Na Grande Guerra de 1914-1918, morreram na Europa cerca de 10.000.000 soldados, dos quais mais de 10.000 eram portugueses. Morreram 7.700.000 civis. Houve mais de 21.000.000 de feridos, dos quais, 3.000.000 definitivamente incapazes.
Entre 1914 e 1919 morreram, na Europa pela peste e pela guerra, mais de 20.000.000 de pessoas, numa altura em que a população total, sem a russa, era de 360.000.000.
Seguiram-se os “loucos anos 20”, tempo de grande desenvolvimento económico, técnico e científico e, sobretudo, artístico e social.
As pessoas fartas de desgraças queriam viver e gozar a vida.
Hemingway escreveu “Paris é uma festa”.
É verdade que nada ficou como dantes, mas foi no sentido de mais desenvolvimento, mais capitalismo, mais criatividade, mais riqueza e mais prazer em todos os sectores da vida social.
Será exactamente o que virá assim que a pandemia actual termine.
O que mudou agora, foi a postura colectiva perante a doença.
O grande ausente desta vez é Deus.
As grandes e pequenas epidemias e pandemias dos séculos anteriores eram vistas como castigos divinos pelos maus comportamentos humanos.
As 10 pragas do Egipto foram o castigo de Deus por manterem o Povo Eleito em cativeiro.
A partir daí, todos os cataclismos naturais eram vistos como castigos de Deus, que destruiu Sodoma e Gomorra por causa dos maus hábitos dos seus habitantes.
Ao terramoto de 1755 em Lisboa, seguiram-se “autos da fé” com a inquisição a queimar hereges acusados de terem provocado a ira divina. Voltaire escreveu no “Poema sobre o desastre de Lisboa”: “Direis vós, perante tal amontoado de vítimas: / «Deus vingou-se, a morte deles é o preço de seus crimes»? / Que crime, que falta comentaram estes infantes / Sobre o seio materno esmagados e sangrantes? / Lisboa, que não é mais, teve ela mais vícios / Que Londres, que Paris, mergulhadas nas delícias? / Lisboa está arruinada e dança-se em Paris.”
Na mesma época, em 1771, houve peste na Rússia e, em Moscovo, a população juntava-se em grande número em frente a um ícone da Virgem Maria e espalhava o vírus. O arcebispo metropolita Ambrósio, removeu secretamente a imagem. O povo ao saber disso, atacou o mosteiro onde ela se encontrava e estrangulou-o até à morte.
Dantes, faziam-se procissões de desagravo a Deus e morriam mais pessoas.
Desta vez, não houve procissões, nem multidões em Fátima no dia 13 de Maio.
Na Páscoa, festa mais importante do cristianismo, o Papa falou sozinho na Praça de S. Pedro vazia.
As ditaduras teocráticas, medievais, saudita e iraniana fecharam Meca e o mansuléo do Imam Reza em Mashhad e a grande mesquita de Qom.
Israel fechou as sinagogas.
A pandemia já não é vista como um castigo de Deus pelos pecados dos homens. Ainda há um ou outro fanático de várias religiões a clamar que é a culpa dos homossexuais e outras idiotices semelhantes, mas já poucos lhes são ouvidos.
Alguns padres católicos ainda quiseram lançar culpas ao governo pelo encerramento dos lugares de culto, mas a ministra da saúde, com inteligência, entregou a Deus o que é de Deus e disse à Igreja que organizasse o 13 de Maio como entendesse.
Ora, a Igreja optou, e bem, por confiar mais na ciência que na fé, e Fátima ficou fechada.
Isto porque houve uma mudança de paradigma.
O responsável pela pandemia não é Deus, mas o homem, por si só, sem necessidade da intermediação Daquele.
Pois, já nem sequer se aceita que tenha havido uma origem natural. Muitos acreditam que o vírus foi criado em laboratório.
O primeiro ministro da Austrália e o presidente francês, entre muitos outros, pedem explicações à China.
No Apocalipse, o apóstolo João viu os quatro cavaleiros que hão de conduzir à Grande Tribulação final, que são a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte.
Os Homens já quase erradicaram a fome no mundo, e a guerra, apesar de tudo é, hoje, mais rara que no passado.
Falta vencer a morte e, a peste, é portadora da morte.
Ninguém se conforma que a pandemia não seja vencida, porque a crença absoluta na ciência, não nos permite admitir a nossa impotência.
O trabalho e a morte são as consequências do pecado original. Foram anátemas lançados por Deus contra Adão, o homem pecador.
Com a automação e a robotização, a maioria das tarefas penosas são, hoje, desempenhadas por máquinas.
Pouco a pouco, o Homem está a vencer o trabalho.
Falta-lhe vencer a Morte. Já fez grandes avanços. A mortalidade infantil diminuiu drasticamente.
Em 100 anos, a humanidade cresceu quatro vezes mais que nos 20.000 anos anteriores. A longevidade atingiu médias impensáveis até há poucos anos.
Por isso, nesta pandemia, os santos a que nos votamos, não são mais os dos altares, mas os dos laboratórios.
Os super-heróis que nos ajudam a vencer o mal não são o super-homem, nem o Robin dos Bosques, são os médicos e os enfermeiros.
Como vaticina Yuval Noah Harari, quando o Homem vencer a morte, tornar-se-á “Homo Deus” e, nessa altura, deixará de haver, definitivamente, lugar para apelar à intervenção divina. O Homem dirá: “Dieu c’est moi.”
Mas ainda lá não chegamos e a soberba é um pecado mortal.
- Inicie sessão ou registe-se para publicar comentários