Compete 2020 favoreceu grandes projetos;

Pandemia alarga apoios a mais de 65 000 PME
Compete 2020 favoreceu grandes projetos
O Compete 2020 apoiou 3657 projetos de PME entre 2014 e 31 de março de 2020. O número total de PME apoiadas é muito reduzido face ao número total de cerca de 300 mil empresas em atividade. Os recursos foram concentrados no financiamento do setor público e das grandes empresas, absorvendo mais de 50% dos incentivos atribuídos. Com a pandemia e a criação do Programa Apoiar, mais de 65 000 empresas beneficiaram de apoio de liquidez a fundo perdido.
Os grandes projetos da Administração Pública e das grandes empresas foram os maiores beneficiários do Compete 2020. Entre 2014 e 31 de março de 2020, o Estado beneficiou de 1789 milhões de euros em incentivos do Compete 2020 para investimento público em transportes e setor portuário. As grandes empresas viram aprovados 1076 milhões de euros em incentivos. As PME conseguiram obter 2236 milhões de euros em incentivos, representando 53,6% do total dos recursos (ver quadro)..
O Compete 2020 favoreceu claramente os grandes projetos, em detrimento da generalidade das empresas. Entre os projetos apresentados pelas empresas, os apoios  concentraram-se em grandes investimentos. Foram aprovadas candidaturas apresentadas por 140 microrempresas, onde o investimento médio atingiu 4,69 milhões de euros por projecto.
Nos 214 projetos apresentados por  pequenas empresas o valor médio de investimento ultrapassou os 3 milhões de euros. Ou seja, as candidaturas aprovadas a micro e pequenas empresas foram grandes investimentos que não correspondem à dimensão normal da maioria das empresas.
Para Luís Mira Amaral, o universo das 300 mil empresas é enganador, pois há condições de acesso que diminuem bastante o número das  empresas que se podem candidatar ao COMPETE 2020. “Desde logo nem todos os CAE são elegíveis e as empresas não podem ter dívidas nem à Segurança Social nem ao Estado, o que já reduz bastante este universo. Se acrescentarmos a isto o facto de as PME e as grandes empresas  terem que ter uma autonomia financeira de de 15% e 20%, respetivamente, o que, com a conhecida descapitalização atual das nossas empresas, é um problema que urge solucionar, verificamos então que o universo das 300 mil empresas se reduzirá para, certamente, não mais de 50 mil.
Portanto, haver a 31 março de 2020 cerca de 11681 candidaturas, diremos que é um número razoável, face ao explicado” – disse à “Vida Económica” o ex-ministro da Indústria e Energia.
 Luís Mira Amaral recorda que o calendário de abertura dos concursos só foi cumprido no primeiro ano do Compete.  Para o PRR – a dita “bazuca” europeia”– e para o próximo Quadro Comunitário, considera que se acabar com os avisos por concurso e passar a ter abertas as candidaturas em permanência como aconteceu nos primeiros quadros comunitários. “Também é imprescindível dar mais recursos humanos e financeiros aos organismos do Ministério da Economia, que analisam as candidaturas e fazerem os respetivos pagamentos. Projetos há que se candidataram em 2015 e que ainda não receberam a totalidade do incentivo a que tinham direito” – acrescenta.
Para Luís Ceia, presidente da CEVAL, o número de candidaturas e projetos apoiados pelo Compete 2020, é demasiado baixo.
“Os números são elucidativos, poucas candidaturas no global, sendo que muitas das empresas concorreram a mais do que um aviso” – destaca o presidente da Confederação Empresarial do Alto Minho. Será pretensão de todos que o acesso ao Programa atinja o maior universo de empresas possível, cumprindo assim os propósitos da sua criação. Devendo por tal, a realidade atual ser objeto de uma análise criteriosa para que no futuro quadro comunitário se possa alcançar mais empresas, com destaque muito particular para as PME, possibilitando mais coesão económica e social.
 Luís Ceia considera que a dificuldade de acesso ao Compete 2020 se mantenha no PPR:
“Os processos burocráticos adjacentes à elaboração e submissão de candidaturas, os timings de abertura e encerramento dos avisos, os frequentes atrasos nos reembolsos, aliados à iliteracia empresarial ainda existente nestes domínios, afastam claramente as empresas com estruturas mais simples destes processos. Por outro lado, se repararmos, por já estarem adaptadas, possuírem uma estrutura de apoio mais qualificada e haver um histórico de relação com os consultores, são quase sempre as mesmas empresas que concorrem.
Urge agilizar a futura tramitação dos processos de candidatura das empresas, tendo em vista a eliminação das barreiras administrativas que poderão vir a atrasar a contratação e execução dos projetos financiados pelo PRR. Porventura, a abertura em contínuo dos avisos, assim como a intervenção das associações empresarias na divulgação/participação de algumas linhas do Programa poderá ajudar a ultrapassar muitos dos constrangimentos existentes. Se assim o fizermos, e continuarmos a apostar na requalificação e formação dos empresários, fazendo com que estes sejam mais conhecedores e participativos na elaboração das suas candidaturas, teremos certamente mais empresas com projetos candidatados e aprovados” – acrescenta Luís Ceia.
 
