seleção inicial no momento da subscrição de um PEPP, o aforrador tem a possibilidade de alterar essa opção após um mínimo de cinco anos a contar da data da subscrição ou, em caso de alteração subsequente, a contar da alteração mais recente da opção de investimento.
A regra de cinco anos visa assegurar a proteção dos interesses do aforrador ao mesmo tempo que oferece establidade suficiente aos prestadores relativamente à sua estratégia de investimento. O Regulamento PEPP permite, no entanto, que os prestadores autorizem a alteração da opção de investimento escolhida com mais frequência.

Portabilidade e mudança de prestador

Os prestadores de PEPP podem prestar e distribuir PEPP no território de qualquer Estado-Membro, após abertura de uma subconta para esse efeito.
Os aforradores em PEPP têm o direito de utilizar um serviço de portabilidade que lhes dê direito a continuar a contribuir para a sua conta de PEPP, quando mudam de residência para outro Estado-Membro.
De modo a efetivar o referido direito, o Regulamento PEP prevê que, no prazo de três anos a contar da respetiva data de aplicação, cada prestador deverá oferecer subcontas nacionais para, pelo menos, dois Estados-Membros.
O Regulamento PEPP prevê ainda a possibilidade de mudança de prestador, mediante a transferência dos montantes acumulados ou, se for caso disso, dos ativos em espécie subjacentes, da conta PEPP mantida junto do prestador cedente para uma nova conta PEPP, com a mesma estrutura de subcontas, aberta junto do prestador cessionário.
A transferência tanto poderá verificar-se no mesmo Estado-Membro (mudança interna) como para um Estado-Membro diferente (mudança transfronteiriça) e poderá ocorrer quer na fase de acumulação quer na fase de pagamento.

Se o prestador disponibilizar diferentes formas de pagamento, o aforrador poderá alterar a sua escolha relativamente a cada subconta aberta


Benefícios

Os prestadores de PEPP devem elaborar um documento personalizado e conciso, a fornecer durante a fase de acumulação, com informações fundamentais para cada aforrador, tendo em conta a natureza específica dos regimes de reforma nacionais e de qualquer direito pertinente, nomeadamente da legislação social, laboral e fiscal nacional relevante (Declaração sobre os benefícios do PEPP). Esta declaração deverá ser fornecida todos os anos com as alterações significativas em relação à declaração anterior claramente indicadas.
O pagamento de benefícios pode ser realizado sob a forma de rendas, prestação única de capital, prestações periódicas de capital ou qualquer combinação das formas atrás referidas.
Os aforradores em PEPP escolhem a forma de pagamento dos benefícios no momento da subscrição e aquando do pedido de abertura de uma nova subconta.
Se o prestador disponibilizar diferentes formas de pagamento, o aforrador poderá alterar a sua escolha relativamente a cada subconta aberta, nos termos previstos no Regulamento PEPP.

Vantagens e efeito direto

A regulamentação dos PEPP veio criar um produto de poupança-reforma voluntário, seguro, de custo acessível e a longo prazo, gerido a nível pan-europeu, que contribuirá para responder às necessidades das pessoas que tencionem reforçar a adequação das suas poupanças-reforma, ao mesmo tempo que permite fazer face ao desafio demográfico e disponibilizar uma importante e nova fonte de capital privado para investimento a longo prazo.
Este quadro não irá, porém, substituir ou harmonizar os regimes ou produtos individuais de reforma existentes nem irá afetar os regimes e produtos de reforma legais e profissionais a nível nacional.
Uma vez que os investimentos relativos aos PEPP são de longo prazo, é prestada especial atenção às consequências a longo prazo da afetação de ativos, exigindo-se que a mesma tenha em conta fatores ESG, tais como os estabelecidos no Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos.
O Regulamento PEPP será diretamente aplicável em todos os Estados Membros a partir de 22.03.2022.
24/02/2022
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