Portugal pode ser o quinto país mais importante da UE;

Jack Soifer considera
Portugal pode ser o quinto país mais importante da UE
O nosso colaborador Jack Soifer trabalhou em 12 países para instituições mundiais. Descobriu riquezas e focalizou--se na exportação e em nichos de mercado lucrativos.
Reformado, há 13 anos, em Portugal, e tendo visitado o interior, diz que podemos ser o quinto país  mais importante da UE, se usarmos a riqueza pouco explorada. O que fez em África demonstra que é possível “transformar as boas intenções em ações”, tanto lá como cá. Evocando o seu “slogan” inspirado na afirmação de Barak Obama, “yes, we can!”.
Vida Económica - O que fez em África?
Jack Soifer -
Há 35 anos, fui lá apoiar o desenvolvimento sustentável. O meu grupo propôs a uma organização mundial, após estudos, travar a desertificação do interior, melhorar a utilização dos recursos locais e criar infraestruturas para o bem de todos. Belas palavras, todos apoiaram.
Sugerimos ao Governo central, em diálogo com as CM, usar melhor a escolha com a sua própria capacidade e os recursos locais.
A população rural dispersa não tinha meios para as crianças irem à escola. Antes do arranque das aulas, o professor e os monitores de mecânica e não só, contratados três meses antes do início, emprestaram e repararam autocarros velhos e camiões dos ministérios da Defesa e das Obras Públicas. Os alunos andavam a pé uns 15 min ou eram trazidos pelo pai ou pela mãe de bicicleta até à paragem.

VE- Tinham refeições?
JS -
O aluno trazia de casa leite, sumo, fruta, ovos, milho, frango, fosse o que fosse. No autocarro havia por baixo um espaço para deixarem a minimochila e o produto oferecido ia para trás da cadeira do condutor. Por cima do condutor iam caixas de ovos e frutos macios.

VE – Que tipo de formação recebiam?
JS -
O Conselho, com gente das quintas e PME locais, escolhia a cada ano as mais atuais: sempre as oficinas horta e cozinha.
A partir das 17h40, o autocarro levava os alunos a casa e o condutor já lá ficava. Pela manhã, ele levava refeições da oficina “cozinha” às empresas e locais municipais e regionais, que as pagavam. À tarde, levava roupas e uniformes das outras oficinas (costura, mobiliário, lavandaria, etc.) às entidades locais, regionais e nacionais, instadas a comprar da escola. E trazia materiais como sabão, tecido, parafusos, verniz, frascos, etc..
Camiões com bancos retráteis levavam quatro monitores rurais e 16 alunos na carroçaria e quatro trimotos onde cada monitor levava quatro alunos até ao local do trabalho e trazia mudas, materiais, colheita, etc. A cada dois dias a turma de “obras” ia melhorar ramais e alargar trilhos e depois melhorar currais e as casas dos pais.

A escola quase nada custava ao contribuinte, após construída

VE - Camiões e trimotos? Quem pagava?
JS -
Nos primeiros períodos a oficina auto obtinha da CM e do governo viaturas avariadas e recuperava-as. Já com o necessário à escola, outras eram devolvidas a quem as cedera.

VE – Onde entra a sustentabilidade?
JS -
Já no final do primeiro período, os alunos levavam mudas e dicas para os pais aumentarem e diversificarem a produção. No segundo, iam pintos de um dia já vacinados, de raças para ovos e frangos, pouca ração e muita instrução. Os miúdos tornaram-se pais desses animais e depois dos cabritos, leitões ou cordeiros. Os irmãos ajudavam nessa alegre tarefa.

VE - Um trabalho duro para os miúdos…
JS -
A cada quatro semanas, realizava-se um torneio desportivo com feira e espetáculo musical ou teatral, já que a escola tinha uma professora de artes. Era sábado ou domingo à tarde, consoante a escolha dos pais, que dela participavam. Aí a escola vendia aos adultos refeições da oficina cozinha, roupa e artesanato feitos pelos alunos. Os pais  vendiam o excedente da sua produção aos visitantes, mais e mais a cada mês, graças à divulgação gratuita na rádio regional.

VE - Quem pagava os equipamentos?
JS -
Após meio ano, a escola obtinha por empréstimo uma ou outra máquina pouco usada, prateleiras/caixas registadoras, para treinar os alunos nas profissões requeridas. Após o quarto período, o aluno estagiava metade do dia em clínica, hospital, serviço público, empresas, e lá recebia um mimo e a escola um valor simbólico, para a sua expansão.
Assim, consoante a necessidade local, semiprofissionavam-se jovens em obras, oficina-auto, pintura, comércio, cozinha, enfermagem, eletricidade, eletrónica, pecuária, agricultura. Alguns continuavam os estudos, a maioria melhorava a renda familiar e ganhava experiência laboral importante.

VE - Isto limitou a pobreza. E o progresso?
JS -
Aos poucos, estimuladas pelos professores, PME de cada nicho sugeriram equipamentos para fazer o que não compensava cada uma por si. P. ex., engarrafadora para leite, sumo ou óleo. Com o aumento da produção leiteira de vaca, ovelha e cabra, compensou investir numa unidade semiartesanal para desnatar o leite e produzir queijos. A escola passou a ter mais-valias para o município e toda a região, expandiu-se. Ela tinha (exigência) grande área para crescer e o fluxo de adultos subiu a cada quatro, depois a cada duas semanas, para a feira, que acabou por se deslocar para ali. Então arrendou parte do terreno que dava para a estrada principal a uma construtora para ali fazer uma bomba de gasolina, oficina elétrica, restaurante, minimercado, lojas, e por cima escritórios para contabilista, dentista, etc.
A escola gerava recursos para dar bónus aos bons professores, viagens a congressos, etc. Isso atraiu mestres que antes não saíam das grandes cidades, e um instituto técnico secundário e até uma cooperativa.

VE - Mas o Jack falou de riqueza local?
JS -
Pouco depois, vieram fábricas que requeriam mão-de-obra qualificada. P. ex., uma que extraía da casca de citrinos substâncias para a indústria farmacêutica. Outra que fazia pó de ovos para as pastelarias. Até uma empresas de curtumes para peles de animais pequenos.

VE - Isto refletiu-se noutras CM do país?
JS -
Isto tudo deu destaque à ONG da escola e ao presidente da CM. Os intermediários que lucram com a miséria nas quintas, os velhos políticos e a agroindústria da capital não gostaram. E travaram o projeto.

VE - Algo que dê para fazer em Portugal?
JS -
Já estudei a maioria dos municípios. Visitei centenas de PME. Afirmo que Portugal tem tudo, em terra e no mar, para ser o quinto mais importante país da UE.

VE - O que falta?
JS -
Modernizar estruturas, descentralizar. Transformar boas intenções em boas ações!
Susana Almeida, 16/02/2018
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