Sistema complexo e burocratizado
 
Para Rafael Campos Pereira, o balanço da execução do Compete 2020 não é positivo. “É inequívoco que o PT2020 ficou muito aquém das expectativas, tendo envolvido muito menos empresas do que seria desejável ou mesmo indispensável” – considera o vice-presidente da AIMMAP – Associação dos Industriais de Metalurgia e Metalomecânica. Segundo referiu à “Vida Económica”, o sistema é ostensivamente complexo e deliberadamente burocratizante, hostilizando claramente muitas empresas. Acresce que está pensado no sentido de que, sempre que possível, as verbas sejam desviadas para financiamento do Orçamento de Estado
Rafael Campos Pereira receia que muitas empresas venham a ser excluídas do novo PRR: “Os procedimentos desnecessários e por vezes kafkianos, concebidos com o pressuposto de que todos os privados são desonestos, afasta muitas empresas que poderiam e deveriam aceder aos fundos. Cada vez mais estou convencido de que tudo isso é feito propositadamente” – lamenta.

Candidaturas deveriam abrir em contínuo
 
Para Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP, o modo de funcionamento do Compete 2020 deveria ser alterado para apoiar um maior número de empresas. “Terá muito a ver com o facto de os timings dos concursos nem sempre se ajustarem às reais necessidades das empresas, por isso a AEP sempre defendeu a abertura de candidaturas em contínuo. Terá também a ver com a burocracia em todo o processo de tramitação e com a própria complexidade da candidatura e a exigência na análise do mérito do projeto.
Naturalmente, terá também a ver com situações em que a empresa não reúna os requisitos de acesso, de que será possivelmente exemplo o insuficiente nível de capitalização da empresa, face à exigência do grau de autonomia financeira. A este respeito, os dados do Banco de Portugal mostram de forma muito clara a baixa capitalização das empresas portuguesas, ainda antes da pandemia, que se agrava nos escalões dimensionais mais baixos. De notar que em 2019 pelo menos 25% das microempresas apresentavam um valor negativo no indicador de Autonomia Financeira (1º quartil igual a -1,5). Por setores, alguns onde Portugal é fortemente especializado evidenciam valores muito baixos no primeiro quartil do rácio de Autonomia Financeira, de que é exemplo a indústria transformadora. Por isso os instrumentos de apoio à capitalização das empresas são muito importantes, até pelo facto de as empresas estarem afastadas dos sistemas de incentivos” – refere Luis Miguel Ribeiro.


Calendário de avisos só foi cumprido no primeiro ano do Compete
 
Na conceção do programa Compete achou-se que os avisos de cada medida não deviam estar permanentemente abertos mas sim criar concursos periódicos em que cada aviso teria o seu orçamento e se atribuia um prazo para os organismos intermédios (IAPMEI,AICEP,TP e ANI) estabelecerem os contratos com as empresas nos 90 dias subsequentes à data da candidatura.
O aviso tem um orçamento,  as candidaturas são analisadas numa escala de 1 a 5, sendo que projetos com uma classificação superior a 3 são classificados como bons projetos, e com 5 como excelentes. De permeio são os muito bons. Neste formato o COMPETE propunha-se duas vezes por ano apresentar um calendário de saída de avisos. Para a mesma medida um aviso só poderia abrir quando todas as candidaturas ao aviso anterior estivessem fechadas. Um industrial  que, por exemplo, quisesse fazer um novo investimento em edifícios e máquinas teria duas oportunidades no ano para se candidatar.
Isto só aconteceu no primeiro ano de execução do COMPETE. Daí para a frente deixou de haver,  com a regularidade exigida,  os calendários para avisos e porquê? Ao serem estabelecidas datas fixas para candidaturas, todas elas entravam para análise nos organismos intermédios ao mesmo tempo e havia o compromisso regulamentar de que nos 90 dias subsequentes à entrada da candidatura o empresário estaria a fazer o contrato com o organismo intermédio para obter o incentivo ao seu investimento. Como os organismos não estavam preparados , sobretudo em recursos humanos, para analisarem tanta candidatura de modo a nesses 90 dias darem a resposta ao empresário, todo o esquema ruiu. Organismos há que ainda hoje transformam os 90 dias em mais de 300, o que levou a deixar de haver calendários prévios para se fazerem candidaturas.
Hoje em dia um empresário que tenha ideia de investigar e desenvolver uma ideia de novo produto porque lhe surgiu uma oportunidade de mercado pode estar largos meses à espera que abra um aviso para se candidatar e, depois, conta com mais de um ano para que a candidatura seja analisada. Resultado: ao fim desse tempo todo, foi-se a oportunidade !
O curioso é que o empresário tem que demonstrar, na candidatura, que necessita do incentivo para desenvolver o projeto (efeito de incentivo exigido por Bruxelas), mas com a demora na aprovação do projeto pode, logo que entregou a candidatura, começar a investir e, quando vier o incentivo já o projeto está feito e o incentivo passou a ser um prémio. E os empresários que precisam mesmo do incentivo para investirem?

 

Programa APOIAR aprova mais de 65 000 candidaturas

O Compete 2020 teve uma viragem com o Programa Apoiar. Em 12 meses foram aprovadas 65 780 candidaturas de PME envolvendo um apoio de 935 milhões de euro. Em média cada empresa recebeu 14 000 J a fundo perdido para apoio de liquidez como ajuda pública tendo em conta as dificuldades provocadas pela crise pandémica.
Nesta vertente, o Compete 2020 não atribui incentivos ao investimento, mas sim apoio de emergência às empresas, utilizando os recursos que estavam destinados a novos investimentos das empresas.
O Programa APOIAR traduz-se num instrumento de apoio à tesouraria das empresas que atuam em setores particularmente afetados pelas medidas restritivas adotadas no contexto da pandemia de COVID-19.
 A opção quanto à utilização do Compete 2020 para esta finalidade não é consensual entre os dirigentes associativos.
“Se atendermos a que o Compete tem por missão a criação e agregação de valor a produtos e serviços inovadores, depreende-se que houve uma utilização oportunista do Programa no sentido de dar resposta a uma situação de emergência” – disse Luís Ceia à “Vida Económica”. Para o presidente da CEVAL, desta forma, o Governo resolveu dois problemas: aumentou o índice de execução do Programa e deu resposta às empresas afetadas pela pandemia. O investimento na criação de valor agregado e serviços inovadores deu lugar a uma terapia de choque.
Para Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, a intervenção do Compete para este efeito é aceitável. “Em tempo de guerra, não se limpam armas. Se é possível garantir liquidez de emergência a empresas viáveis e que apenas por causa da pandemia não estão a gerar receitas, essa oportunidade deve ser aproveitada. Trata-se de um verdadeiro investimento económico e social no país, assegurando a continuidade de empresas que em condições normais geram riqueza e garantem emprego” – afirmou.
Para Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP, o recurso ao Compete para  disponibilizar apoio imediato às empresas teve várias vantagens.
“Todos os instrumentos que possam apoiar a liquidez das empresas numa situação de emergência, como é a resultante da pandemia, são muito bem-vindos, na medida em que contribuem para limitar as situações de insolvência, mesmo que esses instrumentos estejam sob outro “chapéu”, pois as empresas necessitam de apoios urgentes e imediatos. O enquadramento num programa já em funcionamento tem também a vantagem de uma maior celeridade na execução, um aspeto que faz toda a diferença quando estamos perante a necessidade de acautelar a sobrevivência de empresas viáveis” – referiu.

 

João Luís de Sousa (jlsousa@vidaeconomica.pt), 29/04/2021
Partilhar
Comentários 0